sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Liberdade é atitude



Terminei de ler a interessantíssima biografia filosófica e pessoal de Martin Heidegger, um pensador alemão do século XX que escreveu um livro pedreira intitulado "Ser e Tempo". Rüdiger Safransky é um biógrafo como poucos. Ele não é positivista em suas descrições e, desta forma, não elabora uma narrativa linear, do tipo cronológica. Ele parte dos estudos de Heidegger e das possíveis interações das reflexões desse "mestre da Alemanha" com sua vida pessoal. Em particular, o que me interessa escrever agora em meu blog, é a questão da liberdade individual e da escolha. Heidegger, a partir de 1933, torna-se nacional-socialista, isto é, membro filiado do partido nazista na Alemanha de Adolf Hitler. É nomeado reitor de uma renomada universidade alemã e assume uma postura e orienta suas ações de modo a aceitar o projeto histórico do nacional-socialismo encarnado na pessoa do "führer". Sofreu inúmeras críticas no pós-guerra por essa escolha, especialmente de sua mais famosa aluna, a grande pensadora Hannah Arendt. Tenho a impressão de que no livro "Origens do Totalitarismo" ela escreve sobre a ascensão do nazismo na Alemanha nos anos 20 e 30 pensando em Heidegger. Pois bem, a escolha dele é mera desculpa para escrever o que me proponho. Heidegger fala muito no "estar no mundo", no "estar presente", na vivência do "ser" no tempo e na própria história. E, pelo que entendi, o "ser" precisa existir de uma única forma, que é a ação. Aqui, a ação é contrária à contemplação. Apesar de recorrer muito à Platão, Heidegger não defende uma filosofia contemplativa, mas uma filosofia ativa. Há, sem dúvida, pontos de concordância com o velho mestre grego, pois Platão correu risco de vida quando viajou para Siracusa, na Sicília, para transformar um rei despótico em um rei filósofo. Platão não foi tão contemplativo assim. Pois bem, desta forma, "estar no mundo" é agir. E agir significa vivenciar na sua integralidade a liberdade, portanto, as escolhas que somos sempre instigados a fazer. O homem é a escolha que ele faz para si próprio e para os outros, e que também tem repercussões em relação aos outros. A inação é a negação do "estar no mundo". A inação, que sugere a contemplação, é a negação do próprio existir. Heidegger escolheu o nacional-socialismo e mudou, em diversos momentos, seu discurso. Porém, após a guerra e instigado pelas críticas que fizeram a ele, ele respondeu que naquele momento, em uma Alemanha vivendo uma depressão econômica, resultado da crise de 1929, com sete milhões de desempregados, mais as suas famílias, sem perspectiva, sendo obrigada a pagar vultuosas somas em moeda com indenização de guerra, porque tinha perdido e culpabilizada pela Primeira Guerra Mundial segundo o Tratado de Versalhes, porque perdeu territórios, porque a auto-estima do povo alemão estava a mais baixa possível, entre outras razões, e porque Hitler personificava, naquele momento, a possibilidade de uma revolução na Alemanha, a construção, que hoje sabemos ser estética, de uma Alemanha "nova", engajou-se na vida pública e política com coragem e determinação. Em carta a um ex-aluno depois da Segunda Guerra Mundial, ele disse que ações exultantes como a dele também foram compartilhadas por homens como Hegel e Hölderling, que viam em Napoleão Bonaparte o triunfo da "razão" iluminista e dos princípios de liberdade e igualdade entre os povos e nações. Pois bem, Heidegger escolheu mal segundo os olhos do presente, mas naquele momento histórico, Heidegger fez a sua "melhor escolha", pois não há nada fora de nós que legitime dizer que a escolha de qualquer pessoa tenha sido "certa" ou "errada". E é desta forma que penso e sinto Heidegger com misericórdia, no sentido de Sponville, reconhecendo a verdade histórica, as escolhas do "mestre da Alemanha" mas não o odiando e, desta forma, abrindo espaço para o amor, no sentido de "agapé", ou seja, o amor universal, que me permite hoje ler seus livros e artigos com generosidade, aprendendo com esse grande filósofo o "mergulho que fazemos na vida", o próprio "dasein", e utilizar minhas reflexões, a partir de sua obra e de sua biografia para a minha própria vida, para minhas escolhas e, consequentemente, para o exercício da minha liberdade. Amanhã será dia 12 de Dezembro e fiz minha escolha, livremente, responsavelmente. Agi no mundo de acordo com o que considero minha "melhor escolha" em face das premissas subjetivas e objetivas que hoje tenho em mãos e que, com certo grau de imprecisão, minha razão e meus sentimentos podem avaliar. É tudo na vida uma questão de se compreender o "ser" no "tempo", o "ser" que somos, momentaneamente, e o "tempo" presente, que temos, também momentaneamente. Saudações heideggerianas para todos...

sábado, 14 de novembro de 2009

A partida


Um dia, um pai deu a seu pequeno filho uma pedra grande, áspera e porosa. O filho retribuiu o presente do pai dando a ele uma pedra pequena, branca e lisa. Estavam os dois à beira de um rio. O pai disse ao filho que em tempos ancestrais, quando ainda não se usavam as palavras, as pessoas trocavam entre si pedras carta. A pedra lisa significava um coração sereno e pacífico. Já a pedra áspera era a representação de um coração atormentado, de alguém que sofria muito. Alguns dias depois o pai foi embora, deixando o filho com a mãe, ainda pequeno. Nunca mais se viram. O filho cresceu. Tornou-se um violonista. Tocava em uma orquestra. Mas a orquestra foi desfeita e ele teve que retornar com sua nova esposa para a casa materna, no interior. A sua mãe já tinha falecido. Desempregado, iniciou um trabalho como preparador de corpos mortos. Aprendeu o que muitos de nós não entendemos. A naturalidade da morte e a dignidade daqueles que aqui viveram e que tiveram, como todos nós teremos um dia, que partir. Certo dia sua esposa recebe um telegrama. Dizia que seu pai tinha morrido. O filho relutou. Guardava uma grande mágoa pelo fato do pai tê-lo abandonado. Mesmo assim, acabou cedendo e foi ver o pai morto. Em princípio não o reconheceu. Já tinham se passado mais de trinta anos. Chegaram os homens da funerária. Queriam logo colocar o corpo do velho homem no caixão. De repente, o filho os afastou do corpo de seu pai e iniciou o seu trabalho de preparação. Fez a barba daquele velho homem. Quando foi afastar os dedos das mãos para posicioná-las corretamente para o cortejo fúnebre, percebeu que por entre os dedos caiu a pedra lisa que o filho tinha dado a ele há tantos anos. Nesse momento ele olhou detidamente para o rosto de seu pai e o reconheceu. Chorou lágrimas de tristeza pelos anos que não tiveram juntos, mas de alegria pelo reencontro. Enfim seu coração foi pacificado. Sua esposa deu a ele a antiga pedra e ele a devolveu à sua mulher que agora carrega em seu ventre o filho que irá nascer.
Para nós ocidentais a morte já teve os seus momentos de dignificação. A morte era um ritual cultuado. A memória dos mortos trazia em si a lembrança e o sentimento de pertencimento a uma família que possui uma história sempre significativa. Também se tinha um sentimento de magia em relação ao sobrenatural. Uma crença no divino e na certeza de que os mortos zelariam pelos vivos. Hoje a morte se tornou uma técnica médica. Os hospitais, com seus modernos aparelhos, procuram ignorar aquilo que é a única certeza de que temos na vida. Queremos todos viver eternamente. Queremos todos sermos jovens e alegres. Não há tolerância para a tristeza e nem para os pensamentos e os sentimentos. A morte tornou-se um incômodo para todos. Descartamos os mortos, assim como descartamos os velhos, como se descarta uma mercadoria que já não nos é mais útil. Porém, a partida está potencialmente presente dentro de todos nós e não podemos controlar seu inevitável momento. A lembrança do filho em relação ao pai resgatou não somente a família e o culto aos ancestrais, mas principalmente o amor retido por tantos anos dentro do seu coração e também no coração daquele homem tumultuado que teve as suas razões para a separação. Muitos de nós estamos separados fisicamente daqueles que amamos tanto, por motivo de distância, de trabalho, de falta de tempo entre outros. Mas guardamos dentro de nossos corações as pedrinhas que todos nos daram um dia, deixando conosco o sentimento da presença na lembrança como um sinal de que devemos dizer um sim à vida reconhecendo que a morte nos aguarda e, ao mesmo tempo, abre a porta para que novas vidas ocupem o nosso lugar...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Liberdade, responsabilidade e angústia














Que belo acaso é o ser humano. Em um planeta tão pequeno em comparação às grandes constelações do universo, surgimos e passamos a viver em companhia de tantos outros seres vivos. Compartilhamos com eles uma mesma natureza. Temos nossas determinações, essencialmente orgânicas. Mas nesses milhares de anos em que nos fazemos presentes, criamos a cultura. A cultura é a nossa segunda natureza. Desenvolvemos a linguagem e passamos a nos comunicar, compartilhando os mesmos signos, sinais e símbolos. Porém estamos sós. Não somente sós porque não compartilhamos a linguagem com os outros seres vivos, mas sós enquanto indivíduos. Vivemos em sociedade sim. Posso até ceder ao grande Aristóteles a idéia do "zoon policon". Tudo bem, o homem é um ser social. Mas temos a nossa subjetividade. E ela é praticamente inacessível, inclusive para nós mesmos. Não sabemos, individualmente, quem somos. Vivemos uma liberdade que nos permite escolher as ações. Porém essa liberdade tem um limite, estabelecido pelo contexto histórico e social e também pelo sentido que atribuímos ao mundo e às outras pessoas. Minhas escolhas são resultado do sentido que eu atribuo às coisas. Minha consciência é limitada e, segundo Sartre, minha existência precede a minha essência. Não nascemos prontos e acabados. Nascemos animais e, por meio do processo de socialização passamos a aprender maneiras de pensar, agir e sentir. Mas somos indivíduos e, mesmo que compartilhemos a mesma cultura, filtramos em nossa consciência seus pressupostos e fazemos escolhas. O que será que legitima minhas escolhas? Se eu fosse cristão, no sentido histórico e tradicional, diria que são os mandamentos divinos. Há uma facilidade nisso, pois "a priori" Deus teria revelado para nós a forma correta de agirmos no mundo. Mas e se não existe Deus? A aposta pascalina não vale nesse caso. Blaise Pascal disse que é preferível acreditar em Deus porque se ele não existir não fará diferença alguma, mas se ele existir estaremos salvos! Um argumento ateu, ou quem sabe até agnóstico, me permitiria, como queria Sartre, reconhecer que não há nada exterior a mim mesmo que valide as minhas escolhas. Portanto, nunca saberei se estou realizando a escolha certa ou melhor. Acontece que sempre procuramos escolher o melhor. E essa escolha tem a ver com a idade em que me encontro. Aos dezessete anos escolhi ser professor. Naquele momento era o melhor para mim. Hoje, passados tantos anos, ainda reconheço que foi o melhor. Saboreio os frutos de minha profissão, especialmente o contato maravilhoso que tenho com meus alunos que, pacientemente, ouvem-me dissertar sobre tantos assuntos diversos em minhas aulas. Mas também fiz que hoje me arrependo. Mas é bobagem o arrependimento, porque aos vinte anos eu era uma outra pessoa e, dessa forma, só poderia considerar o melhor aquilo que escolhi na época. E hoje? Também sou alguém que faz escolhas, e pretendo sempre fazer as melhores, mas pode ser que daqui a vinte anos eu reconheça que não foram as melhores. E daí? Simplesmente gratidão em relação ao passado. Mas sou capaz de olhar os olhos daqueles que me circundam, que me amam ou me odeiam, e os piores, os indiferentes. O olhar deles é que irá dizer-me se foi o melhor que eu escolhi. Sartre disse que o inferno são os outros, porque eles sempre colocam obstáculos em nossas escolhas, mas dependemos deles para percebermos se elas foram as melhores possível. Os outros são o meu espelho! Posso amá-los? Claro que sim. Mas amar não significa que os afagarei com carinhos, mas que os deixarei fazerem as suas próprias escolhas, respeitando a subjetividade de cada um. E assim vamos, como o pássaro plainando no céu, solitários, buscando um refúgio para o descanso ou a imensidão para bater as asas. E o que isso tem a ver com a responsabilidade? Toda escolha que faço resulta em uma ação ou uma inação. Isso impactua toda a humanidade e, em função disso, sou responsável. Procurarei sempre fazer escolhas que minimizem o sofrimento alheio e maximizem a felicidade do próximo, por mais distante que esteja. A minha única angústia é não saber se a escolha foi realmente a melhor. Porém, ainda tenho o olhar alheio para mirar. Espero que os olhares sejam sempre brilhantes de alegria na afirmação da vida.

