segunda-feira, 27 de junho de 2011

As redes sociais

O início do século XXI criou uma tecnologia que considero fantástica, as redes sociais, que usam da internet e dos pcs para entrarem em contato, estabelecerem comunicação instantânea entre as pessoas, independente de cor, credo, filiação partidária, local onde vive, idade, riqueza ou pobreza, entre tantas coisas.
Acredito no poder gigantesco das redes sociais. Elas são capazes de fazer cumprir a profecia do especialista em comunicação norte-americano, Marshall McLuhan em seu livro "A galáxia de Gutemberg", que é a criação de uma aldeia global. Não no sentido das pessoas pensarem da mesma forma, pelo contrário, da possibilidade dos diferentes, dos desiguais, expressarem o que pensam e, desta forma, enriquecer o debate democrático com a participação da minoria, seja de qual tipo for.
Como na sociedade que eu chamaria de real, porque as redes sociais são virtuais, as pessoas comunicam aquilo que pensam. É só dar uma olhada em qualquer página de rede social que poderá ser visto o que a maioria da população pensa. São as famosas mediocridades já avisadas por Schopenhauer que dizia porque as pessoas jogam cartas. Como elas não têm nenhuma ideia para trocar, trocam cartas!
Não sou tão pessimista e desanimado como Schopenhauer. Procuro ser um realista otimista. Então, acredito que os blogs, os facebooks etc servem para todo tipo de coisa, desde falar qualquer merda ou marcar um encontro sexual até elaborar um protesto político significativo que irá provocar os leitores virtuais a pensarem.
Acho que as redes sociais devem ser utilizadas nas escolas, entre alunos e professores, para que exista um ambiente de maior liberdade e questionamento entre eles. Estou me lembrando de um comercial norte-americano em que uma criança pergunta para um professor se ele é que vai dar aula. Se for, a criança pergunta se ele tem um computador, se sabe navegar na internet etc. Ou seja, em tempos de tecnologia da comunicação tão adiantada, não é possível pensar o professor usando o mesmo livro didático, o mesmo giz e a mesma lousa e, o que é pior, o mesmo discurso de sempre, baseado em suas fichas amareladas. É preciso botar pimenta e mais tempero nesse pirão que está sendo feito com as tecnologias.
Sem medo! Se tiver que se fazer uma crítica, deve-se ponderar se ela é ou não pertinente, o mesmo vale para elogios. As crianças e os jovens não são idiotas, porque sabem o que querem e querem ser, antes de tudo, ouvidos pelos adultos. Sem hierarquização de poder entre professores e alunos. Pela liberdade de expressão e igualdade de tratamento, com respeito e dignidade de ambas as partes.
Quem dera pudesse toda criança e todo jovem da escola pública ter um netbook e cada escola ter wireless em número suficiente para plugar todos esses pcs à internet no horário da aula.
Alguns poderão dizer: mas o aluno irá ficar navegando em páginas nada a ver enquanto o professor explica o conteúdo. Que bobagem! Leciono há 28 anos e sei muito bem quando um aluno está no mundo da lua, sem netbook, apenas sentado na carteira olhando perdido para o horizonte, e quando ele está ligado na aula. É o professor que faz a diferença. Ele é que tem que motivar o aluno, fazer com que o mesmo preste atenção, não por medo da prova, mas pelo que é interessante no assunto abordado e na forma como o assunto é abordado.
Enfim, é fundamental democratizar o acesso à tecnologia da informação para toda a sociedade para que não somente a escola mude seu perfil, mas também a democracia tenha respaldo e se consolide definitivamente.

O Brasil mudou!!!

