terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ópera dos Vivos













Neste último sábado, a convite de minha filha Mariana, fui à São Paulo assistir a peça "Ópera dos Vivos" da Companhia do Latão. A peça foi apresentada no Centro Cultural São Paulo, na Vergueiro. São quatro horas de espetáculo que, apesar do cansaço, é tão forte quanto um imã. A peça foi escrita e dirigida pelo Sergio de Carvalho, que também é professor no curso de Artes Cênicas da USP. A Companhia do Latão atua, a partir da capital, desde aproximadamente meados dos anos 1990 e tem como principal proposta a criação de um teatro dialético político, inspirado no trabalho de Bertold Brecht, dramaturgo alemão de meados do século XX, que pertence a uma tradição que vê o teatro como instrumento de conscientização política.
Compartilho da ideia de que teatro não deve ser só entretenimento, do tipo comédia pastelão ou "stand up" de quinta categoria, apesar de reconhecer que existem peças cômicas super interessantes. Acho que o teatro foi vulgarizado na sociedade de consumo. A arte foi transformada em mercadoria ou a mercadoria foi transformada em arte, empobrecendo a capacidade do teatro fazer as pessoas pensarem reflexivamente.
Nesse sentido, é uma pena que a peça tenha sido apresentada principalmente, desde 2010, em São Paulo e no Rio de Janeiro. A peça possui um potencial crítico e deveria ser levada a todos os cantos do país.
O texto percorre o trajeto histórico nacional a partir do final dos anos 1950, época das Ligas Camponesas no nordeste, onde a luta de classes entre camponeses despossuídos e latifundiários autoritários estava em evidência. O perfil das personagens é maravilhoso! A caracterização da desigualdade social a partir de uma sociedade que se preocupava em enterrar os mortos decentemente deixa claro aquilo que João Cabral escreveu no poema "Morte e Vida Severina", porque a única terra que cabe ao camponês é a de sua cova.
O próximo ato ocorre em um outro cenário, com um filme que me lembrou "Terra em Transe" do Glauber Rocha, na sua estética principalmente, a época do Cinema Novo. Traça o perfil de um banqueiro, protótipo de um burguês muito rico, que por causa de um envolvimento afetivo com uma atriz acaba por ver abalada sua posição de classe social, chegando mesmo a financiar atividades artísticas e culturais de jovens de esquerda no momento imediatamente anterior ao golpe de 1964. Porém, o desfecho é dramático, na medida em que o banqueiro retoma seu convívio familiar e acaba por aceitar sua posição classista e não apóia mais movimentos culturais de esquerda, mas sim o próprio golpe militar.
Logo depois aparece um cenário que lembra o final dos anos 1960, do tipo programa de auditório, com um show de músicos e cantores no estilo do tropicalismo, com uma nova estética e uma afirmação a cultura de massas e o envolvimento do artista com o mercado. A mercantilização da arte se torna, a partir desse momento, um paradigma para se medir e refletir os impactos do golpe militar de direita no país, que vai aos poucos alienando a classe artística e, consequentemente, o próprio público, não somente desviando o debate da questão central da luta de classes como também criando novas demandas que, a princípio seriam legítimas, mas que de fato servem como um véu de Maya que encobrirá daí em diante a reflexão política nacional. O mais patético é a presença de Miranda, uma cantora de música de protesto que não consegue se adaptar ao novo clima alucinógeno.
No final, em um outro cenário, tem-se um estúdio de televisão, que pode valer para os anos 1970 até hoje, onde a equipe toda está atrelada a lógica do consumo da industria cultural. Trata-se da gravação do final de uma novela, onde atores, figurantes, diretores repetem, sem qualquer tipo de pensamento crítico, seus papéis técnicos, não importando mais o conteúdo, o que se diz, porque é considerado pano de fundo, apenas cenário, de um dramalhão barato baseado na superficialidade de um romance entre uma jovem, irmã de uma guerrilheira assassinada durante a ditadura e o delegado que a matou. Os dois estão "apaixonados" e o final pressupõe que o delegado, com sentimento de culpa, se suicide. Mas o ator que faz o delegado alega que torturador não tem sentimento de culpa e quer mudar o roteiro. Para quê!!! O circo pega fogo. Os "funcionários" da televisão ficam indignados com o "comportamento anormal" do ator que interpreta o delegado e, enfim, a cena é feita do jeito que estava programada e fica o recado para a platéia: o golpe militar de 1964 e a ditadura que persistiu durante vinte e um anos afetou profundamente as relações sociais no país: trabalho, afeto, cultura entre outras. O país realmente mudou, e mudou para pior, para um cenário de total alienação, onde o debate sobre a questão essencial no modo de produção capitalista, que é a luta de classes, é dissipada por discussões alienantes, sobre temas sem significado político determinante, tornando o país, tanto do ponto de vista cultural como político, mais pobre e ridículo!
