Amanhã, dia 3 de Outubro, milhões de brasileiros irão votar para deputado estadual, deputado federal, senadores, governador de estado e presidente da república. Aparentemente, a eleição de amanhã é algo já incorporado pela população brasileira, algo que os ingênuos podem até considerar "natural". Porém, o processo eleitoral democrático no Brasil está ameaçado. Sempre esteve ameaçado. É só ler um pouco da história do Brasil, em especial, o período republicano que inicia em 15 de Novembro de 1889, que o incauto irá verificar que a "normalidade" não é a democracia, mas regimes de exceção. O período da "república da espada", de 1889 a 1894, foi uma ditadura militar. De 1894 a 1930 tivemos a "república das oligarquias", onde uma porcentagem mínima de homens brasileiros podiam votar, sob o cabresto dos "coronéis" latifundiários, especialmente do café, marginalizou as mulheres, os analfabetos, os pobres e tantos outros segmentos da sociedade brasileira do processo eleitoral. Depois Getúlio Vargas, oligarca gaúcho, toma o poder com a Revolução de 1930 e, durante 15 anos, governa de maneira personalista a nação. De 1946 a 1964, o período do nacional-desenvolvimentismo, possui uma constituição pretensamente democrática, mas repleto de crises, como o suicídio de Getúlio em 1954, a crise antes da posse de Juscelino em 1954 e 1955, a renúncia de Janio em 1961 e a oposição do Congresso à posse de Jango também em 1961, com a aprovação da emenda parlamentar e, finalmente, o Golpe Militar de 1964. De 1964 a 1985 a ditadura militar, a serviço da burguesia e dos latifundiários reacionários e do capital externo, prendeu, torturou e matou milhares de brasileiros, além de deixar uma herança econômica, social e educacional de exclusão. A "nova república", com Sarney, de 1985 a 1989, fez parte da "transição" da ditadura para a democracia com exclusão social e controle político, e Sarney, que tinha sido presidente do PDS, antiga ARENA, partido que apoiou o regime militar, agora é o presidente da república. Em 1988, a atual Constituição federal é aprovada e nomeada, com justiça, por Ulisses Guimarães de "constituição cidadã", cria uma estrutura jurídica e institucional verdadeiramente democrática para o país, mas o processo eleitoral de 1989 marginaliza a opção transformadora, caracterizada pelo Partido dos Trabalhadores e pelo candidato Lula e coloca no poder, com uma massiva ajuda midiática, o "playboy" das Alagoas Collor de Mello. Não preciso aqui fazer um histórico de acontecimentos trágicos de memória recente. Passando pelo inespressivo, mas eficiente governante conservador Itamar Franco, tem-se a eleição de FHC que, representando uma burguesia considerada "ilustrada", mas com fortes cores reacionárias, estabilizou a moeda e privatizou o patrimônio das empresas estatais, oferecendo uma estrutura jurídica, econômica e institucional favorável à implantação do neoliberalismo no Brasil. Em 2002, durante o processo eleitoral, o candato Lula mudou seu discurso e foi acusado de "traição" dos ideiais de seu partido, o PT. Porém, ninguém percebeu que se Lula não deixasse claro que iria manter a estabilidade da moeda, as instituições políticas e jurídicas garantidoras da ordem burguesa e, em especial, não tocar na propriedade privada e nos contratos civis, a classe dominante não teria deixado ele ser eleito presidente da república. Para que o PT governasse o Brasil tinha que aceitar ser refém da burguesia nacional e estrangeira. Porém, seu governo que se encerra no dia 31 de Dezembro de 2010, fez muito pela sociedade brasileira, especialmente os pobres. Alguns dados relevantes devem ser descritos: colocou 20 milhões de brasileiros na classe média, criou o PROUNI, melhorou substancialmente o SUS, ampliou as vagas nas escolas técnicas e nas universidades federais, inclusive criando um INFET em São João da Boa Vista, que muitos atribuem ao PSDB, administrou magistralmente o país durante a crise do capitalismo que começou nos Estados Unidos há três anos atrás e que ainda está fazendo grande estrago por lá e pela Europa, entre outras realizações. Então, quero dizer que o governo do PT tem conseguido realizar progressos em políticas públicas para os pobres brasileiros que nenhum governo anterior realizou, mas isso tem um preço, que é manter intocável os princípios burgueses capitalistas de inviolabilidade da propriedade privada e garantia do cumprimento dos contratos.