Hoje, 27 de junho de 2011, na Fundação Getúlio Vargas, foi apresentada uma pesquisa feita por diversos economistas sociais, sobre o crescimento econômico e a distribuição de renda no Brasil nos últimos anos. Para quem acha que economista é um nerd que fica com a calculadora na mão, como querem os patronos da autarquia municipal dessa cidade, ou então que são investidores neoliberais autodenominados de empreendedores, como quer a escola de negócios dessa mesma cidade, economista social é um especialista em combinar a aritmética econômica, como o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) com o nível de vida e expectativa de felicidade da sociedade, por exemplo.
Então, a pesquisa, que pode ser acessada pelo blog do Paulo Henrique Amorim (www.conversaafiada.com.br), informa que dos cinco países emergentes, o chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que em 2030, é a previsão, terão a maior fatia da produção econômica mundial, o Brasil foi o que de longe mais distribuiu renda para a população pobre, elevando para a categoria de classe C, ou seja, classe média, aproximadamente 40 milhões de pessoas, mesmo que tenha tido um crescimento do PIB inferior ao dos outros quatro países.
Isso significa que a curva da miséria no Brasil está em declínio, um feito histórico, levando em consideração que nos últimos 500 anos o Brasil teve uma história de vertiginosa desigualdade social.
Esse fato deve ser atribuído, primeiramente, ao governo FHC, que colocou um ponto final na hiperinflação que o país vivia e também estabilizou a moeda e deu garantias aos mercados internacionais. Porém, o governo do tucano não fez quase nada em relação ao social.
As ações que priorizaram o combate a miséria foram obra do presidente Lula e do PT, de 2003 a 2010, e que está tendo continuidade com o governo da presidente Dilma.
Essa questão política é fundamental, porque estabelece uma linha divisória ideológica entre os dois mais importantes partidos políticos brasileiros: o PT e o PSDB.
O PMDB é, sem dúvida, um partido importante, do ponto de vista dos votos no legislativo e no controle de prefeituras, mas não é um partido com ideologia definida, é corporativo e rema a favor da maré, e isso é perigoso, mas não dá para governar o país em uma democracia sem o voto os peemedebistas. É por isso que o vice da Dilma é o Temer.
A mídia marrom, ou seja, vendida aos interesses conservadores nacionais, como é a revista Veja, por exemplo, costuma inventar factóides sobre membros do governo petista, como foi o caso do Palocci. Ele era o membro do governo mais vinculado ao mercado financeiro, com maior capacidade de diálogo com os donos da banca do cassino e, por causa disso, era o ministro da Casa Civil, para estabelecer um link entre o governo Dilma e o mercado, porque sem isso não é possível governar o Brasil, porque haveria um golpe militar ou um assassinato. Então, os opositores casuísticos do PT e do governo Dilma jogaram na imprensa marrom a hipótese de enriquecimento ilícito e devido aos ventiladores, que espalham qualquer coisa no ar, ele pediu demissão. É isso!
Por outro lado, a ausência do Palocci não terá fortes repercussões junto ao empresariado, porque mesmo diante de tantas provocações, a Dilma irá respeitar os contratos e continuará colocando mais gente na classe C, que salvou com o consumo interno, o Brasil da crise econômica de 2008.
Agora é continuar apostando no desenvolvimento e melhor a educação e a saúde pública, mas isso depende muito da vontade política dos estados e dos municípios, e menos do governo federal. E nas mãos de quem estão a maioria dos estados e dos municípios? Não é nas mãos do PT...

sábado, 25 de junho de 2011

Sobre raciocínio e discussões...

Achei muito interessante essa reportagem da Folha de São Paulo de hoje sobre a importância do debate, do conflito entre ideias, para o desenvolvimento do raciocínio e, portanto, do conhecimento. Boa leitura!

Raciocínio evoluiu por causa de discussões

Estudo contraria ideia de que a razão se desenvolveu para achar a verdade

Teoria de cientistas franceses explicaria porque raciocínio das pessoas é cheio de inconsistências e vieses