sábado, 7 de novembro de 2009

O eterno retorno




Neste segundo semestre de 2009 procurei fazer uma leitura de alguns filósofos ateus que me possibilitassem uma reabilitação do cristianismo. Pode parecer paradoxal, mas o fato é que me empenhei nesse processo. Com Schopenhauer descobri que a vida é dor e sofrimento e também o tédio. A solução dele é o isolamento, o ascetismo, um ser antisocial, e isso não me interessa de forma alguma. Eu acho que ele tem razão quando diz que a maioria dos seres humanos são néscios, medíocres e, por não terem idéias para dialogar, no sentido socrático, jogam e trocam cartas. Porém, eu não concebo a minha vida como isolamento. Gosto das pessoas. Tenho minhas manias. Atiro garrafas no palco quando vou ouvir rock e os músicos da banda resolvem "azarar" umas meninas idiotas e mandam um "breganejo". Mas, na maioria das vezes sou bastante tolerante. Não me afino com a negação do mundo. Na verdade, eu quero o mundo. Eu quero as pessoas. Gosto do Sartre quando diz que, apesar do inferno serem os outros, são exatamente os outros que me propiciam a possibilidade de captar, mesmo que por uns meros instantes, minha essência. Lembrem-se de que, para ele, a existência precede a essência. Então, Schopenhauer me foi útil para confirmar que a vida é dor e tédio. Mas aí eu parto para o Nietzsche e descubro, preliminarmente, que somos uma jóia preciosa nos confins do universo. Fruto do acaso, somos seres pensantes que buscam construir um sentido para si mesmos, mesmo que esse sentido careça de qualquer legitimidade. Nietzsche diz, categoricamente, torna-te quem tu és! E me proponho a isso mesmo. Em "A gaia ciência", esse elegante e, ao mesmo tempo, desajustado alemão, afirma que devemos amar, incondicionalmente, a vida, em tudo aquilo que ela nos oferece, tanto coisas boas como más. É o "amor fati". Com a idéia do "eterno retorno", ele me mostra que viver o presente, sem se preocupar com o passado e com o futuro, é a única razão para se viver. Viver o presente como se ele fosse eterno e retornasse pela eternidade para nós mesmos. Uma afirmação dionisíaca da vida, com um toque de equilíbrio e harmonia, portanto beleza, do deus Apolo. Nietzsche me inspira a aceitar a mim mesmo e a todos os demais seres humanos. Cristo, segundo os evangelhos, afirmou certa vez que devemos amar o próximo como a nós mesmos. Eu entendo que essa afirmação quer significar que se eu não me amar intensamente primeiro, não poderei amar qualquer outra pessoa e que, amar a si mesmo, é permitir-se uma ética do querer, sem correr o risco de uma prática que não leve em consideração a moralidade, apesar dele entender a moralidade como a ética "cristã" do século XIX luterano alemão. Para mim, Nietzsche apregoa uma moralidade de afirmação da vida e não de negação. Se não fosse assim, porque Zaratustra teria descido a montanha para falar aos ressentidos. A moral dos escravos não os impede de almejarem e alcançarem a moral dos senhores, enquanto glória, honra, coragem e destemor. Cristo, diante dos vendilhões do templo, chutou literalmente as pessoas. O sentido do oferece a outra face deve ser repensado, porque a instituição religiosa cristão, seja católica ou protestante, tratou de interpretar e reinterpretar o que Cristo falou segundo os interesses do clero que, por ser institucionalizado, não tem nada de espiritual, mas radicalmente de mundano. De fato, o que me interessa é a possibilidade de me relacionar com os seres humanos e vê-los como espelho que me dirão, de uma forma ou de outra, por meio de olhares ou palavras, que estou agindo certo. É por isso que me empenhei em ler Sartre, especialmente o "O existencialismo é um humanismo". Lá, naquele texto, Jean-Paul deixa claro que é o outro que me permite a compreensão de minha essência, na medida em que sou um ser histórico e social e me contruo por meio de minhas ações. Todas as minhas ações são pautadas no princípio da liberdade, que é a condenação do humano. Todos estamos condenados à liberdade. E isto, para mim, significa que não há nada exterior a mim mesmo que legitime as minhas escolhas. Devo pautar minhas escolhas no único valor moral que realmente existe, que é a vida. Portanto, Sartre me pacifica com a humanidade, por mais medíocre que possa se manifestar enquanto fenômeno, porque ela é que me proporciona a oportunidade de me ver, mesmo que por um relance, como alguém inteiro. No meio do caminho li Kafka e seu conto "A metamorfose". Gregor se transformou ou foi transformado em um inseto? Essa questão é intrigante para mim, porque entendo que o protagonista do conto não somente se transformou, como quis essa transformação, agindo com um conformismo que me remete a moral do rebanho citada por Nietzsche. O que eu quero fazer de minha vida? Essa questão deve pautar a consciência de todos os seres humanos porque, do contrário, todos nos tornaremos insetos. Não quero ser um inseto, quero ser um humano. Aí vem Sartre e, com ele, a dimensão da coletividade. Cristo certa vez disse que aquele que quiser me seguir deve abandonar pai e mãe. Sartre, em sua biografia, deixa claro suas opções no tocante à família. Nada deve se interpor entre a ética do querer e sua realização. Veja só Gregor, o protagonista kafkiano. Ele nega a sua vida em prol de uma família que, no final das contas, é responsável pela sua morte. Que venha a família com todas as suas alegrias, mas nada de se deixar usar por aqueles que só têm com vc laços genéticos. Meus verdadeiros amigos são aqueles que se importam comigo. Caminhando para o final, releio Camus e o mito de Sísifo. Vou ao fundo do fundo do absurdo da existência humana. Mas sei que ainda é possível dar um sentido à vida, mesmo que ela própria não tenha nenhum sentido. Então me socorro com Sponville e sua felicidade desesperadamente. A idéia de Sponville é muito tocante e radical. Não devo idealizar a realidade. Ela é o que é e pronto. Com relação ao passado, sou grato por tê-lo vivido como uma eternidade e ter tido com ele um grande aprendizado. Com relação àqueles que me odeiam, simplesmente misericórdia, pois nada mais posso fazer a respeito. Em relação ao futuro, o desespero, a ausência de esperança, porque o futuro não me diz respeito e não quero viver minha vida de expectativas. Quero viver minha vida de experiência concretas. Quero dizer sim ao mundo. Quero a salvação! O paraíso está em Cristo, não como Deus, porque não o é. Aliás, como ele poderia ter convencido aquele bando de ignorantes se não tivesse se intitulado Deus? Vejo as parábolas como alegorias de uma realidade de vida, do agora e do presente. Deixo de lado as metáforas de um além túmulo para abraçar o presente em toda a sua intensidade. Ressucitar Lázaro é uma metáfora de ressucitar a si mesmo. Uma leitura cheia de contradições e de interrogações, mas me permito fazê-la não somente em função de meu liberalismo, pois não somente posso como quero pensar o que quiser, mas principalmente porque o dizer de Paulo de Tarso sobre se eu ainda falasse a lingua dos homens, ou se eu falasse a lingua dos anjos, sem amor eu nada seria. Quero amar minha vida e a vida dos outros, sem justificação. Apenas o desejo do amor nutre minha existência e é sua proximidade com minha vida que me movimenta para frente, para a direção do Paraíso aqui nesse planetinha esquecido no último rincão do universo. Quero ser como o saveiro que sai para o mar sem pressa, saboreia as suas águas e brisa e, ao final da tarde retorna para a praia, carregado ou não de peixes, pois isso pouco importa, mas que está disposto, no dia seguinte, a se aventurar novamente por entre as ondas e o verdume, como uma estrela solitária no céu negro, capaz de tingir de coragem e bravura pela vida o coração dos homens. E como diz o sambista: fim de papo!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Sobre a tortura, a anistia e a banalidade do mal