Passo agora a avaliar a atual crise da democracia no Brasil. A candidatura da Dilma significa a continuação da política de inclusão social efetivada pelo presidente Lula e não preciso gastar as teclas do meu PC para falar sobre isso, basta vcs lerem o artigo de Leonardo Boff sobre o fato, ele que foi um severo crítico do governo Lula desde 2003. Porém, a grande imprensa iniciou uma campanha difamatória e mentirosa sobre a Dilma, anunciando "escândalos" artificiais e maliciosos quando do início da campanha eleitoral, com o intuito de denegrir a imagem da candidata e beneficiar a candidatura do representante oficial da burguesia brasileira e internacional que é o Serra do PSDB. Como tal campanha não deu o resultado esperado, passou-se a construir um complô, com o apoio que não sei se foi ingênuo ou malicioso do candidato inespressivo do PSOL, Plínio de Arruda Sampaio. Aliás, é bom que se diga que o PSOL foi formado por ex-integrantes do PT que, tresloucados e é por isso que o presidente Lula não os colocou no governo, sairam do PT e fundaram o demagógico partido PSOL, que pode dizer as asneiras que quiser porque não ameaça o poder burguês no Brasil. A ameaça de golpe de Estado está no ar ainda. Não se esqueçam que a tradição política brasileira é de golpes e não de estabilidade democrática. Os opositores da candidatura Dilma passaram a divulgar informações manipuladas e muitas vezes falsas sobre o passado da candidata. Ela fez parte da luta armada contra a ditadura militar, porque o país vivia uma guerra civil instaurada pela burguesia e pelos militares, e foi presa por três anos, sofrendo todo tipo de violência. Alguns ignorantes chegaram a dizer que a sua eleição significaria a implantação de uma "ditadura" no Brasil, se esquecendo que ela pegou em armas para lutar contra a verdadeira ditadura estabelecida pelos militares e pela burguesia, com o apoio da classe média da época, em 1964. Fatos mais recentes deixam claro o clima de instabilidade política reinante e que favorece uma conspiração golpista, tão tradicional nos países latino-americanos. Um fato que merece ser citado é a lei da "ficha limpa", iniciativa de uma proposta popular que deveria ter sido aprovada pelo Congresso no ano passado para que a Constituição fosse respeitada, pois a lei aprovada no ano só entra em vigor no ano seguinte. Mas os congressistas que têm o "rabo preso" protelaram a aprovação da lei e isso criou um impasse no Supremo Tribunal Federal que durante a votação da ação do governador Roriz, mais que sabido larápio do Distrito Federal, teve um empate. O curioso é que os 5 ministros que votaram pela implantação imediata da lei foram nomeados pelo presidente Lula e, desta forma, confirmaram não somente a vontade do PT em garantir que "bandidos" não sejam eleitos como também concordaram com a vontade da totalidade da opinião pública brasileira. Os 5 ministros que votaram contra foram nomeados pelo Collor e pelo FHC. Não preciso dizer mais nada. Argumentos jurídicos foram oferecidos, especialmente formais e processuais, para a não aprovação da "ficha limpa". Felizmente o Tribunal Superior Eleitoral manteve a lei, mas o clima de instabilidade continua, pois ao STF cabe, após a nomeação do décimo primeiro ministro que ainda não ocorreu, realizar uma nova votação e corre-se o risco de candidatos impugnados na eleição de amanhã tenham validados os votos daqui a semanas. Uma outra questão diz respeito à necessidade da Dilma em se reunir com católicos e evangélicos e garantir não somente a liberdade de religião como também a intocabilidade em questões como o aborto e o "casamento" gay. Do contrário, ela seria taxada nos púlpitos como "herege" e "atéia". A questão da ação impetrada pelo PT no STF sobre a obrigatoriedade da apresentação do título de eleitor e de um documento oficial com fotografia também revela o momento instável. Depois de sete ministros do STF terem votado a favor do fim da obrigatoriedade da apresentação do título eleitoral, porque isso foi manobra do PSDB e do DEM para impedir a votação de milhares de pobres no Norte e Nordeste, que não possuem uma organização da documentação pessoal como a classe média do Sudeste possui, o