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Num artigo impactante, que vira do avesso alguns dos pressupostos da filosofia e da psicologia evolucionista, os pesquisadores franceses Hugo Mercier (Universidade da Pensilvânia) e Dan Sperber (Instituto Jean Nicod) sustentam que a razão humana evoluiu, não para aumentar nosso conhecimento, mas para nos fazer triunfar em debates.
Desde alguns gregos, mas especialmente com René Descartes (1596-1650), consolidou-se a ideia de que a razão é um instrumento pessoal para nos aproximar da verdade e tomar as melhores decisões possíveis. "Penso, logo existo" é a divisa que celebrizou o pensador francês.
Se esse esquema é exato, como explicar que o pensamento humano erre tanto? Como espécie, fracassamos nos mais elementares testes de lógica, não conseguimos compreender noções básicas de estatística e nascemos com uma série de vieses cognitivos que conspiram contra abordagens racionais.
A situação não melhora quando quando abandonamos o reino das abstrações para entrar no terreno do interesse pessoal. Vários estudos têm mostrado que a maioria das pessoas comete verdadeiros desatinos lógico-financeiros ao administrar seus fundos de pensão.
Mercier e Sperber afirmam que é possível explicar esse e outros paradoxos se deixarmos de lado a noção clássica para adotar o que chamam de teoria argumentativa. Apresentam uma convincente massa de estudos e evidências em favor de sua tese.
A ideia básica é que a capacidade de raciocinar é um fenômeno social e não individual, cujo objetivo é persuadir nossos semelhantes e fazer com que sejamos cautelosos quando outros tentam nos convencer de algo.

SOLUÇÕES
A teoria, dizem os autores, não só faz sentido evolutivo como ainda resolve uma série de problemas que há muito desafiavam a psicologia.
O mais importante deles é o chamado viés de confirmação, que pode ser definido como "buscar ou interpretar evidências de maneira parcial, para acomodar crenças, expectativas ou teorias preexistentes". O fenômeno está na base daquela mania irritante de políticos de só responder o que lhes interessa.
O viés de confirmação é ainda uma das razões de persistência no erro, mesmo quando ele nos prejudica.
Temos dificuldade para processar informações que contrariam nossas convicções. Em suas versões extremas, ele produz pseudociências, fé em religiões e sistemas políticos e também teorias da conspiração.
Sob o modelo clássico, o viés de confirmação é uma falha de raciocínio mais ou menos inexplicável.
Mas, se a razão foi selecionada para nos fazer vencer em debates, então faz sentido que eu busque apenas provas em favor da minha tese, e não contra ela.
Adotada a lógica da produção de argumentos, o que era erro se torna um dos pontos fortes da teoria.

FENÔMENO SOCIAL
O modelo tem, evidentemente, implicações fortes. A mais evidente delas é que a razão só funciona bem como fenômeno social. Se pensarmos sozinhos, vamos muito provavelmente chafurdar cada vez mais fundo em nossas próprias intuições.
Mas, se a utilizarmos no contexto de discussões, aumentam bastante as chances de, como grupo, nos dar bem. Ainda que nem sempre, por vezes as pessoas se deixam convencer por evidências.
Trabalhos mostram que, quando submetidas a situações nas quais é preciso chegar a uma resposta correta (testes matemáticos ou conceituais), pessoas atuando sozinhas se saem mal, acertando em torno de 10% das respostas (Evans, 1989).
Quando têm de solucionar os mesmos problemas em grupo, o índice de acerto vai para 80%. É o chamado efeito do bônus de assembleia.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