Faz trinta anos que o regime militar, instalado no Brasil em 1964, aprovou a lei da anistia, que concedia a libertação e o perdão aos militantes políticos que lutaram contra a repressão, mas também permitiu que os agentes estatais, policiais e militares especialmente, não sofressem qualquer tipo de julgamento e punição por terem torturado milhares de pessoas nos porões sombrios de organizações como o DOI-CODI e o DOPS.
Em 2004 o PNUD publicou um documento, resultado de uma extensa pesquisa, sobre a democracia na América Latina. Um dado que me surpreendeu foi que mais de 60% dos latino-americanos abririam mão do Estado Democrático de Direito e aceitariam um regime ditadorial se este oferecesse emprego e renda.
Posso até pensar que parte do raciocínio esteja relacionada com a situação de miséria e desigualdade social que reina na América Latina. Porém, não posso concordar com essa posição por dois motivos: a democracia possui mecanismos institucionais, políticos e legais que permitem o avanço no processo de distribuição de renda e um regime ditatorial contraria todos os princípios dos direitos humanos.
Acredito mais naquilo que Brecht denominou de "analfabetismo político". A memória histórica latino-americana e, em especial, a brasileira, está em frangalhos. Os jovens não têm a mínima noção do que aconteceu nesse país durante o regime militar. A escola não consegue informar e sensibilizar minimamente os estudantes sobre o tema. O Estado, em seus diversos níveis, não promove a construção de memoriais com a finalidade de gravar com a arquitetura e a arte a violência selvagem que assolou o país durante aqueles anos da ditadura militar. Milhares de famílias foram desestruturadas e ficaram desamparadas quando um de seus membros foi torturado e morto pelas forças da repressão.
Em 1979 veio a lei da anistia. Havia uma pressão da sociedade civil e também internacional para que ela fosse aprovada. Porém, uma questão estava em jogo. Fundamentalmente o que iria acontecer quando o país voltasse à normalidade democrática com aqueles que, na função de servidores públicos, utilizaram meios medievais para a realização do inquérito de prisioneiros políticos? Provavelmente seriam presos, julgados e condenados pelo crime de tortura, para não dizer o de homicídio qualificado, em tribunais democráticos.
Então era mais inteligente anistiar todos, presos políticos, exilados, torturadores etc. Para ser mais preciso, a lei da anistia ainda sofreu algumas reformas, porque alguns presos, especialmente aqueles que cometeram homicídios, sequestros e assaltos continuaram presos por mais algum tempo.
Da noite para o dia, aquele homem ou mulher que, impunemente e sem qualquer restrição legal ou administrativa, colocavam um jovem nu sentado em uma cadeira e lhe davam choques elétricos, ou então uma jovem, nua, deitada em uma cama e a estupravam barbaramente, passariam a ser considerados pela Justiça e pela lei cidadãos normais, acima de qualquer suspeita.
Veio a redemocratização em 1985, com a eleição de Tancredo Neves, a Constituinte em 1986, a própria Constituição em 1988. Tivemos novamente eleições diretas em 1989. Em 1994, um intelectual que foi cassado e perseguido durante a ditadura militar, o Fernando Henrique Cardoso, foi eleito presidente e, agora, um ex-metalúrgico, que foi militante sindical durante o período de repressão e diversas vezes presos, é o presidente da República. Porém, o que foi feito de significativo a respeito dos torturadores?
Muitos documentos foram levados nos anos 80 para a guarda da polícia federal, chefiada na época pelo Romeu Tuma. Quando voltaram aos estados tinham sido saqueados, sendo que uma parte significativa das informações sobre os torturadores desapareceram e não estão disponíveis aos pesquisadores.
Os parentes das vítimas de homicídio e as vítimas sobreviventes passaram a ter o direito de exigir do Estado brasileiro o reconhecimento da prática de tortura e, desta forma, o direito de uma indenização financeira. Essa indenização não apaga o passado e muito menos o sofrimento dessas pessoas. Mas é uma forma do Estado minimizar o dano causado a elas. Porém, mesmo assim, o critério para avaliar o valor a ser indenizado é desigual e, a maioria, recebe uma quantia irrisória em relação ao que sofreu no passado.
Mas a questão que quero abordar mais especificamente é a figura humana do torturador.
Hannah Arendt escreveu um livro intitulado "Eichmann em Jerusalém". Eichmann era um oficial da SS nazista durante a guerra e o responsável pela logística em um campo de concentração para encaminha milhares de prisioneiros judeus para a câmara de gás.
Terminada a guerra, ele fugiu da Alemanha e se escondeu na Argentina. Em 1960 o serviço secreto israelense o encontrou e o levou para Jerusalém, onde foi julgado e condenado à morte.
Diante da pergunta do juíz se ele se considerava culpado ou inocente, não teve dúvida em responder que era inocente.
O juíz ficou pasmo e perguntou por qual motivo. Ele respondeu que era um oficial da SS recebendo ordens superiores. Servia ao Estado nazista alemão que possuia leis que o autorizavam a fazer o que vinha fazendo. No caso de desobedecer às ordens poderia ser punido severamente. Era, portanto, um burocrata a serviço do genocídio.
Hannah Arendt chamou a esse tipo de mentalidade de "banalidade do mal". A tecnocracia da morte e do terror passou a imperar no mundo da modernidade científica e tecnológica.
A questão que faço é a seguinte: onde reside o humano dentro desse burocrata do mal?
Não há o humano no sentido gnóstico. O que há é uma engrenagem da qual ninguém pode escapar porque não possui o menor senso de reflexão crítica e valores da dignidade humana. Associa-se essa alienação ao prazer macabro e sádico de ter um poder desse tipo nas mãos e temos uma das maiores tragédias da história.
E no Brasil, durante a ditadura militar, ocorreu a "banalidade do mal"?
A legislação brasileira nunca permitiu a tortura. O Brasil, desde o começo do século XX é signatário de diversos tratados e convenções internacionais que considera a tortura como um crime contra a humanidade. O documento mais importante assinado pelos representantes do governo brasileiro é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pelas Nações Unidas em 1948.
Desta forma, os torturados dos porões da ditadura militar não estavam seguindo a lei quando torturavam os presos políticos. Seus superiores não ordenavam expressamente a prática de tal ação violenta e covarde. Mas faziam assim mesmo. E depois, no final do expediente, voltavam para seus lares, suas famílias, brincavam com seus filhos, assistiam a uma novela na televisão e iam dormir em paz.
Então porque torturavam pessoas indefesas?
Essa é a questão que está por detrás de tudo o que eu escrevi até agora e que me intriga.
Do ponto de vista histórico, a polícia e as forças armadas no Brasil, sempre gozaram de impunidade e de um poder monstruoso contra a sociedade. Era de se esperar que, em face da negligência das autoridades superiores, os torturadores utilizaram os meios que podiam tendo a certeza de que não sofreriam qualquer tipo de censura. Aliás, mesmo após a redemocratização e ainda hoje, a tortura é um dos meios mais utilizados pelos policiais para investigações criminais, especialmente em relação à população pobre que não possui meios de se defender judicialmente dessa prática.
Do ponto de vista filosófico, creio que precisamos nos reportar à condição moral do ser humano. O homem é um ser racional e moral, porque possui a consciência. Esta dá a ele a liberdade no agir. Porém a liberdade acarreta a responsabilidade e, nesse ponto, ninguém era, foi ou será realmente responsabilizado. Pode-se pensar em algum tipo de remorso ou de arrependimento por parte dos torturadores que ainda estão vivos e andam livremente pelas calçadas de nossas cidades?
De uma perspectiva psicanalítica, creio que no controle da situação e de posse de um poder contra o qual a vítima não podia se defender, a sensação orgásmica que a prática da tortura permitia aos seus protagonistas sentir é motivo suficiente para entendermos sua forma desumana e cruel de tratamento aos presos políticos.
Enfim, quem é o torturador?
É todo aquele agente público que utiliza de métodos violentos físicos e morais para obter informações, relevantes ou não, dos presos políticos na prática do inquérito policial.
Mas também somos todos nós que na época sabíamos que isso ocorria no subterrâneo da sociedade brasileira e não fizemos nada e todos os que hoje sabem desse fato e se omitem por conta do individualismo proporcionado pela sociedade consumista e, finalmente, aqueles que não sabem o que ocorreu e que, diante da possibildade de saber do acontecimento, negam-se a isso em nome de seus interesses pessoais vinculados ao que poderiam chamar de um "novo" momento da história brasileira onde isso não ocorre mais.
O que fazer, portanto, com os trinta anos da anistia?
Lembrar os que se esqueceram, punir os que praticaram a tortura e ensinar os mais jovens o valor fundamental de se viver em uma sociedade democrática, mesmo tendo ainda tanto o que se fazer e sendo ela algo ainda muito limitado. Mas é o que temos e não podemos abrir mão disso. Que a justiça se faça e que a memória brasileira mantenha-se viva sobre essa mancha em nossa história para que fatos como esse não ocorram nunca mais.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Roda de ratos


Ontem à noite houve um seminário sobre o livro do Immanuel Wallerstein, "Capitalismo histórico e civilização capitalista" no 3o. ano de História. O texto é primoroso, com um bom embasamento teórico e contextualiza bem a história do capitalismo desde o século XV. A certa altura da apresentação do aluno Rafael, ele faz uma citação do Wallerstein sobre o comportamento do capitalista, como um rato que fica correndo em uma roda dentro de uma gaiola e, quanto mais ele corre, mais ele quer correr, fazendo uma alusão à vontade da acumulação de capital.
Nesse momento, senti uma vontade grande de interferir na fala do aluno e fazer uma inferência por outros corredores do pensamento. Lembrei-me do livro do Marshall Berman, "Tudo o que é sólido desmancha no ar" e, em especial, o capítulo em que ele analisa o poema de Goethe, "Fausto".
O personagem Fausto faz um pacto com Mefistófeles para poder seduzir uma moça, loura, ingênua, pura e virgem, uma camponesa idealizada por Fausto como a mulher de seus sonhos. Vende a alma para o diabo. No final da história a moça é seduzida e Fausto apresenta o mundo dele para ela que, por ter um cérebro, simplesmente, se transforma e passa a desejar uma vida bem diferente da que ela tinha e que tanto seduzia Fausto. Enfim, a moça deixa de ser a mulher idealizada de Fausto e este se entedia com ela.
Ele então decide partir para aventuras mais perigosas, "baladas" mais picantes, conhecendo aquilo do mundo, ou do submundo, em que busca o prazer insaciavelmente. Quanto mais prazer ele busca, mais prazer ele quer. Não há uma quota de prazer suficiente para pacificá-lo. Até que chega um momento em que ele se entedia de tanto prazer sensual.
A partir daí, sem querer entrar nos meandros do texto, Fausto passa a desejar transformar o mundo de acordo com sua vontade. Torna-se um capitalista selvagem e decide comprar tudo, destruir o já existente e construir novas coisas. Porém, as novas coisas construídas o entediam também e, novamente, a destruição para a reconstrução. Em certo momento, há no terreno em que ele está comprando uma casa simples, onde mora um casal de anciãos. Ele tenta comprar a qualquer preço a casa deles, mas eles resistem, como se quisessem dizer que o mundo todo não pode ser comprado por um homem só e, ainda mais, resistem para lembrar a todos de um tempo passado onde a vida tinha um ritmo natural, não fatigado pelo relógio e pela lógica especulativa da acumulação do capital.
Fausto não titubeia e manda uns capatazes incendiar a casa dos anciãos e eles morrem. Enfim, Fausto é o dono de tudo. E destrói e reconstrói dentro de uma lógica em que o que se parece novo, nada de novo possui. Uma verdadeira aventura sobre a modernidade. Fausto sempre foi infeliz...
Em todos os momentos, Fausto buscou a felicidade. Mas a buscou fora de si mesmo. Tinha como premissa ter e possuir pessoas e coisas.
Nesse momento da minha reflexão, lembrei-me de Schopenhauer e de seu livro "Aforismos sobre a sabedoria da vida". No início, o filósofo alemão afirma que o homem pode ser medido a partir de três critérios.
O primeiro é o que alguém possui. Por mais que possua bens, esses bens não trarão nunca a felicidade, porque são exteriores ao indivíduo. Além do que, a lógica do consumismo impõe uma constante dor e sofrimento, na medida em que a vontade saciada com a compra de uma mercadoria impõe o tédio e, uma nova vontade impele a pessoa a comprar uma nova mercadoria e assim indefinidamente. A felicidade nunca é alcançada!
O segundo é o que os outros representam sobre nós. Schopenhauer afirma que é uma bobagem nos preocuparmos com o que os outros pensam ou falam a nosso respeito, pois o mundo é formado, na sua maior parte, por néscios e medíocres que nada têm a dizer de significativo sobre nós mesmos. É por isso que ele diz que os homens gostam de jogar cartas. Já que eles são vazios, sem conteúdo, e nada tem a trocar entre si no campo das idéias, então trocam as cartas no jogo. Uma brilhante ironia para o desperdício de tempo em banalidades!
O terceiro é o que alguém é. Em "O mundo como vontade e representação", outro livro de Schopenhauer, ele afirma que nós nascemos com o nosso caráter firmado, essencialmente inscrito em nossa personalidade. Em relação à vontade de nosso íntimo, nunca mudaremos. O máximo que podemos fazer é utilizarmos o nosso intelecto, se tivermos de fato um, para aprimorar a nossa vontade e transformá-la em algo positivo. Isso já é um avanço, mesmo que não ocorra uma transformação essencial do que nós somos. Mas, pelo menos, temos o conhecimento e o intelecto que, além do mais, nos ajuda a entender como o mundo e as pessoas funcionam.
Então, um importante passo para o reconhecimento de alguma felicidade, que nos alivie da dor e do sofrimento que o mundo impõe a nós, é nos conhecermos interiormente, preenchermos o nosso coração vazio de conhecimento e virtudes e, a partir daí, sentirmos orgulho de nós mesmos. Essa sedimentação do ser humano naquilo que ele realmente é deve ser tratada de maneira honrosa e nunca permitir a desonra. Com relação à vaidade, Schopenhauer é bem claro, ela é uma tentativa de obter uma opinião alheia favorável à nós e, em relação ao que os outros pensam sobre nós, nada há a acrescentar.
Enfim, na história trágica do capitalismo, em que o mundo exterior é esperado como algo que despertará dentro de nós um sentido da vida, somos que levados a viver um grande equívoco. Enquanto buscamos nos outros e nas coisas um pouco de paz e de felicidade e, logicamente, não encontramos, devemos buscar dentro de nós o nosso próprio significado.
Pensar assim dentro da lógica do sistema capitalista é remar contra a maré. Mas pelo menos estamos remando...