É por isso que os meios de comunicação de massa na atualidade são pautados por temas superficiais como sexo e consumismo, onde a televisão, principalmente, por meio de seus programas de auditório ou de seus documentários ditos "jornalísticos" pautam a agenda social com discussões a respeito de crimes passionais, miséria resolvida por ato de "bondade" de um apresentador de televisão, de propaganda da atividade brutamontes da polícia legitimada como um seriado realista, entre outras bobagens que ao impregnarem o imaginário de toda a sociedade, acaba por aliená-la definitivamente e é, por esse caminho, que o capital e sua função exploratória no sistema capitalista vai sendo reproduzido "ad infinitum"...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Melancolia




















Melancolia. Esse é o título do mais recente filme do cineasta controverso dinamarquês Lars Von Triers. Melancolia é uma palavra que toca fundo no coração dos humanos. Todos já sentimos a angústia que a melancolia nos trás. O sentimento de desesperança, de que tudo está perdido, de que nada vale à pena. De fato, tudo está perdido mesmo, se pensarmos que daqui a alguns bilhões de anos o Sol chegará ao fim e a vida no planeta, junto com ele, também. Nietzsche, em sua louca sabedoria, afirmava que estamos todos caindo em um abismo. Não se trata mais de dizer que alguns caem dançando e outros se lamentando. O que importa agora é afirmarmos para nós mesmo que todos estamos caindo, despencando em um abismo. Porém, apesar de ser profundo e escuro, o abismo é grande demais, é largo demais, para cairmos sozinhos. Na verdade, penso eu, ele é largo o suficiente para que todos nós caiamos ao mesmo tempo nesse abismo. E isso nos revela uma possibilidade adicional. Para mim é a de que podemos, enquanto caímos, dar-nos as mãos e sentirmos o calor da amizade e do amor, o aconchego do olhar, melancólico, que seja, do companheiro ou da companheira ao lado nos dizendo: eu sei que vc está caindo no abismo, mas eu estou também caindo, e estou ao seu lado, como vc está ao meu lado. Acho que é isso o que resta, apenas. A amizade e o amor, a solidariedade e a compaixão, a possibilidade de não deixarmos o outro só e nem de nos sentirmos sós. Porque diante do poder da natureza, somos simplesmente fracos demais, insignificantes. Por mais que a medicina, essa ciência que nasceu na Grécia e que nos mantém vivos até hoje, progrida, ela jamais terá a condição de nos proporcionar a eternidade. Eu não quero a eternidade. Na verdade, sinto nos ombros o peso do mundo e o peso de minha existência. Já me sinto cansado. Não sou daqueles que dão risos fúteis a partir de alguma vulgaridade dita. Sou talvez mais carrancudo, mais circunspecto. O mundo e os caminhos percorridos pesam nos ombros. Somente quando se tem uma certa idade e um acúmulo grande de experiências podemos dizer isso. O mundo pesa nos ombros. Daí vem um cansaço quase insuperável, que dá vontade de desistir. Melancolia. Ela também provém do fato de que na natureza não há sentido nem regra. Talvez o ruim supere realmente o bom. Não quero dizer que o mal supera o bem, pois não estou a fim de pensar metafisicamente. Quero apenas dizer que o ruim talvez supere o bom. Não sou bom. Sou egoísta. Mas não vou me recusar a segurar as mãos de quem estiver caindo comigo no abismo porque não quero que essa pessoa se sinta só nesse instante e nem eu quero me sentir só. Um apóia o outro, talvez essa seja a regra de ouro. Desencanto, quase sempre. Mas quando vou a escola e meus alunos e alunas vem me abraçar e me beijar, dizendo que estavam com saudades de mim e de minhas aulas, então, quase que por encanto, não me sinto mais caindo no abismo real. Sinto-me flutuando em nuvens, com