190 anos de São João da Boa Vista


Hoje a cidade de São João da Boa Vista completa 190 anos. É muito tempo e muita história. Porém, ao vislumbrar o que se fala ou se escreve nos meios de comunicação da cidade parece que tudo é uma maravilha. Uma concepção linear de tempo transpassa qualquer discurso sobre a cidade, revelando uma crença ingênua no progresso e no desenvolvimento.
A prefeitura e a Câmara fazem elogios ao programas sociais desenvolvidos na cidade, mas que são precários e não atendem a maioria dos excluídos da população. A cidade carece de muitas coisas e não existem iniciativas para valer no sentido de suprir as demandas sociais.
Um exemplo patético é o da educação infantil. As escolas municipais estão com classes superlotadas, com poucos professores disponíveis, muitos de licença médica, porque não aguentam cuidar, porque educar é um sofisma, de quase quarenta crianças em uma sala de aula, na faixa etária dos seis ou sete anos. Não vou nem dizer o salário dos professores, que em geral está acima do pago pelo estado, mas que é indigno para o serviço prestado por esses profissionais que se dedicam a alfabetizar o que a elite costuma chamar de cidadãos (eleitores?) de amanhã.
Parece que tudo está em festa. O sistema de transporte é uma porcaria. Para que a empresa privada que possui a concessão do transporte público possa ter mais lucros, disponibiliza, com o apoio do poder público, poucas linhas de ônibus, que transformam o deslocamento da população em um martírio. Quantos são aqueles que precisam esperar trinta, quarenta ou até cinquenta minutos para que o ônibus os leve até o ponto mais próximo de sua casa, porque a empresa precisa percorrer com o mesmo ônibus um trajeto muito maior do que o necessário, para resguardar os lucros capitalistas tão almejados. E dá-lhe a população que se fosse a pé ou de charrete poderia chegar mais rapidamente no destino.
Como o transporte público está uma droga, ocorre o inchaço da ruas pelos motoboys. O mototáxi tornou-se a praga do trânsito da cidade e uma forma de enganar as taxas de desemprego. Hoje em dia qualquer desempregado, porque emprego é artigo de luxo na cidade, a não ser aquele que oferece salário mínimo e uma jornada diária de quase dez horas de trabalho, compra uma motocicleta ou se dispõe a trabalhar para uma empresa que possui o veículo, e tenta ocupar o espaço vago deixado pelo transporte coletivo.
Não quero demonstrar rabugisse em relação a cidade. Aliás, adoro essa cidade. Vivo aqui há trinta anos e não pretendo sair de um lugar que para mim é tão acolhedor. O problema é que não posso julgar o lugar em que vivo bem a partir somente de minha experiência. Preciso analisar o que acontece com o restante da população. O plano diretor da cidade criou um apartheid social baseado em uma divisão urbana que desloca as residências de classe média alta e classe alta para a região da Mantiqueira, onde é proibido construir qualquer equipamento comercial, mas permite que nos bairros pobres de periferia, que fica no sentido oposto da Mantiqueira, se formem qualquer negócio que perturba o sossego e o sono dos moradores, mas porque é uma região proletária, tudo pode.
Me irrita a falta de senso crítico por parte dos meios de comunicação da cidade, que mais parecem despachantes do poder público do que aquilo que geralmente se designa com o nome de imprensa e jornalismo. Ler qualquer jornal da cidade é uma ato de paciência para monge medieval. Não há criticidade e muito menos reflexão. O que se lê são notícias plantadas pelo poder público ou pelo partido político que domina a cidade, o PSDB e seus mentores intelectuais. As notícias sobre assuntos policiais são patéticas. Manchetes sobre furto ou uso de entorpecentes mais parecem com o antigo Notícias Populares, só que com um texto parecido com um boletim de ocorrência. E o necessário espaço para que a opinião pública manifeste seu descontentamento em relação ao que ocorre na cidade? Esse espaço, quando existe, é sempre censurado.
O poder público oferece a política do pão e circo, com a tal festa junina no recinto de exposições e depois, em julho, com a feira agropecuária, que só gera lucro para empresários de fora da cidade que realizam os mega eventos de baixa qualidade, para ludibriar a população ingênua e sem consciência política, que fica passeando na quermesse ou economizando as migalhas que sobram dos salários baixos pagos pelo comércio varejista para comprar as entradas para a tal Eapic e assistir shows de axé e de breganejo.
Claro que existem eventos culturais legais e importantes como a virada cultural, a semana Guiomar Novaes, as apresentações da orquestra sinfônica municipal, entre outros. Mas são muito pouco divulgados para a maioria da população e ocorrem, geralmente, no centro da cidade, que fica longe da residência da população mais carente que, por não ter dinheiro para a condução, acaba não participando desses eventos tão bem montados.
Então, hoje que é um dia comemorativo, porque são poucas as cidades brasileiras que têm 190 anos de idade, quero por um lado dizer que fico feliz em viver em uma cidade tão bela como São João da Boa Vista, mas fico indignado com a falta de debates públicos sobre a política, a economia, a sociedade e a cultura da cidade, que possui uma elite dirigente que não se preocupa com o futuro dos setores sociais marginalizados, constituídos principalmente pelos pobres com baixa qualificação educacional e profissional.
Muita coisa tem que ser feita para a cidade realmente melhorar, e não basta criar mais empregos, porque os salários são baixos. É preciso criar empregos com salários melhores e qualificar a população pobre no campo da educação e da profissionalização. Os resultados de uma política pública que realmente tenha vontade de modificar a ordem existente permitirá que daqui a alguns anos possamos comemorar talvez os 200 anos da cidade com muito mais alegria do que comemoramos hoje.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Tradições e novas provocações...


