domingo, 15 de agosto de 2010

Sobre as eleições...



O processo eleitoral está correndo à todo vapor. Na verdade, em política e, no caso, em um Estado Democrático de Direito, o processo eleitoral nunca termina. Não é porque o político X ganhou a eleição para o cargo Y que ele não continua tratando do processo eleitoral, seja para se reeleger ou para eleger alguém que preza ou de sua confiança ou então que seja capaz de manter seus ideais sobre administração pública. Porém, a sociedade como um todo não pensa nisso. Deixa-se, fragilmente, manipular pelos meios de comunicação de massa e somente pensa sobre as eleições na véspera. Maquiavel, há quase quinhentos anos, afirmou que o principal objetivo da política é tomar o poder e se conservar nele. Maquiavel era um republicano, ao contrário do que dizem seus simplórios analistas, ao afirmarem ser um defensor do absolutismo monárquico. Seu interesse, em especial no livro mais conhecido "O Príncipe" era o de dissecar a política em seus caracteres realistas, sem o devir aristotélico ou o idealismo platônico. Aliás, ele deixa isso explícito logo no início do livro. O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, um dos mais importantes sociólogos brasileiros vivo, em palestra realizada em São Paulo na semana que passou, afirmou, a partir da leitura de Maquiavel, que o homem público em uma sociedade de massas não pode sempre ser fiel à verdade. Isto não quer dizer que deva ser mentiroso, mas que deve pensar antes de afirmar qualquer coisa e que deve omitir informações quando isso for do interesse mais geral, do interesse público. Lembro-me de um debate entre a Marilena Chauí e José Artur Gianotti sobre a flexibilidade espacial entre o moral e o imoral em política. Ela afirmava que não há uma espaço amoral, ou seja, que a linha divisória entre o moral e o imoral em política é tênue. Ele afirmava que entre a moral e o imoral há um espaço amoral que é dinâmico e flexível, dependendo das circunstâncias. Fico com o Gianotti, encarando a política como o espaço e a ação do possível. Nesse sentido, analisando a candidatura da Dilma e do Serra, respectivamente, PT e PSDB, percebo que há pontos divergentes e convergentes entre ambos. O principal ponto de convergência está na consciência do problema social em nosso país, em especial a questão da desigualdade entre ricos e pobres. Não interessa agora discutir os métodos e práticas propostos por ambos para atacar o problema, pois isso é contingencial. O principal ponto de divergência está na concepção do Estado brasileiro, que envolve uma concepção da história social do Brasil. Serra vê o Brasil de maneira linear, a partir de sua percepção da própria história de sua família. O mais importante, pensa ele, é permitir a livre circulação de pessoas, idéias e mercadorias para que os indivíduos conquistem um lugar no mercado de trabalho e possam garantir a si próprios e aos seus próximos uma qualidade de vida melhor. Dilma, que também se apóia na sua experiência pessoal de vida, pois foi militante ativa de oposição durante a Ditadura Militar (1964-1985), percebe a história como um embate dialético entre as classes sociais e, nesse sentido, dá muita importância para os movimentos sociais e coletivos da sociedade brasileira e prega a presença de um Estado intervencionista no setor social, capaz de realizar políticas públicas favoráveis ao processo de desenvolvimento social. Enquanto Serra prega o individualismo liberal, Dilma prega o intervencionismo estatal. Claro que o que acabei de escrever é muito sumário, pois tanto um como outro demandam uma reflexão muito mais aprimorada. Mas creio que o leitor tenha, a partir dessa abordagem sumária, uma ideia mais clara do que aproxima e distancia um do outro. Não se trata de maniqueísmo. Serra não é o "vampiro brasileiro" e Dilma não é a "subversiva comunista", como querem alguns ignorantes ou então mal intencionados. São reflexos da realidade social e histórica brasileira no início do século XXI, carregada de uma herança do passado nacional, repleto de contradições e, principalmente, de demandas sociais por um poder público que seja capaz de equacionar e propor soluções para os problemas mais prementes da Nação. Para que isso seja possível, algum dos dois terá de tomar o poder e se manter nele, segundo Maquiavel. Porém, isso envolve, no processo democrático, um sistema de alianças e negociações muito complexo, com partidos políticos, sindicatos, ONGs, grupos ideológicos, classes sociais, meios de comunicação de massa etc. Não pense o leitor que a ação política de solução de problemas concretos na sociedade é resultado de um gesto de boa vontade do legislador e, em especial, do executivo na pessoa do Presidente da República. Não há unilateralidade nesse processo. O que existe, de fato, é uma situação de interdependência entre o poder público e os mais diversos setores da sociedade, que possuem suas demandas, legítimas ou não, mas que têm algum tipo de poder em contrapartida, capaz de pressionar o governante a se posicionar positivamente em relação ao diálogo e, com base no consenso político, apoiando-se na tolerância e na flexibilidade, ser capaz de implantar medidas realmente eficazes para a resolução dos problemas sociais. Para finalizar, quero que o leitor reflita que os padrões de moralidade da vida privada não podem ser aplicados à vida política. O pensamento político deve ser utilitarista, tendo como base de legitimidade da ação política a consequência pragmática do próprio ato. Do contrário, o idealismo político afastaria o governante tanto da capacidade de tomar decisões como, principalmente, do contato com a sociedade e suas demandas.