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sem você
















Sem Você

Tom Jobim / Vinícius de Moraes

Sem você
Sem amor
É tudo sofrimento
Pois você
É o amor
Que eu sempre procurei em vão
Você é o que resiste
Ao desespero
E à solidão
Nada existe
E o tempo é triste
Sem você
Meu amor
Meu amor
Nunca te ausentes de mim
Para que eu viva em paz
Para que eu não sofra mais
Tanta mágoa assim
No mundo sem você
Essa linda canção pode ser ouvida na voz do Chico Buarque no site: http://www.youtube.com/watch?v=2N4U9pUmbxY
O amor morreu...???
Perdeu-se em meio à tanta discórdia e egoismo.
O romantismo se tornou piegas, sem graça,
porque ele não permite o imediatismo dos encontros.
A superficialidade faz com que se ausente os sentimentos.
As pessoas têm pressa e são fugidias,
se satisfazendo com tão pouco...
Alguns poderão dizer que o amor é algo orgânico,
biológico ou natural,
que o que aproxima duas pessoas são somente determinações gênicas.
Mas as pessoas não podem esquecer que nós é que inventamos a cultura,
e a percepção do amor, do sentimento, da vontade de acalentar e docemente tratar
não é realmente natural,
é resultado de uma vontade socialmente construida com base em uma expectativa de criar um novo mundo.
Nesse caso, o amor é uma invenção humana,
mas não é por essa razão que ele deve ser descartado, empoeirado sobre uma prateleira.
Creio que ele deva ser cultivado e adorado por todos aqueles que acreditam e precisam da sensibilidade, da aproximação afetiva, da crença na necessidade de se buscar e encontrar no mundo alguém para quem podemos ser verdadeiramente nós mesmos.
Estabelecer uma relação de dependência emocional com alguém não agradaria a Schopenhauer,
não agradaria a muitos que não aceitam o que para mim parece ser a inevitabilidade de ser alguém que vive para amar o amor que ama...
Acho que enquanto existirem pessoas assim,
canções como essa terão vez e espaço para serem ouvidas e tocadas ao violão em uma tarde tranquila qualquer...
Amar sem medo...
Amar querendo amar...
Amar para ser amado...
Amar para espantar o choro do solidão...
Amar para simplesmente dizer: eu te amo!

domingo, 30 de agosto de 2009

A deriva


Há algumas semana atrás, no domingo do dia dos pais, fui com minha filha a um cinema em São Paulo assistir ao filme do Heitor Dhalia, "A Deriva". Era importante assistirmos juntos a esse tão belo filme, que trata do reencontro, da redescoberta e da construção de novos paradigmas sobre a significação de um para o outro.
Contruimos papéis para nós mesmos e para os outros durante toda a vida. Muitas vezes esses papéis são ilusórios e nos frustramos com nossa dificuldade em reconhecer o outro como interlocutor.
No filme, o pai, um escritor francês vivendo uma crise no casamento, está em sua casa de praia com a esposa e os três filhos. A filha mais velha tem uma profunda admiração pelo pai, na medida em que atribui a ele o papel tradicional que uma adolescente pode atribuir a seu próprio pai. Porém, diante da crise do casamento, ele possui um relacionamento extra-conjugal e a filha descobre. Passa a odiá-lo, como se ele tivesse traído uma relação com a filha que, na verdade, significa um outro papel.
A questão é que ela não compreende o pai como homem, como um ser que possui identidade própria, limitado em suas possibilidades como ser humano e, como todos nós, carente de afeto e de compreensão.
Há um clima de tensão muito forte, especialmente quando a filha descobre, porque a sua mãe conta, que o casal irá se separar, não pelo fato do pai ter um envolvimento casual com outra mulher, mas pelo fato da mãe ter se apaixonado por um rapaz em São Paulo, dez anos mais novo, e não querer viver mais com eles.
Sentindo-se atormentada por essa situação, a garota acaba tendo sua primeira relação sexual com um jovem mais velho que ela, em um barco, descobrindo-se mulher. A cena final em que ela desce do barco e encontra na beira do mar o pai na praia, que tinha ficado a noite toda procurando sua filha, é maravilhosa! O abraço dos dois na beira mar é comovente, pois ele percebe o que aconteceu com a filha e compreende que ela cresceu e, por sua vez, ela, na medida em que descobre a sua sexualidade e encontra uma outra identidade no mundo, reconhece em seu pai o homem que ela não conseguia ver antes, com suas questões existenciais e próprias de alguém que se aproxima da meia idade.
Vivemos sempre descobrindo novas possibilidades de relacionamento e, na medida do possível, reconstruindo nossas identidades em relação a quem nos rodeia.
Ter assistido ao filme "A Deriva" com minha amada filha foi simplesmente um dos momentos mais significativos de minha vida!
Precisamos sempre aprender e reaprender que somos nós, e somente nós, que damos um sentido à nossa vida e que esse sentido não depende de ninguém mais. O outro, seja lá quem for, mas especialmente se é alguém tão especial como a própria filha, segue o seu caminho e nosso papel, nesse momento, é o de acompanhar com olhar compassivo e cheio de alegria, sua caminhada por esse mundo que possui tantas possibilidades...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O que está por detrás da gripe suína?

















Amigos, o fenômeno midiático é um importante instrumento de divulgação de paranóias e histerias coletivas à serviço de poderosos interesses capitalistas de grandes empresas em diversas áreas. Nesse caso, estamos sendo manipulados pelos interesses da indústria farmacêutica intrinsecamente ligada à membros da estrutura governamental de diversos Estados, especialmente dos Estados Unidos da América. Vamos refletir?


Acessem o site: http://www.youtube.com/watch?v=CcgCBiyGljM .


Um abraço à todos e... um pouco de lucidez!!!

sábado, 25 de julho de 2009

Sobre a condição humana


O que é realmente importante para nós?
O significado da condição humana, sem querer parafrasear Hannah Arendt, mas inspirado em Schopenhauer, está intrinsicamente relacionado com o que efetivamente somos no campo subjetivo. A minha percepção da realidade é o que importa e o que é carregado de significado. Aquilo que possuo, minhas posses e bens, são voláteis e, se são exteriores a mim, nada acrescentarão de fato em minha existência. Se possuo um automóvel ele se torna um veículo de transporte, que pode facilitar minha vida no sentido de possibilitar meu trânsito pela cidade. Pode também representar um certo prestígio em uma sociedade de consumo onde a representação que se faz de minha pessoa está relacionada com a propriedade do veículo. Porém, no sentido da minha condição humana, vale a percepção que tenho daquilo que possuo. Quero dizer com isso que minha felicidade ou alegria não está, necessariamente, atrelada à propriedade de um objeto material, exterior. É minha percepção que importa e, desta forma, esta se constitui em um dado subjetivo. Posso estar infeliz mesmo possuindo bens materiais e, outra pessoa qualquer, desprovida desses mesmos bens, pode se sentir feliz e realizada. O nível de contentamento não é objetivo porque está relacionado com a percepção que cada um tem de si mesmo em um determinado contexto.
Uma ação de alguém pode ser, para mim, algo que tenha produzido muito prazer para a pessoa que a realizou. Porém, essa mesma pessoa pode estar arrependida de ter realizado tal ação ou mesmo ser infeliz por tê-la realizado. Não se trata, desse modo, de eu querer copiar o que o outro fez, reproduzir sua ação na totalidade, para que eu seja feliz, pois é apenas um pressentimento de uma sensação de prazer, alegria ou felicidade pelo ato do outro mas que para o outro pode ter tido um significado diferente.
Será possível medir ou identificar minha felicidade pelas ações alheias? Ou então, será possível caracterizar minha vida e minhas escolhas pelas representações que os outros fazem daquilo que escolho e realizo? Essa é uma questão essencial na minha argumentação, pois sou eu e somente eu que devo determinar o significado de minhas ações e não pautá-las pelas opiniões alheias ou pelas escolhas das outras pessoas.
A imagem que escolhi, fotografada por Sebastião Salgado tem o significado do desespero diante da nossa condição existencial. Não quero simbolizar na imagem qualquer relação entre riqueza e pobreza material, mas entre riqueza e pobreza de espírito. Schopenhauer afirmou que um camponês com saúde é muito mais feliz do que um rei doente e em nada invejaria a condição do rei, pelo contrário, sentiria pena dele e de todo o sofrimento que carrega. Diante da condição alheia não cabe a mim o desespero, como a representação da foto em que a mulher está com as mãos sobre a cabeça em postura reflexiva, em minha percepção subjetiva, em relação à sua própria vida. A condição humana, dessa forma, deve ser determinada pela percepção que cada um tem daquilo que faz e de suas próprias escolhas. Pouco deve importar o que possuímos materialmente (porém, nesse ponto concordo com Schopenhauer, não se trata de abstrair uma condição material de absoluta miséria e, desta forma, agir no sentido de garantir uma condição de satisfação material minimamente desejável e confortável), menos ainda a opinião que os outros têm sobre nós mesmos, mas o que efetivamente somos, mesmo que em uma condição de transitoriedade constante, um eterno vir-a-ser, o "penta rei" ("tudo passa") de Heráclito, em uma situação presente e desejável por nós.
Não quero invejar as escolhas alheias, pois tenho minhas próprias e singulares escolhas e é em relação a elas que devo me sentir feliz ou infeliz. De fato, o que me interessa é a possibilidade de determinar minha própria condição humana naquilo que ela representa em relação a minha subjetividade. As escolhas alheias não podem me parecer satisfatórias, pois o outro, que as fez, pode tomá-las como um inferno de vida e, pelo contrário, me parecer o paraíso. Então, nada deve me importar a não ser aquilo que efetivamente faço e realizadamente sou.
Enfim, para que minha condição humana produza em mim mesmo a sensação de completa realização, ela não deve estar relacionada com o que possuo materialmente nem com a opinião dos outros a meu respeito e, muito menos, pautada nas ações alheias, mas singularmente referirem-se a minha própria pessoa e opinião. Só para lembrar Nietzsche, não devo arrepender-me de nada do que fiz no passado e viver o presente como se fosse em si mesmo uma eternidade.