O estudo da Filosofia é vasto o suficiente para encontrarmos diversas tradições filosóficas na história. A tradição mais comum, a que aparece em demasia nos currículos escolares do ensino básico, fundamental e médio, e também no universitário, remonta a Sócrates e Platão.
A tradição socrático-platônica pressupõe a realidade divida em duas esferas. O mundo sensível, que é o mundo em que nós vivemos, é vista por Platão como uma sombra, uma cópia imperfeita do mundo das ideias. Essa narrativa pode ser encontrada no mito da caverna, exposto no livro VII da “República”.
Essa tradição separa o mundo material do mundo espiritual, entendo aqui espírito como as ideias produzidas pela mente humana. O mundo material é uma sombra porque está em constante dinâmica, movimento e transformação, nunca estável e, dessa forma, impossível de ser compreendido e conhecido enquanto conceito e verdade. Nesse mundo o que prevalece são as opiniões (doxa).
É no mundo das ideias onde se encontra a realidade, porque essa por ser verdade e, consequentemente, conforme afirmava Platão, é bela. Na alegoria da caverna Platão compara a ideia suprema do bem e do belo com a luz do Sol porque, segundo ele, essa verdade é tão superior que os humanos não possuiriam palavras e conceitos para nominá-la ou descrevê-la.
O cristianismo se apropriou do platonismo e fez uma transposição do mundo das ideias para o mundo após a morte, o mundo espiritual no sentido religioso, onde encontraria-se a vida eterna. Já o mundo material também é apropriado pelo cristianismo como um mundo transitório, agora configurado com a ideia do pecado e da culpa, inerente ao corpo.
A dicotomia entre o corpo e a alma, para o cristianismo de origem platônica, é fundamental para se entender a tradição filosófica que chega em Descartes com o argumento do cogito (“penso, logo existo”). Nessa argumentação cartesiana, exposta em livros como “O discurso do método” e “Meditações de primeira filosofia”, a mente humana, onde ocorre o pensamento, está independente do corpo. Na verdade, para Descartes, o corpo é visto como uma máquina, uma estrutura sistêmica subordinada ao pensamento e todo o processo de conhecimento passa fundamentalmente pelo cogito.
Nesse sentido, o que se encontra na maioria dos manuais de Filosofia, é a presença de uma tradição filosófica, que começa em Sócrates e Platão, passa pelo cristianismo medieval e consolida-se com Descartes no século XVII, que apresenta uma concepção imaterial do pensamento e, do ponto de vista ético, subordinando os sentidos e as emoções, como formas de apropriação do conhecimento, a racionalidade do intelecto.
Na contramão dessa tradição, encontramos o filósofo judeu de origem portuguesa, que passou a viver na Holanda para fugir das perseguições religiosas católicas na Península Ibérica e luteranas na Alemanha, no território do antigo Sacro Império Romano Germânico, chamado Baruch (Benedito) Spinoza (Espinosa).
Esse intelectual e filósofo moderno, pois viveu no século XVII, que é o mesmo século de Descartes e de Galileu, recupera uma tradição materialista que vem da antiga Grécia, de Demócrito, com sua teoria atômica, e de Epicuro, com seu hedonismo, também chamado de epicurismo.
Vale à pena recordar o que dizia Demócrito. Para ele, o mundo, que podemos hoje entender por universo, por natureza, é constituído exclusivamente de átomos. Esses átomos se juntam conforme seus tamanhos e formas, dando origem aos seres, animados e inanimados. Nesse sentido, para Demócrito, não existe vida após a morte, porque esta é simplesmente a desintegração atômica dos seres vivos.
Nessa tradição materialista, durante o período do helenismo, surge Epicuro que funda uma escola em Atenas chamada de “O jardim”. Epicuro afirmava que não nos devemos preocupar com a morte, porque enquanto estamos vivos ela não veio e, quando morremos, já não estamos mais vivos. Ele até podia acreditar nos deuses, mas esses eram absolutamente felizes e não se preocupavam com a humanidade, não importando qualquer tipo de oração ou sacrifício para pedir uma intervenção divina no mundo mortal.