sábado, 7 de agosto de 2010

Eh Pagu Eh...


Pagu... Patrícia Galvão... em meio a um câncer que lhe tirou a vida em 1962, aos 52 anos de idade apenas, ainda agia infatigável na militância social e política. Plínio Marcos, ainda um jovem, a conheceu em Santos. Ele, vivido nos puteiros da cidade. Cais, putas, cachaça, povo. Cheiro de gente que é real. Conheci o Plínio em São Paulo vendendo na USP seus livros em julho de 1984. Ela não conheci. Não tinha nascido ainda. Se existe alguém a quem é possível atribuir o título da peça de Plínio, "Navalha na carne", é Pagu. Plínio é preso e perseguido durante a Ditadura Militar (1964 - 1985). Pagu é presa e estuprada no DOPS durante a Era Vargas. Uma identidade entre os dois. Um inconformismo duplo. Pagu é hoje nome de um Centro Cultural na cidade onde nasceu: São João da Boa Vista. Não há nada mais contraditório na História. No Centro Cultural não há livros significativos para a população pobre da cidade ler. Pagu ficaria furiosa se soubesse disso. Hoje é "chique" citar Pagu. Mas a maioria dos que a citam são hipócritas pequeno burgueses. Pagu apanhou da polícia. Deu tiros da janela de seu jornal em estudantes reacionários da Faculdade de Direito de São Paulo. Foi presa por causa disso! Mulher. Cabelos soltos, lábios marcados por um forte batom vermelho, blusas transparentes. Fumava em público! Era dona mais que sabida de seu corpo e de sua sexualidade. Os chauvinistas dos anos 1930 diriam: se mulher não é doméstica, é puta! Além disso, comunista. Foi o Prestes que a introduziu no Partidão. Oswald se separou da Tarcila para se casar com Pagu. O sacana canibalizou Pagu na sua antropofagia. Pagu disse mais um palavrão, deixa o filho com Oswald e vai para a Europa. Vive sua liberdade! Quando volta, mais pancada e prisão. Tem um momento de lucidez e rompe com o PCB. Vira trotskista e passa a viver com Geraldo Ferraz. Esse homem acolhe Pagu e a ama de verdade. Um verdadeiro homem não olha a simetria feminina, olha a alma da mulher e admira sua força e coragem. Pagu vai para a Escola de Arte Dramática e mergulha no teatro. A arte é a forma mais sublime de denunciar a opressão e desejar a mudança. Pagu é esmigalhada pelo tempo, pelos homens, pela doença, pelo stalinismo, pelo getulismo, pela classe média. Nenhum proletário conhecia Pagu. Morre arruinada na sua angústia de uma vida em liberdade ousada, mas vilipendiada pela arrogância dos falsos moralistas. Pagu é mulher de palavra e de coragem. Eh Pagu Eh! Cem anos desde o seu nascimento. Basta um olhar lânguido e ela derrete o coração daqueles que ainda se inspiram em seu querer e em seu devir. Musa? Não. Isso é sujeira do antropófago e do Bopp. Vida pulsante? Sim. Um paradigma para todos os que têm a coragem de ousar na vida. Ei, Pedro Conte, lembra daquele dia na padaria Rainha? Vc me perguntou como é possível ainda ser rebelde. Respondi que para isso é preciso querer ser livre. Fique vc com a memória da Pagu e com a minha mais sincera amizade...