sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Liberdade é atitude



Terminei de ler a interessantíssima biografia filosófica e pessoal de Martin Heidegger, um pensador alemão do século XX que escreveu um livro pedreira intitulado "Ser e Tempo". Rüdiger Safransky é um biógrafo como poucos. Ele não é positivista em suas descrições e, desta forma, não elabora uma narrativa linear, do tipo cronológica. Ele parte dos estudos de Heidegger e das possíveis interações das reflexões desse "mestre da Alemanha" com sua vida pessoal. Em particular, o que me interessa escrever agora em meu blog, é a questão da liberdade individual e da escolha. Heidegger, a partir de 1933, torna-se nacional-socialista, isto é, membro filiado do partido nazista na Alemanha de Adolf Hitler. É nomeado reitor de uma renomada universidade alemã e assume uma postura e orienta suas ações de modo a aceitar o projeto histórico do nacional-socialismo encarnado na pessoa do "führer". Sofreu inúmeras críticas no pós-guerra por essa escolha, especialmente de sua mais famosa aluna, a grande pensadora Hannah Arendt. Tenho a impressão de que no livro "Origens do Totalitarismo" ela escreve sobre a ascensão do nazismo na Alemanha nos anos 20 e 30 pensando em Heidegger. Pois bem, a escolha dele é mera desculpa para escrever o que me proponho. Heidegger fala muito no "estar no mundo", no "estar presente", na vivência do "ser" no tempo e na própria história. E, pelo que entendi, o "ser" precisa existir de uma única forma, que é a ação. Aqui, a ação é contrária à contemplação. Apesar de recorrer muito à Platão, Heidegger não defende uma filosofia contemplativa, mas uma filosofia ativa. Há, sem dúvida, pontos de concordância com o velho mestre grego, pois Platão correu risco de vida quando viajou para Siracusa, na Sicília, para transformar um rei despótico em um rei filósofo. Platão não foi tão contemplativo assim. Pois bem, desta forma, "estar no mundo" é agir. E agir significa vivenciar na sua integralidade a liberdade, portanto, as escolhas que somos sempre instigados a fazer. O homem é a escolha que ele faz para si próprio e para os outros, e que também tem repercussões em relação aos outros. A inação é a negação do "estar no mundo". A inação, que sugere a contemplação, é a negação do próprio existir. Heidegger escolheu o nacional-socialismo e mudou, em diversos momentos, seu discurso. Porém, após a guerra e instigado pelas críticas que fizeram a ele, ele respondeu que naquele momento, em uma Alemanha vivendo uma depressão econômica, resultado da crise de 1929, com sete milhões de desempregados, mais as suas famílias, sem perspectiva, sendo obrigada a pagar vultuosas somas em moeda com indenização de guerra, porque tinha perdido e culpabilizada pela Primeira Guerra Mundial segundo o Tratado de Versalhes, porque perdeu territórios, porque a auto-estima do povo alemão estava a mais baixa possível, entre outras razões, e porque Hitler personificava, naquele momento, a possibilidade de uma revolução na Alemanha, a construção, que hoje sabemos ser estética, de uma Alemanha "nova", engajou-se na vida pública e política com coragem e determinação. Em carta a um ex-aluno depois da Segunda Guerra Mundial, ele disse que ações exultantes como a dele também foram compartilhadas por homens como Hegel e Hölderling, que viam em Napoleão Bonaparte o triunfo da "razão" iluminista e dos princípios de liberdade e igualdade entre os povos e nações. Pois bem, Heidegger escolheu mal segundo os olhos do presente, mas naquele momento histórico, Heidegger fez a sua "melhor escolha", pois não há nada fora de nós que legitime dizer que a escolha de qualquer pessoa tenha sido "certa" ou "errada". E é desta forma que penso e sinto Heidegger com misericórdia, no sentido de Sponville, reconhecendo a verdade histórica, as escolhas do "mestre da Alemanha" mas não o odiando e, desta forma, abrindo espaço para o amor, no sentido de "agapé", ou seja, o amor universal, que me permite hoje ler seus livros e artigos com generosidade, aprendendo com esse grande filósofo o "mergulho que fazemos na vida", o próprio "dasein", e utilizar minhas reflexões, a partir de sua obra e de sua biografia para a minha própria vida, para minhas escolhas e, consequentemente, para o exercício da minha liberdade. Amanhã será dia 12 de Dezembro e fiz minha escolha, livremente, responsavelmente. Agi no mundo de acordo com o que considero minha "melhor escolha" em face das premissas subjetivas e objetivas que hoje tenho em mãos e que, com certo grau de imprecisão, minha razão e meus sentimentos podem avaliar. É tudo na vida uma questão de se compreender o "ser" no "tempo", o "ser" que somos, momentaneamente, e o "tempo" presente, que temos, também momentaneamente. Saudações heideggerianas para todos...