Tanto Epicuro como Demócrito acreditavam em uma força vital, extremamente forte, existente na natureza. Essa ideia de uma força vital aparece em Spinoza com a ideia de connatus. Spinoza afirmava que os seres humanos possuem dentro de si uma força vital natural, presente em toda a natureza, uma força que permite a pulsão da vida, o nascimento dos seres vivos.
Entendia que Deus era a própria natureza e, desta forma, nós não podemos acreditar em Deus, mas sim, conhecer Deus, e isso quer dizer que Deus se manifesta como uma totalidade (monismo) em todos os seres singulares, na vitalidade existente dentro de cada um.
Para Spinoza essa força vital faz a natureza se movimentar e existir.
Do ponto de vista ético, tal preceito permite analisar o ser humano em seus comportamentos sociais, como conhecedores ou não dessa força vital, e isso significa dizer que os humanos têm a possibilidade sempre de reverter a tristeza em alegria, de tal maneira que é só necessário permitir a manifestação de Deus, da própria natureza, a partir da noção de uma força vital dentre de cada um.
Para Spinoza tudo era determinação e a liberdade está em conhecer o que a natureza estipula para os humanos. Nós seremos livres se dissermos um “sim” para a vontade da natureza. Essa forma de pensamento reduz a importância da racionalidade como determinante de escolhas, conforme pode aparecer em Descartes. Não é o intelecto que comanda o ser humano, mas sim a força vital do desejo que pulsa em sua própria natureza.
Essa pulsão do desejo é mal vista pela tradição socrático-platônica, pelo cristianismo e pelo cartesianismo, pois consideram a verdade do corpo e da natureza como sacrílegas e heréticas. O objetivo dessa tradição é anular o que há de natural dentro e fora de nós, buscando um tipo de ascetismo, de puritanismo que afeta nossa vida em sua intensidade. A rendição aos princípios do mundo das ideias é a derrota frente a um projeto histórico-cultural que se assemelha a um tipo de assepsia e limpeza que não é possível atingir. Como resultado dessa tentativa temos a construção de um mundo racionalizado pela lógica do capital e da eficácia, burocratizado e administrado como são as empresas, onde os indivíduos são peças de uma grande engrenagem, a serviço de objetivos que não são deles e que, em última instância, não são nem dos detentores do capital, que são levados a práticas cotidianas visando a acumulação material em nome de uma felicidade impossível.
Essa prática histórica gera um processo neurótico, de alienação da realidade e de negação da força natural no interior de cada ser humano. Essa força interna é chamada por Schopenhauer de “Vontade”, uma força invisível que está presente em toda a natureza e que movimenta o universo e, com ele, a própria humanidade. Spinoza irá dizer que mesmo que o indivíduo pense que está agindo racionalmente, na verdade ele está sendo impulsionado pela força universal, esse Deus presente em todas as coisas. Porém, como o objetivo do racionalismo é o controle das emoções, ocorre que as motivações são racionalizadas e trancadas no inconsciente, impedidas de se manifestarem. O desespero que esse vazio existencial determina lota os templos religiosos de fanáticos que buscam por um Deus pessoal, capaz de interferir na vida cotidiana, que não existe.
Não adianta se ajoelhar e erguer as mãos para o céu, pois o céu não existe. Copérnico, há mais de 500 anos atrás, provou que a Terra não é o centro e que o que se pensa estar em cima é nada mais do que o Espaço, repleto de planetas, estrelas e galáxias. Como é bizarro ver alguém falando com o nada. É quase um exercício de loucura individual que, no contexto das religiões, torna-se loucura coletiva.