domingo, 12 de julho de 2009

Memórias da cana


Estou de férias!!! De repente, sexta passada, fui para São Paulo ver minha filha e, como sempre, fomos ao teatro. Fomos ao teatro da companhia "Os fofos encenam" ver a peça na qual ela foi estagiária, "Memórias da cana". Simplesmente impressionante!!!
A direção é do Newton Moreno, não precisa dizer mais nada. Porém, como esse é o meu espaço para escrever, direi algumas coisas. Logo que chegamos o cenário me impressionou muito. Uma casa grande, no estilo daquelas casas descritas pelo Gilberto Freyre no livro "Casa grande e senzala". O público fica ao redor do espaço onde a peça é encenada. O palco, central, é dividido por cortinas transparentes que simulam os cômodos da casa e, no centro, uma grande mesa onde os atores interagem. No início da peça os atores, devidamente caracterizados em seus personagens, encontram-se nos cômodos ruminando palavras, digressões sobre o caráter de suas personalidades, pensamentos em voz alta sobre a visão que cada um tem daquela família patriarcal.
Não vou me alongar na descrição, mas a família patriarcal é um traço histórico marcante no nordeste brasileiro, onde a figura do pai, o senhor de engenho e proprietário de terras exerce uma função de poder desmedido, quase absoluto, sobre a esposa, os filhos, os agregados e, no caso de ser o contexto anterior à 1888, em relação aos escravos.
A peça é inspirada na obra de Nelson Rodrigues "Álbum de família", escrita nos anos 1960 e dirigida como crítica à classe média carioca. Porém, os arquétipos da família patriarcal permanecem e, nesse caso, a trasposição do texto rodriguiano para o interior pernambucano não interfere em nada na percepção psicológica e sociológica dos valores dominantes.
As personagens são estereótipos de singularidades humanas que representam o contexto da família patriarcal.
O pai, a personagem Jonas, é um homem autoritário e que domina a família por meio da violência física e moral. É um hipócrita, pois ao mesmo tempo que exerce uma vigilância constante sobre o comportamento dos parentes, "compra" de um cafetão meninas adolescentes de 13 ou 14 anos, virgens, para deflorá-las na própria casa, sendo que a esposa e os filhos sabem do fato. Ele próprio, em uma noite em que estava bêbado, estupra a própria cunhada. Na verdade, existe um desejo incestuoso do pai em relação à filha Glória, que foi enviada para um internato católico, como um repositório de virtudes castas, mas que é expulsa do mesmo por ter tido um envolvimento homossexual com uma das colegas. Parece-me que, na perspectiva psicológica, o pai deflora adolescentes negras virgens por não poder deflorar a própria filha. Esse é um aspecto trágico da peça.
A esposa, da qual não se sabe o nome, pois é apenas chamada de "senhorinha", é uma mulher sensual mas que, pelo fato de ter casado sem amor ou paixão, torna-se fria no casamento, servindo apenas de procriadora da prole que irá, um dia, herdar a fazenda. "Senhorinha" teve um envolvimento incestuoso com um dos filhos, Nono, que enlouqueceu. Porém, a loucura de Nono parece-se como uma convulsão dionisíaca, um espetáculo de sensualidade que a todo instante percorre o cenário e as personagens.
Há uma tia, a Ruth, solteirona, que foi estuprada por Jonas e que vive exclusivamente para ele, tratando-o como um rei. Mulher ressentida, pois é vista por todos como uma mulher feia, sem nenhum atrativo sexual, sofre em sua solidão e em sua dependência em relação à família que, na verdade, a desconsidera. Ruth é uma personagem emblemática, enterrada em seu catolicismo tradicionalista e, ao mesmo tempo, recalcada por sua condição de mulher indesejada sexualmente.
Um dos filhos, Edmundo, recém-separado, viveu três anos com a esposa sem tê-la tocado. Na verdade, Edmundo nutre um desejo incestuoso em relação à mãe e, desta forma, odeia o pai. Contardo Calligaris no último Café Filosófico discorreu sobre o ciúme inconsciente do filho em relação ao pai pelo fato deste ter tido relação sexual com a mãe, desejada edipianamente, para que o próprio filho nascesse. Quando Edmundo fica sabendo da própria mãe que ela teve um amante, se porta como se consentisse o pai para que este matasse o violador da "sacrossanta" castidade materna que, no fundo, ele queria só para si.
Guilherme, que seguia os passos sensuais do pai, mulherengo e viril, entra para o seminário e se automutila, castrando-se. Retorna para casa para anunciar a relação homossexual de Glória e sua expulsão do colégio interno. É uma figura patética, pois sua expressão de alívio em relação ao desejo sexual, já que é agora castrado, se confunde com a própria amargura de ter renunciado ao mundo.
Glória, a filha casta, nutre um desejo incestuoso em relação ao pai, que compara com a figura de Jesus Cristo crucificado. Recusa-se a reconhecer tanto a hipocrisia paterna quanto a realidade cruel das relações familiares. Sua morte, assim como a morte de Edmundo, revelam que a idéia de família presente não corresponde às práticas cotidianas de violência e agressão.
Enfim, não quero contar a peça como um todo mas, a partir dessa singela descrição das personagens e de suas relações instigar o leitor do meu blog a ir assistir ao espetáculo e, ao se sensibilizar com a atuação brilhante dos atores, enxergar-se no patriarcalismo presente no palco, visto que o mesmo, como valor dominante da sociedade brasileira, impõem-se ainda no presente em uma dimensão disfarçada de liberdade e respeito à alteridade mas que, na verdade, transforma o espaço familiar urbano ou rural do Brasil atual em um palco de inquietudes e relações de poder e dominação que se antagonizam com um desejo idealizado de construção de uma sociedade mais justa e capaz de tornar as pessoas felizes.
Parabéns ao grupo "Os fofos encenam" pela coragem de, ao adaptar Nelson Rodrigues, produzir uma obra que no atual momento do contexto teatral brasileiro, passa a ser uma referência de dramaturgia e interpretação.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Educação, avaliação e notas


Minha amiga Sonia, que tanto prezo, me mandou a imagem acima. Como ela é Pedagoga e especialista em Educação e logo estará se doutorando pela Ufscar, levo a sério toda e qualquer manifestação que faz a respeito desse assunto. Permito-me tecer algumas reflexões sobre a imagem. Há quarenta anos atrás os pais, ao lado da professora autoritária, questionam o filho humilhado sobre as notas que tirou. Hoje, em 2009, os pais, aliados do filho arrogante, questionam a professora: como a senhora (ou você mesmo!) teve a coragem de dar essas notas para meu filhinho?
Pois bem, fora o humor presente na gravura, há uma questão muito importante para ser analisada. Como a família, o aluno e o professor percebem a nota da avaliação?
Penso que se dá muita importância para notas. Em uma sociedade competitiva e individualista, todos querem ser os primeiros e, desta forma, tirar a melhor nota não significa ter mais conhecimento, mas ser superior aos outros alunos. Esse é o retrato de satisfação da nota tirada na escola.
Porém, o que a sociedade não percebe, e muitos educadores também não, é que a nota é um dado quantitativo, uma representação apenas, do que deveria ser um processo de avaliação contínua da aprendizagem. Na verdade a escola poderia passar muito bem sem as notas. Quero dizer com isso que o educador deve realizar seu trabalho ensinando e avaliar, constantemente, os seus alunos para verificar se ocorreu ou não a aprendizagem. Não ocorrida a aprendizagem, deve-se dar a oportunidade do aluno recuperar, ou seja, ter novamente o ensino, de forma criativa e modificada, para a realização da aprendizagem. O professor quer que o aluno aprenda! O professor não quer que o aluno "tire nota"!
Depois da recuperação, nova avaliação e se for constatada a aprendizagem o aluno será aprovado e fim de papo. A nota, um número qualquer, incentiva a competição entre os alunos e dá ao professor que não sabe avaliar um poder que não lhe cabe.
Para quê o professor quer ter esse poder? Para sublimar suas frustrações pessoais ou se sentir superior aos outros? Que bobagem... O professor deve se satisfazer com o aprendizado de seu aluno. Não tem cabimento um professor se regozijar ao dizer para os demais colegas que "deixou" a maioria dos alunos para exame! Isso é um absurdo, para não dizer uma psicopatia...
Enfim, tanto no quadrinho de 1969 quanto no de 2009 há um grande equivoco. Nota não serve para nada de relevante. O que realmente importa é a aprendizagem e ao professor cabe verificar constantemente se seu aluno está aprendendo por meio de avaliações e, se isso não for constatado, dar a ele a oportunidade de se recuperar, de aprender realmente e, para verificar se isso foi conseguido, novas avaliações. A avaliação deve ser uma aliada do professor no processo de verificação da aprendizagem do aluno.

