sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Liberdade, responsabilidade e angústia














Que belo acaso é o ser humano. Em um planeta tão pequeno em comparação às grandes constelações do universo, surgimos e passamos a viver em companhia de tantos outros seres vivos. Compartilhamos com eles uma mesma natureza. Temos nossas determinações, essencialmente orgânicas. Mas nesses milhares de anos em que nos fazemos presentes, criamos a cultura. A cultura é a nossa segunda natureza. Desenvolvemos a linguagem e passamos a nos comunicar, compartilhando os mesmos signos, sinais e símbolos. Porém estamos sós. Não somente sós porque não compartilhamos a linguagem com os outros seres vivos, mas sós enquanto indivíduos. Vivemos em sociedade sim. Posso até ceder ao grande Aristóteles a idéia do "zoon policon". Tudo bem, o homem é um ser social. Mas temos a nossa subjetividade. E ela é praticamente inacessível, inclusive para nós mesmos. Não sabemos, individualmente, quem somos. Vivemos uma liberdade que nos permite escolher as ações. Porém essa liberdade tem um limite, estabelecido pelo contexto histórico e social e também pelo sentido que atribuímos ao mundo e às outras pessoas. Minhas escolhas são resultado do sentido que eu atribuo às coisas. Minha consciência é limitada e, segundo Sartre, minha existência precede a minha essência. Não nascemos prontos e acabados. Nascemos animais e, por meio do processo de socialização passamos a aprender maneiras de pensar, agir e sentir. Mas somos indivíduos e, mesmo que compartilhemos a mesma cultura, filtramos em nossa consciência seus pressupostos e fazemos escolhas. O que será que legitima minhas escolhas? Se eu fosse cristão, no sentido histórico e tradicional, diria que são os mandamentos divinos. Há uma facilidade nisso, pois "a priori" Deus teria revelado para nós a forma correta de agirmos no mundo. Mas e se não existe Deus? A aposta pascalina não vale nesse caso. Blaise Pascal disse que é preferível acreditar em Deus porque se ele não existir não fará diferença alguma, mas se ele existir estaremos salvos! Um argumento ateu, ou quem sabe até agnóstico, me permitiria, como queria Sartre, reconhecer que não há nada exterior a mim mesmo que valide as minhas escolhas. Portanto, nunca saberei se estou realizando a escolha certa ou melhor. Acontece que sempre procuramos escolher o melhor. E essa escolha tem a ver com a idade em que me encontro. Aos dezessete anos escolhi ser professor. Naquele momento era o melhor para mim. Hoje, passados tantos anos, ainda reconheço que foi o melhor. Saboreio os frutos de minha profissão, especialmente o contato maravilhoso que tenho com meus alunos que, pacientemente, ouvem-me dissertar sobre tantos assuntos diversos em minhas aulas. Mas também fiz que hoje me arrependo. Mas é bobagem o arrependimento, porque aos vinte anos eu era uma outra pessoa e, dessa forma, só poderia considerar o melhor aquilo que escolhi na época. E hoje? Também sou alguém que faz escolhas, e pretendo sempre fazer as melhores, mas pode ser que daqui a vinte anos eu reconheça que não foram as melhores. E daí? Simplesmente gratidão em relação ao passado. Mas sou capaz de olhar os olhos daqueles que me circundam, que me amam ou me odeiam, e os piores, os indiferentes. O olhar deles é que irá dizer-me se foi o melhor que eu escolhi. Sartre disse que o inferno são os outros, porque eles sempre colocam obstáculos em nossas escolhas, mas dependemos deles para percebermos se elas foram as melhores possível. Os outros são o meu espelho! Posso amá-los? Claro que sim. Mas amar não significa que os afagarei com carinhos, mas que os deixarei fazerem as suas próprias escolhas, respeitando a subjetividade de cada um. E assim vamos, como o pássaro plainando no céu, solitários, buscando um refúgio para o descanso ou a imensidão para bater as asas. E o que isso tem a ver com a responsabilidade? Toda escolha que faço resulta em uma ação ou uma inação. Isso impactua toda a humanidade e, em função disso, sou responsável. Procurarei sempre fazer escolhas que minimizem o sofrimento alheio e maximizem a felicidade do próximo, por mais distante que esteja. A minha única angústia é não saber se a escolha foi realmente a melhor. Porém, ainda tenho o olhar alheio para mirar. Espero que os olhares sejam sempre brilhantes de alegria na afirmação da vida.

2 comentários:

  1. muito bom, mas discordo que somente as pessoas são nossos espelhos...
    podemos ser espelhos de nós mesmos, sem escrúpulo nenhum. A auto-crítica é a melhor escolha do homen.
    Por que a crítica dos outros não é a sua e isso complica porque nem sempre voce confia em quem te critica... Então temos que olhar em quem acreditar.
    E sermos felizes com a crítica de quem amamos e a nossa, por que cá entra nós, crítica demais desanima.

    Muito bom Post!

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  2. Mais do que crítica o olhar do outro é testemunha. Olhar o outro como testemunha é não só uma maneira de se enxergar como sujeito, mas também como objeto: "pour-soi" e "pour-autre". É esse movimento que traz dialética para nossas vidas, apostando nas relações humanas como possível construção de identidade.

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