o sol quente aquecendo minha pele e o azul do céu criando um cenário maravilhoso e repleto de possibilidades. Sartre disse certa vez que o inferno são os outros. Quando penso naqueles que me ligam, não para perguntar como estou e muito menos para dizerem coisas enriquecedoras, mas para compartilharem mesquinhez e insensatez, realmente concordo com Sartre. Mas quando uma aluna maravilhosa que tenho no primeiro colegial me diz, baixinho, que quer cuidar de mim quando eu ficar velhinho, então uma lágrima sincera cai de meus olhos e agradeço a natureza por estar vivo... só isso...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Homofobia

Neste último final de semana, em São João da Boa Vista, ocorreu um ato de homofobia que movimentou a mídia no estado de São Paulo, pelo menos. Todos os anos acontece, em julho, uma feira agropecuária horrorosa que o pessoal de lá chama de EAPIC. É uma bosta de feira caipira, que reúne milhares de fãs daquelas coisas idiotas que tentam rimar amor com flor, o tal breganejo. Tem gente de todas as classes sociais, porque educação e cultura não é privilégio de uma ou outra classe, de quem tem ou não dinheiro, mas resultado de um tratamento cuidadoso do espírito por meio do estudo e da reflexão. Então aparecem por lá patricinhas e mauricinhos e também parcelas significativas do proletariado, tanto faz. Porém, culturalmente falando, do ponto de vista antropológico, vícios de comportamento, como o machismo indiscriminado, estão presentes, tanto no comportamento dos homens que comparam a quantidade de trepadas que dão com mulheres diferentes, buscando com isso a criação de um ranking de sucesso pessoal, diante de fracassos existenciais, como também no comportamento de mulheres, e aí eu concordo com o Pondé, que se deixam ser tratadas como objeto porque não querem se sentir solitárias ou preteridas. O comportamento machista é também criadouro de um preconceito arraigado na sociedade brasileira, que é a homofobia, ou seja, a aversão aos homossexuais.
Desta vez a coisa ficou preta! Pai e filho, acompanhados de suas respectivas namoradas que estavam no banheiro no momento do fato, foram violentamente agredidos por um grupo de homofóbicos, que freudianamente são recalcados, ou seja, manifestam por meio da violência o que de fato gostariam de estar fazendo e, portanto, não querem assumir a sua própria sexualidade, porque estavam se abraçando na tal festa breganeja. Pouco importa que eram pai e filho. O que importa é que foram vistos como um casal gay por um grupo de trogloditas e foram espancados. O pai teve boa parte de sua orelha arrancada e terá que fazer um implante de cartilagem para reconstituir a sua orelha.
O que isso revela? Que a homofobia corre solta em nosso país. É por causa disso que há um projeto no Congresso Nacional que transforma a homofobia em crime. Porém, como a maior parte dos congressistas são também homofóbicos, ainda está tramitando no Congresso e, provavelmente não será aprovado. Do contrário, tal ato seria considerado crime grave, com pena superior a 4 anos e permitiria a autoridade judiciária autorizar a prisão preventiva ou temporária dos responsáveis.
O que a atual legislação permite é, no máximo, a abertura de um inquérito policial e de um processo crime por lesão corporal, que pode ser interpretada pelo juiz como leve e, desta forma, se os acusados forem condenados, terão como pena, talvez, a prestação de serviços para a comunidade por um curto período de tempo.
Tenho diversos amigos e amigas homossexuais que, de maneira constrangedora, não podem manifestar seus afetos publicamente, porque sabem que serão censurados de alguma forma, talvez até violentamente, como foram o pai e o filho na bosta da festa caipira.