A questão social em São João


Desde que cheguei à São João da Boa Vista pela primeira vez, em 1981, que ouço infindáveis discussões sobre os problemas econômicos da cidade como, o desemprego, a baixa renda, a estagnação econômica etc. Os jornais da cidade, com grande déficit de capacidade crítica, exaltam horizontes no campo da indústria e na formação técnica dos trabalhadores locais em escolas especializadas, como se isso fosse um elixir para resolver a questão social da cidade. Os órgãos públicos, em especial o executivo e o legislativo, em diversas épocas, falam sempre na questão social como um problema a ser resolvido de forma assistencialista, com a criação de políticas públicas de ajuda à população de baixa renda ou sem renda alguma e, ao mesmo tempo, afirmam a importância da reformulação urbanística da cidade para a criação de distritos industriais e de políticas de incentivo a instalação de indústrias na cidade.
Creio que todas essas posições são equivocadas. Parto da constatação de que a cidade sofreu e ainda sofre um êxodo rural muito grande, de milhares de famílias de antigos trabalhadores rurais, pequenos proprietários, colonos, assalariados etc, que pelo fato de não terem condições de continuar no campo migram para a periferia da cidade, gerando problemas de gestão pública gravíssimos.
O fato é que a terra no município de São João da Boa Vista está concentrada nas mãos de poucas famílias que as mantém, de maneira geral, improdutiva. São imensas áreas agriculturáveis que poderiam estar produzindo alimentos e renda para os trabalhadores desempregados da periferia e que simplesmente estão abandonadas. Muitos proprietários rurais arrendam sua terra para a indústria da cana. Outros criam gado de forma extensiva. Outros ainda se dedicam ao plantio do café, do algodão, da batata etc e contratam a mão-de-obra da periferia por uma remuneração muito baixa.
Como seria o município se, efetivamente, o poder público local, estadual e federal, realizasse uma política séria de distribuição da terra? Milhares de famílias que hoje estão desempregadas ou sub-empregadas voltariam para o campo, como pequenas proprietárias. Iriam desenvolver uma agricultura alimentar para fornecer produtos para a cidade e região, barateando o custo de vida e, por meio de uma organização coletiva com base em cooperativas de pequenos agricultores, teriam acesso ao crédito e aos implementos agrícolas necessários ao desenvolvimento de suas propriedades. Além disso passariam a ter uma renda capaz de torná-los consumidores do comércio local que, por conta disso, se expandiria e passaria a oferecer mais empregos para aqueles que não voltaram para o campo.
As escolas técnicas locais parariam de oferecer cursos inúteis de informática e passariam a ministrar cursos ligados aos temas agrícolas. Não podemos esquecer que a cidade possui uma faculdade de medicina veterinária e que a pouco mais de vinte quilômetros, na cidade de Espírito Santo do Pinhal, há uma faculdade de engenharia agronômica. Fora o fato de termos na cidade um órgão público estadual, a "Casa da Lavoura", com técnicos especializados que ajudariam os novos pequenos proprietários rurais a desenvolverem racionalmente o uso de suas terras.
Com a modernização dos meios de transportes e das rodovias que dão acesso a cidade, ocorrida há poucos anos atrás, a produção poderia ser, em parte, escoada para os grandes centros, tão carentes de produtos alimentares. O esforço industrial da prefeitura local poderia ser dirigido para a criação de uma indústria de alimentos que ofereceria a possibilidade de agregar valor aos produtos agrícolas "in natura" produzidos nas pequenas propriedades, contribuindo para a melhoria da renda dos pequenos agricultores.
Problemas de segurança pública seriam minimizados, pois com trabalho e renda, além de acesso a educação e saúde, essas milhares de famílias não estariam mais à mercê dos traficantes de drogas e do crime organizado locais.
Enfim, um esforço que se baseia na tomada de uma posição política consciente, iria transformar radicalmente o perfil social da cidade de São João da Boa Vista e, desta forma, a questão social seria resolvida de forma satisfatória.
Porém, não sei qual a razão, não se discute na cidade nada que tenha relação à forma de ocupação da terra, a migração forçada de milhares de famílias de trabalhadores rurais e nem as possibilidades de criação de renda com base na produção agrícola familiar cooperativada.
Desta forma, fica aqui em meu blog, minha constatação e reflexão sobre a questão social em São João e sua relação direta, a meu ver, com o problema fundiário.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Da amizade e do conhecimento


Eis um quadro do pintor impressionista Claude Monet. É um campo de papoulas. Flores em carmim, vivas e exuberantes como a amizade. Não concebo o ato da aprendizagem do conhecimento sem a presença constante da amizade pelos que o compartilham comigo. Em minha prática docente procuro sempre cultivar a amizade em relação aos meus colegas e aos meus alunos. O afeto, oriunto do gesto amigo, se traduz pela aceitação do diálogo, da interlocução, prazeirosa e alegre, em diversos momentos do convívio.
Sem a amizade o processo de aprendizagem se mostra pouco virtuoso, duro e difícil, porque o outro, uma necessidade de interlocução, se torna mudo e não disposto a compartilhar o saber/sabor da arte de conhecer.
Em minha adolescência aprendi a amar o saber por intermédio de minha querida Alaíde Taveiros, a Tia Lá, como meus primos a chamavam. Uma mulher adiante do seu tempo, que se bacharelou em Direito pelo Largo de São Francisco em 1939 em uma turma predominantemente masculina, em meio a uma sociedade patriarcal, mesmo na metropolitana São Paulo dos anos 1930, tão bem descrita por Mário de Andrade em seu livro de poesias "Paulicéia Desvairada".
Oriunda do Vale do Paraíba, da cidade natal de Monteiro Lobato, Taubaté, a Tia Lá era uma figura generosa. Doutorou-se com uma tese sobre os "Quadros Econômicos" do fundador da fisiocracia francesa François Quesnay por pressão da academia, a Universidade de São Paulo, em plena ditadura militar. Teve como referência epistemológica o livro magistral de Michel Foucault "Les môts et les choses", que hoje encontra-se em minha biblioteca. Essa mulher baixinha e brilhante leu Foucault no que há de mais interessante em sua obra, o trabalho de arqueologia do saber, antes mesmo desse autor morto em 1984 adentrar nas universidades brasileiras. Tornou-se professora assistente do historiador da economia Paul Hugon. Diante de um público pretensamente militante, pois encontrava-se no momento em plena ditadura militar, relutou em ceder espaço das suas aulas às atividades panfletárias. Assegurava, em pleno regime de excessão, a excelência do conhecimento, levando com rigor e seriedade o processo intelectual de construção do saber. Não que fosse adepta do regime militar, muito pelo contrário, mas achava que o espaço da militância devia se dar fora da sala de aula. Não admitia fraudes no conhecimento, perda de oportunidade de conhecer e formar intelectuais em nome da mobilização estudantil. Se dispôs a participar de passeatas no centro de São Paulo em nome da democracia, mas que isso se desse fora do horário de aula!
Lembro-me de inúmeros domingos em que descia para Santos, para visitar meus tios e primos que moravam em São Vicente e trazia, religiosamente, o Suplemento Cultural do Estadão. Eu tomava o ônibus no canal 2, perto de minha casa, e ia para a casa de meus tios passar o domingo ao seu lado. Meus primos iam para a praia do Itararé, que ficava na frente do apartamento e sempre me perguntavam: Paulinho, você não vai à praia conosco? Sentado ao lado da Tia Lá, recusava o convite prazeirosamente, pois tinha ao meu lado alguém muitíssimo mais importante do que uma praia ensolarada. Tinha Tia Lá e seu suplemento cultural! Eu respondia à pergunta de meus primos displicentemente: É claro que irei à praia, mas no final da tarde, para jogar futebol! Ninguém entendia nada.
Em São Paulo, o apartamento da Tia Lá era um primor. Ficava na Rua das Palmeiras, em pleno Santa Cecília. Ia visitá-la frequentemente e ela, como uma boa macrobiótica, me oferecia no almoço arroz integral, suco de laranja com bagaço, uma enorme variedade de legumes e uma pitoresca gelatina de carne! Isso tudo regado a levedo de cevada...
Mesmo após minha vinda para o interior de São Paulo, viajava para São Paulo sempre que podia, pois sua opção pelo pragmatismo (ela estava traduzindo John Dewey antes de sua morte) me possibilitou uma aproximação com a semiótica de Charles Sanders Pierce, que tanto me ajudou na compreensão do mundo linguístico do século XX.
Em 1985 Tia Lá se desintegrou. Digo isso porque uma vez perguntei a ela o que pensava sobre a morte. Ela me respondeu, quase que epicuramente, que a morte é simplesmente a desintegração molecular e a eternidade se encontra nos posteriores encontros e simbioses de nossas moléculas e átomos com as moléculas e os átomos de outros seres da natureza. Estaremos sempre presentes nesse planeta por meio da bioquímica. Que materialismo mais corajoso, já que vinha de uma família tradicionalmente católica.
Restou-me a lembrança de nossas conversas, seu afeto e carinho por mim e a minha eterna gratidão por sua imensa generosidade.
Voltei a encontrar a amizade e sua relação com o conhecimento com meu querido, agora octagenário, José Cardoso de Freitas. Um intelectual perdido nos rincões da serra da Mantiqueira. Historiador da Roma republicana (leu Tito Lívio no original em latim), fez seu mestrado sob a orientação do baluarte da historiografia clássica no Brasil, o já falecido Ulpiano. Nossas conversas no antigo bar Canecão e nossos passeios ao redor da praça Joaquim José, aqui em São João da Boa Vista, revigorou meu gosto pela História. Foi ele quem me incentivou a penetrar no universo da memória coletiva e do passado a ser descoberto. Minhas posições na época, no início dos anos 1980, eram sabidamente de esquerda. Uma esquerda radical como ele me falava, pois vinha de um ensino médio de militância estudantil na UBES de Santos. Estávamos no final da ditadura militar e ele, em sua sábia paciência, apostava na social democracia como via de solução dos problemas políticos nacionais. Eu pensava na época na revolução proletária! Mesmo diante de conflitos em relação às nossas idéias políticas, nutrimos naquela época e até hoje uma profunda amizade onde a lucidez e a transparência se faziam necessárias e fundamentais para que pudéssemos construir juntos o conhecimento. Ainda hoje o encontro, solitário, nas ruas da velha São João. Apesar da idade, ainda se mantém disposto ao diálogo e suas citações factuais da História me ajudam a ilustrar o cenário do passado... É com gratidão que lembro-me aqui desse querido amigo.
Já adulto, tive a oportunidade de conhecer há 10 anos atrás, na PUC de Campinas, uma mulher magnífica que se tornou minha orientadora no mestrado em Filosofia. Minha querida amiga e companheira no campo do conhecimento filosófico, Maria Cecília Maringoni de Carvalho. Suas aulas sobre Searle e a filosofia da linguagem, suas palestras sobre o utilitarismo em suas vertentes contemporâneas e suas abordagens sobre o campo da Ética, tanto em sala de aula, como em suas palestras, dignificam a atividade do magistério. Sua generosidade é grandiosa. Apesar de ser extremamente atarefada, presenteou a Unifeob com um artigo brilhante sobre o cuidado que devemos ter com os animais, quando ainda na instituição não se falava da criação de um comitê de Ética. O artigo foi publicado no Caderno de Ciências Sociais e sua palestra no Centro Cultural foi assistida por mais de duzentas pessoas, entre alunos, professores e público em geral.
Maria Cecília é um paradigma para a Filosofia brasileira na atualidade. Suas inúmeras participações em bancas de mestrado e doutorado em diversas universidades brasileiras demonstram o carinho e a importância dedicados a ela por todos aqueles que têm na Filosofia um campo de conhecimento privilegiado. Ela tem, generosamente, acompanhado, mesmo que à distância, meu trajeto intelectual e pessoal por todo esse período de dez anos em que somos amigos. Quando eu fazia minha pós-graduação em Política e Relações Internacionais em São Paulo, não deixava de ir me ver. Levava-me para comer meu prato predileto, o atum grelhado, em Higienópolis. Eram momentos gastronômicos saborosos, regado com discussões filosóficas que, é claro, ela dirigia e eu, humildemente, usufruia. Verdadeiros "symposiuns"... Minha querida professora, como a chamo sempre que nos falamos, é para mim uma referência fundamental para a compreensão da importância da amizade para o conhecimento.
Para essas três pessoas magníficas e importantes em minha vida pessoal e intelectual, escrevo essas linhas em meu blog com o intuito de homenageá-las e, ao mesmo tempo, entusiasmar a todos os que lerem esse texto a se deixarem abertos às possibilidades de relacionamento humano digno e significativo, e não se deixarem levar por relações sociais e pessoas que nada acrescentam em nossas vidas. Cultivemos a virtude da amizade e utilizemos a mesma para agregar valor em nós próprios e, desta forma, nos tornarmos seres humanos melhores. Aos três queridos mestres meus mais sinceros e profundos agradecimentos. Eternamente...

