terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ópera dos Vivos













Neste último sábado, a convite de minha filha Mariana, fui à São Paulo assistir a peça "Ópera dos Vivos" da Companhia do Latão. A peça foi apresentada no Centro Cultural São Paulo, na Vergueiro. São quatro horas de espetáculo que, apesar do cansaço, é tão forte quanto um imã. A peça foi escrita e dirigida pelo Sergio de Carvalho, que também é professor no curso de Artes Cênicas da USP. A Companhia do Latão atua, a partir da capital, desde aproximadamente meados dos anos 1990 e tem como principal proposta a criação de um teatro dialético político, inspirado no trabalho de Bertold Brecht, dramaturgo alemão de meados do século XX, que pertence a uma tradição que vê o teatro como instrumento de conscientização política.
Compartilho da ideia de que teatro não deve ser só entretenimento, do tipo comédia pastelão ou "stand up" de quinta categoria, apesar de reconhecer que existem peças cômicas super interessantes. Acho que o teatro foi vulgarizado na sociedade de consumo. A arte foi transformada em mercadoria ou a mercadoria foi transformada em arte, empobrecendo a capacidade do teatro fazer as pessoas pensarem reflexivamente.
Nesse sentido, é uma pena que a peça tenha sido apresentada principalmente, desde 2010, em São Paulo e no Rio de Janeiro. A peça possui um potencial crítico e deveria ser levada a todos os cantos do país.
O texto percorre o trajeto histórico nacional a partir do final dos anos 1950, época das Ligas Camponesas no nordeste, onde a luta de classes entre camponeses despossuídos e latifundiários autoritários estava em evidência. O perfil das personagens é maravilhoso! A caracterização da desigualdade social a partir de uma sociedade que se preocupava em enterrar os mortos decentemente deixa claro aquilo que João Cabral escreveu no poema "Morte e Vida Severina", porque a única terra que cabe ao camponês é a de sua cova.
O próximo ato ocorre em um outro cenário, com um filme que me lembrou "Terra em Transe" do Glauber Rocha, na sua estética principalmente, a época do Cinema Novo. Traça o perfil de um banqueiro, protótipo de um burguês muito rico, que por causa de um envolvimento afetivo com uma atriz acaba por ver abalada sua posição de classe social, chegando mesmo a financiar atividades artísticas e culturais de jovens de esquerda no momento imediatamente anterior ao golpe de 1964. Porém, o desfecho é dramático, na medida em que o banqueiro retoma seu convívio familiar e acaba por aceitar sua posição classista e não apóia mais movimentos culturais de esquerda, mas sim o próprio golpe militar.
Logo depois aparece um cenário que lembra o final dos anos 1960, do tipo programa de auditório, com um show de músicos e cantores no estilo do tropicalismo, com uma nova estética e uma afirmação a cultura de massas e o envolvimento do artista com o mercado. A mercantilização da arte se torna, a partir desse momento, um paradigma para se medir e refletir os impactos do golpe militar de direita no país, que vai aos poucos alienando a classe artística e, consequentemente, o próprio público, não somente desviando o debate da questão central da luta de classes como também criando novas demandas que, a princípio seriam legítimas, mas que de fato servem como um véu de Maya que encobrirá daí em diante a reflexão política nacional. O mais patético é a presença de Miranda, uma cantora de música de protesto que não consegue se adaptar ao novo clima alucinógeno.
No final, em um outro cenário, tem-se um estúdio de televisão, que pode valer para os anos 1970 até hoje, onde a equipe toda está atrelada a lógica do consumo da industria cultural. Trata-se da gravação do final de uma novela, onde atores, figurantes, diretores repetem, sem qualquer tipo de pensamento crítico, seus papéis técnicos, não importando mais o conteúdo, o que se diz, porque é considerado pano de fundo, apenas cenário, de um dramalhão barato baseado na superficialidade de um romance entre uma jovem, irmã de uma guerrilheira assassinada durante a ditadura e o delegado que a matou. Os dois estão "apaixonados" e o final pressupõe que o delegado, com sentimento de culpa, se suicide. Mas o ator que faz o delegado alega que torturador não tem sentimento de culpa e quer mudar o roteiro. Para quê!!! O circo pega fogo. Os "funcionários" da televisão ficam indignados com o "comportamento anormal" do ator que interpreta o delegado e, enfim, a cena é feita do jeito que estava programada e fica o recado para a platéia: o golpe militar de 1964 e a ditadura que persistiu durante vinte e um anos afetou profundamente as relações sociais no país: trabalho, afeto, cultura entre outras. O país realmente mudou, e mudou para pior, para um cenário de total alienação, onde o debate sobre a questão essencial no modo de produção capitalista, que é a luta de classes, é dissipada por discussões alienantes, sobre temas sem significado político determinante, tornando o país, tanto do ponto de vista cultural como político, mais pobre e ridículo!
É por isso que os meios de comunicação de massa na atualidade são pautados por temas superficiais como sexo e consumismo, onde a televisão, principalmente, por meio de seus programas de auditório ou de seus documentários ditos "jornalísticos" pautam a agenda social com discussões a respeito de crimes passionais, miséria resolvida por ato de "bondade" de um apresentador de televisão, de propaganda da atividade brutamontes da polícia legitimada como um seriado realista, entre outras bobagens que ao impregnarem o imaginário de toda a sociedade, acaba por aliená-la definitivamente e é, por esse caminho, que o capital e sua função exploratória no sistema capitalista vai sendo reproduzido "ad infinitum"...