quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Roda de ratos


Ontem à noite houve um seminário sobre o livro do Immanuel Wallerstein, "Capitalismo histórico e civilização capitalista" no 3o. ano de História. O texto é primoroso, com um bom embasamento teórico e contextualiza bem a história do capitalismo desde o século XV. A certa altura da apresentação do aluno Rafael, ele faz uma citação do Wallerstein sobre o comportamento do capitalista, como um rato que fica correndo em uma roda dentro de uma gaiola e, quanto mais ele corre, mais ele quer correr, fazendo uma alusão à vontade da acumulação de capital.
Nesse momento, senti uma vontade grande de interferir na fala do aluno e fazer uma inferência por outros corredores do pensamento. Lembrei-me do livro do Marshall Berman, "Tudo o que é sólido desmancha no ar" e, em especial, o capítulo em que ele analisa o poema de Goethe, "Fausto".
O personagem Fausto faz um pacto com Mefistófeles para poder seduzir uma moça, loura, ingênua, pura e virgem, uma camponesa idealizada por Fausto como a mulher de seus sonhos. Vende a alma para o diabo. No final da história a moça é seduzida e Fausto apresenta o mundo dele para ela que, por ter um cérebro, simplesmente, se transforma e passa a desejar uma vida bem diferente da que ela tinha e que tanto seduzia Fausto. Enfim, a moça deixa de ser a mulher idealizada de Fausto e este se entedia com ela.
Ele então decide partir para aventuras mais perigosas, "baladas" mais picantes, conhecendo aquilo do mundo, ou do submundo, em que busca o prazer insaciavelmente. Quanto mais prazer ele busca, mais prazer ele quer. Não há uma quota de prazer suficiente para pacificá-lo. Até que chega um momento em que ele se entedia de tanto prazer sensual.
A partir daí, sem querer entrar nos meandros do texto, Fausto passa a desejar transformar o mundo de acordo com sua vontade. Torna-se um capitalista selvagem e decide comprar tudo, destruir o já existente e construir novas coisas. Porém, as novas coisas construídas o entediam também e, novamente, a destruição para a reconstrução. Em certo momento, há no terreno em que ele está comprando uma casa simples, onde mora um casal de anciãos. Ele tenta comprar a qualquer preço a casa deles, mas eles resistem, como se quisessem dizer que o mundo todo não pode ser comprado por um homem só e, ainda mais, resistem para lembrar a todos de um tempo passado onde a vida tinha um ritmo natural, não fatigado pelo relógio e pela lógica especulativa da acumulação do capital.
Fausto não titubeia e manda uns capatazes incendiar a casa dos anciãos e eles morrem. Enfim, Fausto é o dono de tudo. E destrói e reconstrói dentro de uma lógica em que o que se parece novo, nada de novo possui. Uma verdadeira aventura sobre a modernidade. Fausto sempre foi infeliz...
Em todos os momentos, Fausto buscou a felicidade. Mas a buscou fora de si mesmo. Tinha como premissa ter e possuir pessoas e coisas.
Nesse momento da minha reflexão, lembrei-me de Schopenhauer e de seu livro "Aforismos sobre a sabedoria da vida". No início, o filósofo alemão afirma que o homem pode ser medido a partir de três critérios.
O primeiro é o que alguém possui. Por mais que possua bens, esses bens não trarão nunca a felicidade, porque são exteriores ao indivíduo. Além do que, a lógica do consumismo impõe uma constante dor e sofrimento, na medida em que a vontade saciada com a compra de uma mercadoria impõe o tédio e, uma nova vontade impele a pessoa a comprar uma nova mercadoria e assim indefinidamente. A felicidade nunca é alcançada!
O segundo é o que os outros representam sobre nós. Schopenhauer afirma que é uma bobagem nos preocuparmos com o que os outros pensam ou falam a nosso respeito, pois o mundo é formado, na sua maior parte, por néscios e medíocres que nada têm a dizer de significativo sobre nós mesmos. É por isso que ele diz que os homens gostam de jogar cartas. Já que eles são vazios, sem conteúdo, e nada tem a trocar entre si no campo das idéias, então trocam as cartas no jogo. Uma brilhante ironia para o desperdício de tempo em banalidades!
O terceiro é o que alguém é. Em "O mundo como vontade e representação", outro livro de Schopenhauer, ele afirma que nós nascemos com o nosso caráter firmado, essencialmente inscrito em nossa personalidade. Em relação à vontade de nosso íntimo, nunca mudaremos. O máximo que podemos fazer é utilizarmos o nosso intelecto, se tivermos de fato um, para aprimorar a nossa vontade e transformá-la em algo positivo. Isso já é um avanço, mesmo que não ocorra uma transformação essencial do que nós somos. Mas, pelo menos, temos o conhecimento e o intelecto que, além do mais, nos ajuda a entender como o mundo e as pessoas funcionam.
Então, um importante passo para o reconhecimento de alguma felicidade, que nos alivie da dor e do sofrimento que o mundo impõe a nós, é nos conhecermos interiormente, preenchermos o nosso coração vazio de conhecimento e virtudes e, a partir daí, sentirmos orgulho de nós mesmos. Essa sedimentação do ser humano naquilo que ele realmente é deve ser tratada de maneira honrosa e nunca permitir a desonra. Com relação à vaidade, Schopenhauer é bem claro, ela é uma tentativa de obter uma opinião alheia favorável à nós e, em relação ao que os outros pensam sobre nós, nada há a acrescentar.
Enfim, na história trágica do capitalismo, em que o mundo exterior é esperado como algo que despertará dentro de nós um sentido da vida, somos que levados a viver um grande equívoco. Enquanto buscamos nos outros e nas coisas um pouco de paz e de felicidade e, logicamente, não encontramos, devemos buscar dentro de nós o nosso próprio significado.
Pensar assim dentro da lógica do sistema capitalista é remar contra a maré. Mas pelo menos estamos remando...