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Comemoração da Revolução Constitucionalista de 1932













No próximo dia 9 de Julho haverá um feriado no estado de São Paulo. Muita gente não sabe porque esse dia é comemorado. Trata-se da data de início da Revolução Constitucionalista de 1932. Na época Getúlio Vargas estava no poder e, a partir do Rio de Janeiro, governava "provisoriamente" o país. Tinha tomado o poder com a Revolução de 1930 contra a vitória do candidato Júlio Prestes nas eleições presidenciais, pelo Partido Republicano Paulista. Getúlio tinha se candidatado pela Aliança Liberal, que somava diversos grupos políticos contrários ao poder das oligarquias paulistas desde a eleição de Prudente de Morais para presidente, em 1894.
A República Velha chegou ao fim e, no lugar dela, o Brasil era governado de maneira ditatorial por Getúlio Vargas. Este nomeou interventores para governar os estados. São Paulo era governado por um interventor que não foi eleito pelo voto direto da população paulista. Getúlio, percebendo o descontentamento, nomeou um substituto, o político Pedro de Toledo, paulista, mas que não conteve o descontentamento da população.
Desta feita, diversos setores da sociedade paulista se organizaram para lutar contra o governo de Getúlio Vargas e exigir eleições presidenciais e uma nova Constituição para o país. Apesar das oligarquias de São Paulo terem se aproveitado do movimento para a retomada do poder político, os historiadores atualmente concordam que o movimento teve bases populares e na classe média e pretendia restaurar na visão de uns e implantar na visão de outros historiadores, a democracia no país por meio da criação de um Estado Democrático de Direito.
São Paulo ficou só nessa guerra que deixou um saldo de 634 mortos e 1.273 feridos. Porém, apesar de derrotado militarmente, nós paulistas conseguimos que Getúlio convocasse eleições para a criação de uma Assembléia Nacional Constituinte e, nessas eleições, pela primeira vez a mulher passou a ter o direito de votar.
Enfim, o dia 9 de Julho é importante para a memória histórica de São Paulo, como um estado baluarte que lutou pela democratização do Brasil. Não se trata de construir uma memória de heróis, como idolatrar os quatro jovens assassinados pela polícia de Getúlio (Mário Martins, Euclides Miragaia, Dráusio de Souza e Antônio Camargo). Trata-se de salvaguardar a memória do povo de São Paulo em relação à sua luta pela democracia e pelos valores constitucionais, contra a tirania de Getúlio Vargas que, depois de ser eleito pelo voto indireto presidente em 1934, deu um golpe de estado e implantou uma ditadura institucionalizada no país, a partir de 1937, denominada "Estado Novo".
Se pensarmos na necessidade de mantermos os valores democráticos e constitucionais no Brasil atual, devemos aproveitar a oportunidade para lembrar-mos da guerra que nos anos 30 ocorreu em nome desses valores.

sábado, 4 de julho de 2009

Não deixe o amor passar



















"Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento,houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.
Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR" (Carlos Drummond de Andrade).
*Para Carmen...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

O grito





















O famoso quadro "O grito" foi criado pelo pintor norueguês Edvard Munch, que nasceu em 1863 e morreu durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944. Munch foi um dos precurssores do expressionismo, uma proposta estética que tinha na subjetividade e na angústia diante das incertezas do mundo seus principais inspiradores.
Para ele, a arte era um meio de se lutar contra a sociedade, mas também contra os horrores existenciais que tanto permeavam a passagem do século XIX para o século XX, como a dor, o sofrimento, a doença e a própria morte. Ele mesmo era um homem que vivia doente e tinha ressentimentos em relação à sua infância pelo fato de sua mãe ter morrido quando ele tinha apenas cinco anos e sua irmã mais velha quando ele era adolescente.
Munch sempre esteve atento para a fragilidade do ser humano e sua condição de finitude, de transitoriedade diante da vida. Essa percepção da pequenez humana, de sua existência marcada pelo medo e terror em relação a natureza e o sobrenatural, mas também em função de estar condicionado por uma socieadade em transição, marcada pela presença do urbano, da massa, da invisibilidade e do non sense, traduzem-se em sua obra a partir do reconhecimento de que o homem, apesar de ser um "caniço pensante", como afirmou Pascal, era na verdade não um sujeito no mundo, mas uma consequência do próprio mundo, subordinado às suas incertezas e às suas próprias paixões subjetivas que nunca seriam de todo satisfeitas. A condição humana para Munch era a de um ser destinado ao vazio existencial que, segundo Schopenhauer, se caracterizava pela dor e o sofrimento produzidos pelo desejo e, ao tê-lo satisfeito, a sensação de nadificação proporcionada pelo tédio e, mais uma vez, a dor de um novo desejo, ou no dizer de Schopenhauer, a "vontade".
O quadro "O grito" foi pintado por Munch com trinta anos de idade. É considerada sua principal obra e uma das mais importantes do movimento expressionista. O quadro retrata a angústia e o desespero e foi inspirado nas decepções do artista tanto no amor quanto com seus amigos e, desta forma, atesta a singularidade de sua sensibilidade diante da solidão inerente à condição humana. Seu envolvimento com uma mulher casada, que lhe trouxe mágoa e desespero e o rompimento de relações com seu pai que, durante sua infância foi terrivelmente cruel com o jovem Munch por meio de ações autoritárias e castradoras, são de fundamentais importância para a compreensão do desespero que aparece na figura do quadro.
A falta de um fundamento para a existência, que empobrecida pelas frustrações das relações sociais e amorosas, se traduz pelo desespero. Essa questão do desespero pode ser entendida de outra forma se recorrermos a uma tradição filosófica nietzschiana, pois o desespero é condição necessária para a superação do homem e a construção de uma extra-moralidade. Porém Munch se revolta contra a ausência de esperança e não afirma a vida, mesmo diante de tantas muralhas e obstáculos para a felicidade.
"O grito", que no original norueguês se chama "skrik", foi pintado em 1893. A figura representada no quadro e que, por um mal gosto indescritível, virou máscara de filmes de terror para adolescentes como "Pânico", representa uma figura andrógina num momento de profunda angústia e desespero existencial. O pano de fundo é a doca de Oslofjord, na cidade de Oslo, capital da Noruega, durante o pôr-do-sol.
Munch escreveu em seu diário pensamentos que revelam a inspiração que teve para a criação do quadro: "Passeava com dois amigos ao pôr-do-sol, e o céu ficou de súbito vermelho cor de sangue. Eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a mureta. Havia sangue e línguas de fogo sobre o azul escuro do fjord e sobre a cidade. Os meus amigos continuaram, mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade e senti o grito infinito da natureza".
Segundo o especialista na obra de Munch, Robert Rosenblum, a fonte de inspiração imediata para a figura andrógina de "O grito" foi uma múmia peruana que Munch viu na exposição universal de Paris em 1887.
A primeira exposição do quadro ocorreu em 1903, como parte de um conjunto de seis peças, intitulado "Amor". A idéia de Munch era representar as várias fases de um caso amoroso, desde o encantamento inicial até a ruptura final dramática. Nesse sentido, "O grito" representa a última etapa do envolvimento amoroso, envolvida em sensações de perda, de ausência, de solidão, de fragilidade, de desespero e de angústia.
O quadro em si apresenta ao fundo um céu de cores quentes, em oposição ao rio em azul, uma cor fria, que sobe acima do horizonte. Há uma figura humana também representada em cores frias, o azul, a cor da angústia e da dor. Um detalhe importante. A figura andrógina está sem cabelo e isso revela o seu estado de saúde precário, doentio. A maioria dos elementos descritos estão tortos, sinuosos, sem exatidão, como que estivessem reproduzindo o grito dado pela figura, como se o berro angustiado da figura andrógina tivesse a força e o impulso de entortar o mundo, como uma repercussão das ondas sonoras produzidas pela boca aberta em desespero.
Somente a ponte e as duas figuras humanas apresentadas no quadro não estão tortas. Todo o universo se abalou com o grito angustiado do ser andrógino, menos os supostos "amigos" e a ponte que, para o autor, não são elementos naturais. Os "amigos" pela sua falsidade e hipocrisia e a ponte por ser feita de concreto.
O quadro que revela o grito desesperado produz uma dor não somente em quem deu o grito, mas também na natureza e, desta forma revela a subjetividade de seu autor e, ao mesmo tempo denuncia a indiferença do grito desesperador em relação a quem está observando pois, a dor que é sentido por uma pessoa não é sentida pelas demais e, desta forma, não se tem uma comunicação nem uma solidariedade ou talvez mesmo compaixão por parte dos outros. Essa indiferença alheia é a causadora da maior dor e da maior angústia, mais do que o fator primário que produziu o grito, pois revela uma humanidade desprovida de simpatia e de capacidade de se sensibilizar com a dor alheia. Pelo contrário, o quadro "O grito" revela, no fundo, que a sociedade contemporânea é profundamente individualista e egoísta e, neste sentido, trata a questão do sofrimento como algo que traduz a condição solitária à qual todos nós, querendo ou não, estamos vivendo nossas existências.
Que a dor manifestada por "O grito" traga um pouco se sensibilidade para os corações dos homens e que produza por meio da compaixão um espírito de solidariedade e fraternidade tão caros à nossa condição de existência humana mas, ao mesmo tempo, tão ausente em tempos de cólera e horrores marcados pela história.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Como está o ensino médio no estado de São Paulo?