Em Nietzsche a questão da moral torna-se fundamental. O pensador alemão procura mostrar que a moral foi criada historicamente pela humanidade, a partir de instituições sociais como a religião ou o Estado, para condicionar a vontade de potência que deveria reger nossas atitudes enquanto seres humanos. A vontade de potência nietzschiana, presente no desejo de avançar perante a vida, de assumi-la plenamente em toda a sua dor e alegria, é o que nos faz sentirmos vivos e existentes. Negar a dor ou a alegria é uma forma de se encontrar morto em vida.
Nietzsche afirma que o homem é como uma corda, que se encontra entre o animal e o além do homem. O animal é a força vital em toda a sua pureza, da qual escapamos por meio do ego e da cultura, que Freud irá chamar de superego. Já o além do homem é alguém, se isso existe, que se desvinculou de toda a moralidade imposta pela sociedade e que cria suas próprias regras, com coragem e determinação, buscando dentro de si o que ele é de verdade, suas vontades e desejos, sem escrúpulos ou terrores.
Essa manifestação dionisíaca em uma sociedade repleta de imposições e castrações só pode ser exercida e exteriorizada por meio da arte, na sua capacidade criativa do novo, no seu desvendamento de instâncias de alegrias inimagináveis, de sonhos insuperáveis. O além do homem é algo pelo qual deveríamos procurar e alcançando, utilizarmos do que há de apolínio e, portanto, de belo, para marcar nossa presença no mundo.
Não se trata aqui de voltarmos ao estado natural selvagem, apesar de que não há nada no mundo que prove que tal estado não nos traria alegria e felicidade, pois em um mundo em que o que há de selvagem dentro de nós foi calado, a alegria e a felicidade parecem estar muito distantes. Trata-se, na verdade, de associar-se o dionisíaco, enquanto vontade de potência e negação da moralidade imposta ao apolínio, harmônico e belo, que se manifesta no ato da criação artística, e que se deverá manifestar em qualquer ato de criação. Desta forma iremos construir um mundo onde a liberdade não será mais um privilégio de poucos, mas uma realidade inerente a todo o ser humano. Um mundo onde a educação estará voltada para a imaginação e a criação, sem podas ou transferências, sem imposições coercitivas de toda ordem, onde a individualidade será respeitada porque, só haverá igualdade, no momento em que cada homem ou cada mulher falará com o outro do mesmo patamar, com os olhos nos olhos do outro.
Essa utopia que nasce com Spinoza, continua em Schopenhauer e Nietzsche, mas que possui outros defensores na contemporaneidade, assim como conheceu seus imaginadores na antiguidade grega e romana é, como toda a utopia, algo inalcançável mas, nem por isso, devemos negá-la. Deve servir de paradigma, de referência histórica para a busca de uma vida plena, mais livre e feliz.
Mas como venho escrevendo sempre, essa tal felicidade só pode ser encontrada no âmbito do possível, sem esperança e idealização. Como disse Sponville certa vez, é melhor uma verdade dolorosa do que uma felicidade idealizada.
Fiquemos com a realidade, tal como ela nos é sugerida pela vida, porque ela é a própria vida que não tem mais a nos oferecer do que a nossa própria existência. Desejar uma vida plenamente feliz só é possível no cemitério. Se alguém quiser ser realmente, na sua totalidade, feliz, deve se matar o mais rapidamente possível, porque viver é também compartilhar com os outros as dores e sofrimentos que a vida nos oferece sempre, temperada com pitadas de alegria que só serão ampliadas na medida em que nos dispusermos a retornar sempre, e repetir tudo de novo, em sua absoluta intensidade, afirmando e reafirmando a vida em sua plenitude, isto é, sabendo a dor e a delícia de ser o que se é.