O que fazer em tal situação? Enviar ao deputado federal e senador que vc votou um e-mail pedindo o compromisso de aprovarem o projeto de lei que torna crime a homofobia, assim como o racismo foi transformado em crime. Talvez, com o rigor da lei e o fim da impunidade, esses covardes recalcados tomem vergonha na cara e fiquem simplesmente quietos diante de duas ou mais pessoas do mesmo sexo que, indiferentemente de serem heterossexuais ou homossexuais, demonstrem o carinho que sentem entre si livremente em qualquer espaço público e privado.
Se esse país pretende ser realmente uma democracia é fundamental que os direitos individuais sejam definitivamente respeitados por todos, mesmo que mediante o constrangimento legal.
Que os babacas queiram gastar o seu dinheiro em eventos desse naipe, é problema deles. Mas usar da violência contra as pessoas que demonstram carinho em público é inadimissível!
PS.: Quero deixar um forte abraço para meu novo amigo Alain, poeta carioca que conheci nessa cidade incrível que é São João del Rey. Alain, continue com sua irrepreensível coragem de fazer o que mais gosta, que é escrever, desenhar e compor! Vamos nos falando...

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Mais uma do PSDB de São Paulo contra os professores

O governador Alckmin determinou que as férias dos professores da rede pública estadual serão divididas. Serão 15 dias em janeiro e 15 em julho. O argumento é que os professores terão mais tempo para prepararem as aulas. Mentira! Argumento furado. Os professores não tem muito tempo para prepararem suas aulas porque recebem um salário muito baixo e precisam de uma dupla ou até tripla jornada de trabalho diário para compensar o salário baixo que recebem da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
O governo quer é escravizar o professor, alegando que terá aproximadamente 50 dias de descanso por ano, dizendo que a maioria dos trabalhadores tem apenas 30 dias. Porém, como a própria legislação reconhece e qualquer pessoa de bom senso reconheceria, a atividade do magistério é muito mais desgastante do que a maioria das outras atividades profissionais, é por isso que o professor se aposenta com 30 anos de contribuição e a professora com 25 anos.
Enquanto o governo de São Paulo não melhorar as condições de trabalho do professor, este terá que dar aulas em outras escolas, geralmente particulares, para complementar o seu salário, ficando, como resultado, estafado, exausto, sem motivação e sem tempo para preparar aulas melhores.
O sindicato dos professores de São Paulo quer que a jornada máxima de aulas para o professor da rede pública seja de 25 aulas por semana, sem prejuízo nos vencimentos, recebendo por 40 horas aula semanais. Dessa forma, se tal medida fosse aprovada pela Assembléia Legislativa, o professor poderia ter mais tempo para preparar as suas aulas durante a semana e ficaria mais descansado para dar uma atenção melhor aos alunos. Mas esse objetivo parece distante da mente dos atuais gestores do governo paulista. Preferem manter as 33 horas aula em sala de aula por semana e diminuir o tempo de férias dos professores.
O resultado será muito fácil de compreender: professores mais cansados e menos motivados irão para a sala de aula e isso acarretará prejuízo para os alunos, simplesmente.
O jornal Folha de São Paulo, em seu editorial de hoje, afirmou que o decreto do governador é positivo e nem discutiu as condições de trabalho dos profissionais da educação. Mas todos já sabemos quem (ou qual partido) a Folha apóia, não é mesmo? Quem duvida que seja o PSDB?
Além disso, a Folha afirmou que os professores receberão um aumento de salário de 42 %, escalonado em 4 anos. Isso é um absurdo! Desde 1998 acumula-se uma perda salarial da ordem de 36 %. O que o governo anuncia como aumento é nada mais nada menos que reposição salarial, que o professorado irá ter que esperar quatro anos para que as perdas desde 1998 sejam compensadas. Aí eu pergunto: E as perdas que os professores tiverem a partir de 2011? Bom, nisso ninguém fala. Afinal, não é o salário que é baixo, é o mês que é comprido...!!!
Me admira que a maioria da população de São Paulo continue votando nos candidatos do PSDB, especialmente os pobres, que são os mais prejudicados por medidas como essas.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O ensino superior está encrencado

O Álvaro Dias, senador do PSDB pelo Paraná, apresentou um projeto de lei que suprime a exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 30% de mestres e doutores nas universidades. Trinta por cento já é pouco se compararmos com as universidades européias e norte-americanas, mas é alguma coisa ainda. Por outro lado, como 70% dos professores não precisam ter titulação de pós-graduação, tem espaço para a contratação de profissionais com notório saber para lecionar nas universidades, mas que não possuem diploma de mestrado e doutorado. Então cabe uma pergunta: A quem atende tal projeto?