A situação atual do ensino médio no estado de São Paulo é de crise de identidade. Para se refletir sobre a realidade da educação nesse momento importante da educação básica é necessário separar o ensino privado do ensino público.
Começo pela análise do ensino privado em que lecionei por quase vinte anos.
As escolas particulares, a partir dos anos 1980, passaram a adotar os sistemas de ensino que são grandes empresas capitalistas que apresentam os conteúdos das diversas disciplinas no formato de apostilas. Praticamente não são utilizados mais livros didáticos e paradidáticos no ensino médio privado.
Nesse sentido, existe uma padronização do ensino, onde o conteúdo é priorizado e o professor nada mais faz do que repetir, de forma não crítica e não reflexiva, o conteúdo disponibilizado pela apostila, no formato de aula 1, aula 2, aula 3 e assim por diante.
Os alunos possuem um texto específico por aula e uma bateria de exercícios, muitos deles retirados de vestibulares, para "treinarem" suas habilidades e competências para "responder" perguntas, e não para "fazer" perguntas. Trata-se de um condicionamento no estilo mais que clássico do behaviorismo em psicologia. O melhor aluno é aquele que consegue resolver a maior quantidade de problemas, seguindo as regras e padrões estabelecidos pelos professores nas aulas normais e nas aulas de "reforço".
Não se estimula o pensamento, a reflexão, a crítica e outras habilidades intelectuais necessárias à formação do jovem enquanto cidadão. Pelo contrário, passa-se uma visão para eles de que são a "elite intelectual" do ensino médio, porque têm condições de pagar a escola particular e, desta forma, poderão frequentar as melhores universidades públicas do país.
Esse modelo não somente está institucionalizado como também cria um verdadeiro apartheid educacional. Na medida em que os vestibulares são provas de conhecimentos gerais e pedem a memorização e a capacidade de resolução de problemas específicos nas mais variadas disciplinas, no final do processo, são esses alunos de classe média, principalmente, que pagam as escolas de ensino médio, que irão ter acesso às vagas escassas das universidades públicas nacionais.
De maneira geral, a estrutura "pedagógica" dessas escolas possui uma estrutura hierárquica extremamente rígida, formada pelo proprietário, um empresário capitalista que visa essencialmente o lucro e, subordinado a ele, um diretor, que é o responsável pelos procedimentos burocráticos e administrativos e pela intermediação com as diretorias regionais de ensino da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo que, por meio de seus supervisores de ensino, estão encarregadas de fiscalizar a lisura do processo educacional no ensino privado. Depois vem o coordenador pedagógico, que na verdade faz as vezes de um relações públicas, procurando tratar os alunos e seus pais ou responsáveis, sob a ótica do sistema capitalista, como clientes e, nesse caso, o cliente sempre tem razão. Os professores são contratados como horistas, ou seja, não possuem horas atividades para se dedicarem à preparação de aulas, estudos paralelos, reuniões pedagógicas etc. Na verdade, essas atividades são consideradas prescindíveis, pois o material apostilado pressiona o professor a uma ação em sala de aula programada de cima para baixo. Não há participação democrática desses docentes na escola. O sistema é extremamente autoritário. Uma prova disso é o sistema de contratação dos docentes. Geralmente o docente é contratado pelo proprietário da escola, a partir de indicações, sem a participação do colegiado da escola, e a negociação salarial, por exemplo, é realizada individualmente. Tanto é que se discute tudo na sala dos professores: futebol, filhos, culinária etc; menos o quanto cada um ganha. O princípio de isonomia salarial não é respeitado e as escolas privadas realizam uma pesquisa de "ibope", que não se trata de uma avaliação institucional, para "rankiar" os professores. Aqueles que são considerados "mais legais" pelos alunos têm a sua hora aula valorizada e, para isso, os critérios não é a competência, mas o "gingado" do professor no sentido de tornar sua aula mais "divertida", mais "interessante" em função da piadinha certa na hora certa. O conhecimento não é mais o objetivo, mas sim a satisfação do cliente.
Enfim, a escola privada de ensino médio promete o "melhor" ensino, mas na verdade vive da aparência na medida em que a sociedade de consumo privilegia a "marca", a "etiqueta" da mercadoria e, nesse sentido, tanto professor, como material didático e o próprio conhecimento são transformados em mercadorias que geram lucro para o empreendedor privado. O que se verifica é a ausência de um espaço reflexivo, de produção do conhecimento. A sala de aula é um local de reprodução de um conhecimento geralmente equivocado, impresso nas apostilas, que o professor tem que repetir sem fazer qualquer crítica à mesma, pois é na apostila, na venda dela, que o empresário do sistema de ensino e o dono da escola ganham a maior parte de seus lucros. É por isso que muitas escolas particulares oferecem bolsas de estudos para os alunos de classe média baixa, mas não deixam de cobrar o material apostilado. É a mina de ouro da educação privada! Livros??? Não é necessário mais... Ouvi há alguns anos atrás, da boca de uma pedagoga bastante prestigiada na região, que os livros estão fadados à extinção, pois agora a internet irá substituí-los definitivamente!!!
Agora irei tecer algumas reflexões sobre a educação pública relativa ao ensino médio.
A rede pública vinculada à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, no âmbito do ensino médio, sempre esteve relegada à segundo plano. Isso em uma perspectiva histórica. Até os anos 1970 haviam poucas escolas de ensino médio públicas no estado de São Paulo. As poucas que haviam atendiam um público que hoje está presente na escola privada. Então, na época, os docentes da rede pública recebiam salários dignos e atendiam a um público que não era formado na sua maioria por filhos de trabalhadores, mas era oriundo da classe média. O professor da escola pública até os anos 1970 tinha prestígio, principalmente nas cidades do interior. A partir dos anos de 1980 houve um avanço na "democratização" do ensino público no nível médio, antigo colegial. Construiram-se novas escolas e contrataram-se mais professores. Porém, o governo do estado estabeleceu uma política de arrocho salarial que afastou os melhores docentes da rede pública. Os poucos que ficaram, ficaram por idealismo ou por convicções políticas. A "democratização" do ensino médio público não significou uma melhoria na qualidade de ensino, pelo contrário, apenas aumentou o número de vagas para atender aos filhos da classe trabalhadora e, nesse sentido, o público majoritário é de jovens que estão já inseridos no mercado de trabalho recebendo baixos salários e que estudam à noite. Uma questão importante: como um jovem entre 14 e 17 anos, que trabalha o dia todo, de segunda à sábado, tem tempo ou condições físicas e psicológicas de estudar os conteúdos oferecidos no período noturno, das 19 as 23 horas, com qualidade? Na verdade, o que acontece de fato, é apenas a presença do aluno em sala de aula. Ele não tem tempo nem condições físicas e psicológicas de estudar o que assistiu em sala de aula em casa pois, mesmo que tenha o domingo livre, está tão cansado que troca o estudo pelo lazer.
Em relação ao material para estudar, a escola pública, diferente da escola privada, não oferecia livros didáticos e, desta forma, a maioria dos professores escrevia na lousa o conteúdo para ser copiado pelo aluno em um caderno, muitas vezes adquirido com dificuldade. Muitas vezes ocorria a prática do "ditado", em que o professor lê um texto e os alunos copiam. Como a aula tem 50 minutos, no final não há tempo para se refletir sobre o conteúdo "ditado". Isso foi assim durante os anos 1980 e 1990 e início do ano 2000.
Uma questão que deve ser citada é o fato de que, na escola pública, apesar das dificuldades, o professor possuia liberdade de cátedra e, desta forma, elaborava seu plano de ensino com liberdade, atentando para os aspectos da sua disciplina que considerava mais importante e relevante. Essa prática da liberdade de cátedra não existe na escola privada, que está sob a ditadura das apostilas dos sistemas de ensino empresariais...
Há aproximadamente 2 anos, o ensino público médio sofreu alterações que considero significativas. O governo federal passou a fornecer o livro didático, que é comprado com dinheiro público e fica a disposição do aluno, mas não é sua propriedade. É propriedade pública e, desta forma, quando o aluno terminar a 3a. série, deixará o livro didático para que outros alunos possam utilizá-los. Essa iniciativa foi muito importante, pois desta forma o aluno do ensino médio passa a ter um material teórico em que pode estudar e acompanhar as aulas. Um detalhe importante: cada escola faz um questionário com os professores para que eles indiquem o livro didático de sua preferência e os mesmos são adquiridos pelo governo federal através de um processo licitatório.
O governo do estado elaborou uma proposta curricular para cada disciplina. O sindicato dos professores (APEOESP) fez críticas a essa proposta. Não posso dizer nada à respeito das outras disciplinas mas, no tocante a disciplina de História e de Sociologia que leciono no ensino médio público posso garantir que a proposta é de qualidade, não somente em relação aos temas abordados, que estão diretamente associados às problemáticas contemporâneas como desigualdade social, preconceito, cidadania etc, mas também em relação à qualidade dos textos e autores citados, qualidade dos exercícios e propostas de trabalho e indicação bibliográfica.
Porém, o material oferecido pela Secretaria da Educação é mínimo diante das exigências do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) que servirá como "vestibular" para dezenas de universidades federais de todo o Brasil e para a classificação do aluno que pretende cursar uma universidade privada e ter acesso ao programa de bolsa de estudos do governo federal, denominado PROUNI.
Desta forma, minha experiência no ensino médio público atualmente é o de trabalhar com meus alunos o conteúdo previsto para todo ensino médio, utilizando a proposta curricular do governo do estado e também o livro didático oferecido pelo governo federal. Porém, a escola pública, ao garantir a liberdade de cátedra, permite que eu agregue novos textos, novas abordagens, faça a crítica tanto ao material didático oferecido pelo estado como pelo governo federal, não me submetendo a um sistema autoritário que possa existir. Pelo contrário, no espaço da sala de aula na escola em que leciono, e creio que essa realidade é disponível para todos os professores das escolas públicas do estado de São Paulo, tenho total liberdade de cátedra e posso realizar meu trabalho como um processo que não somente permite que eu me realize pessoal e profissionalmente, mas também que utilize minha prática docente como um instrumento de transformação de valores e idéias no sentido de contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática, com seres humanos mais conscientes de seus direitos e deveres e, principalmente, aptos para o exercício completo da cidadania.
Deixei de lado diversos outros aspectos que fazem parte do contexto do ensino médio paulista, inclusive questões de ordem salarial, carreira docente, oportunidades de formação continuada etc. Talvez venha abordar esses outros temas em uma nova oportunidade.