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sem você
















Sem Você

Tom Jobim / Vinícius de Moraes

Sem você
Sem amor
É tudo sofrimento
Pois você
É o amor
Que eu sempre procurei em vão
Você é o que resiste
Ao desespero
E à solidão
Nada existe
E o tempo é triste
Sem você
Meu amor
Meu amor
Nunca te ausentes de mim
Para que eu viva em paz
Para que eu não sofra mais
Tanta mágoa assim
No mundo sem você
Essa linda canção pode ser ouvida na voz do Chico Buarque no site: http://www.youtube.com/watch?v=2N4U9pUmbxY
O amor morreu...???
Perdeu-se em meio à tanta discórdia e egoismo.
O romantismo se tornou piegas, sem graça,
porque ele não permite o imediatismo dos encontros.
A superficialidade faz com que se ausente os sentimentos.
As pessoas têm pressa e são fugidias,
se satisfazendo com tão pouco...
Alguns poderão dizer que o amor é algo orgânico,
biológico ou natural,
que o que aproxima duas pessoas são somente determinações gênicas.
Mas as pessoas não podem esquecer que nós é que inventamos a cultura,
e a percepção do amor, do sentimento, da vontade de acalentar e docemente tratar
não é realmente natural,
é resultado de uma vontade socialmente construida com base em uma expectativa de criar um novo mundo.
Nesse caso, o amor é uma invenção humana,
mas não é por essa razão que ele deve ser descartado, empoeirado sobre uma prateleira.
Creio que ele deva ser cultivado e adorado por todos aqueles que acreditam e precisam da sensibilidade, da aproximação afetiva, da crença na necessidade de se buscar e encontrar no mundo alguém para quem podemos ser verdadeiramente nós mesmos.
Estabelecer uma relação de dependência emocional com alguém não agradaria a Schopenhauer,
não agradaria a muitos que não aceitam o que para mim parece ser a inevitabilidade de ser alguém que vive para amar o amor que ama...
Acho que enquanto existirem pessoas assim,
canções como essa terão vez e espaço para serem ouvidas e tocadas ao violão em uma tarde tranquila qualquer...
Amar sem medo...
Amar querendo amar...
Amar para ser amado...
Amar para espantar o choro do solidão...
Amar para simplesmente dizer: eu te amo!