ministro Gilmar Mendes, uma excrecência do Judiciário nacional, pediu vistas. Para que? Será que a proposta não é suficientemente clara? Os eleitores já estão cadastrados no TSE e o título é um documento desnecessário, que só irá impedir a votação de outros eleitores. Mas ninguém, ou quase ninguém, ficou sabendo do telefonema do Serra ao Gilmar na quinta, em que ele inicia a ligação falando: "Meu presidente...". Isso foi testemunhado por um jornalista da Folha de São Paulo, que não compactua com a campanha do jornal contra a Dilma. Então o Gilmar trancou o processo por mais 24 horas e deixou apenas a sexta e o sábado para orientar o eleitor pobre e simplório sobre o novo fato, o que é pouco tempo. Se isso não é contribuir para a instabilidade institucional, além de ser uma ingerência do Judiciário no processo eleitoral, não sei mais o que dizer. Mas chego a questão principal e final de meu texto. Na quinta passada ocorreu o último e mais importante debate dos presidenciáveis na TV Globo, que é a televisão que mais tem audiência no país. O Serra manteve seu discurso tecnicista e conservador. A Marina continuou com seu desvio ideológico em favor de um suposto "desenvolvimento sustentável". Mas o Plínio fez duas perguntas para a Dilma que são emblemáticas. Na primeira perguntou se ela faria o aluguel compulsório dos imóveis desocupados no Brasil. Ele queria testá-la sobre a questão do respeito ao direito de propriedade. Ela respondeu magistralmente. Disse que no governo dela os contratos seriam respeitados, o que significa dizer que a burguesia não precisa se preocupar com seu direito à propriedade, para evitar com isso um Golpe de Estado, e que preferia que os trabalhadores brasileiros tivessem moradia própria do que alugada. A segunda pergunta do falacioso Plínio, demagogo de plantão da esquerda festiva, foi se a Dilma toparia (ele adora usar a linguagem do Justus do SBT para parecer "povão", ele que é o candidato com maior patrimônio econômico) deixar de pagar a dívida pública. Que imbecil! Se a Dilma titubeasse na resposta, na sexta feira os 20 bilhões de dólares que entraram no país em função da oferta de ações da Petrobrás seriam imediatamente repatriados e isso produziria a quebra da Bovespa e a insolvência do país, além de retaliações financeiras e comerciais de todos os países do mundo. Seria um novo "crack" da Bolsa de Valores e o Brasil faliria. Dilma, com uma "santa" paciência, reafirmou que no governo dela os contratos serão respeitados, ou seja, a própria Constituição e, é claro, o interesse da burguesia nacional e estrangeira, porque do contrário ou não haveria eleição dia 3 de Outubro ou não haveria posse no dia 1o. de Janeiro de 2011.
Em síntese, quero dizer que votar em Dilma para presidente significa reconhecer que a revolução burguesa no Brasil ocorreu conforme Florestan Fernandes analisou em seu brilhante ensaio publicado nos anos de 1970, e que o Estado brasileiro é refém dessa mesma burguesia. Não existe no horizonte histórico qualquer possibilidade de implantação de um socialismo democrático no Brasil, não porque faltem protagonistas dispostos a isso, e o Lula e a Dilma querem isso para o país se tornar mais justo e democrático, mas porque a elite nacional impediria uma ação política nessa direção. Como existem provas históricas mais do que consistentes de medidas de exceção na vida política brasileira, só resta ao PT realizar seu projeto de melhoria substancial da qualidade de vida da sociedade brasileira, o que já demonstrou o presidente Lula e que irá ter continuidade com Dilma, sem entretanto se questionar o direito à propriedade privada e a manutenção dos contratos civis. Dentro da legalidade da ordem burguesa é possível realizar grandes transformações em benefício das classes pobres brasileiras, coisa que o Serra jamais realizaria e, se o leitor tiver alguma dúvida, é só analisar com seriedade os 16 anos do governo do PSDB no estado de São Paulo.
Nesse momento, repito a frase do presidente Lula em 2002: nós não podemos ter medo da felicidade, mas temos que saber, conforme o já citado Sponville, que o que temos é a felicidade possível e a verdade dolorosa da dominação de classe no nosso país...