As universidades, centros universitários e faculdades privadas, que dominam o cenário do ensino superior no Brasil, ofertando quase 80% das vagas, querem reduzir custos com contratação de professores, para poderem ter mais lucros. Nunca é de menos lembrar que uma empresa privada, em qualquer ramo, inclusive a educação, tem por objetivo primordial ter lucro, ganhar dinheiro. Esse projeto do Álvaro Dias, se aprovado, permitirá que as instituições de ensino privadas demitam todos os professores com mestrado e doutorado, para poderem contratar somente graduados, com salários muito mais baixos, para auferirem cada vez mais lucros.
Quem perde com isso é a educação superior no Brasil, já em franca decomposição por ausência de pesquisa e de produção de conhecimento e, agora, estará à mercê de um exército de profissionais com falta de competência intelectual, e com isso o nível de ensino ficará cada vez pior.
Se somarmos a esse fato a tragédia que é o ensino básico, fundamental e médio, incapaz de formar jovens com o mínimo de capacidade reflexiva, teremos uma verdadeira catástrofe no ensino do país.
Onde o lucro prepondera e a vulgarização da inteligência é uma necessidade utilitária, só podemos reconhecer que não sobrará pedra sobre pedra. O Brasil, que está em uma posição muito baixa em comparação a outros países no campo educacional e científico irá ficar em situação pior. O país cada vez mais dependerá da produção de conhecimento em outros países, em uma relação de dependência endêmica, crônica, que ao invés de gerar frutos, retira do país riquezas na forma de conhecimento.
Vamos ver até que ponto o lobby das instituições privadas irá ter força para convencer o Congresso Nacional a aprovar tal projeto de lei. Só espero que, mesmo que o Congresso aprove, a presidente Dilma vete o projeto. É o mínimo que pode acontecer e isso está agora nas mãos dos legisladores e do executivo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Que bosta o que o Pondé escreveu hoje na Folha!!!

Li o artigo do Luis Felipe Pondé hoje na Folha de São Paulo e não gostei, fiquei irritado até. O artigo tem como título "Objeto" e o cara começa escrevendo que toda mulher gosta de ser tratada como objeto pelos homens. Bom, comecei a refletir um pouco sobre isso e fiquei assustado, a princípio. Será que existe uma natureza humana e a mulher é naturalmente servil e submissa ao homem, e isto está relacionado com a sexualidade e com o prazer? Se isso for verdade, então podemos jogar toda a cultura no esgoto. Podemos suspender definitivamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Constituição de 1988, o movimento feminista, até a cordialidade e a civilidade nos tratos pessoais, e devemos nos render ao barbarismo pré-histórico de pegar a mulher pelo cabelo e arrastá-la pelo chão, para que nos dê prazer, porque isso, afinal, dará prazer a ela.
Confesso que isso é para mim um absurdo! Acredito que na cama, o casal vive fantasias, fetiches, brincadeiras sexuais, que podem ou não ter como característica uma imaginação de patrão e secretária (hahaha...), paciente e enfermeira... bem, acho melhor parar por aqui, porque qualquer revista, masculina ou feminina, que trata de assuntos relativos a sexualidade está recheada de propostas de interpretação de papéis. Nesse sentido, pode ser que a mulher se coloque em uma posição, sexualmente falando, que requer do homem uma atitude de "dominador". Escrevo isso entre aspas porque não acredito que a mulher tenha uma atitude passiva na relação sexual! São fetiches!!! Outra coisa é o Pondé dizer que é isso que a mulher sempre quer. Que ele não consegue olhar para uma mulher a não ser como objeto sexual. PQP... Que bosta se todo homem olhar para uma mulher e vê-la como objeto sexual e a mulher gostar sempre disso! Como irá ficar a relação de amizade e respeito mútuo? Acho que o Pondé diria, então, que é impossível um relacionamento de amizade entre um homem e uma mulher.
Aí ele fala do europeu e de seus modos incorretos, e da fantasia de que nós, latino-americanos, temos em relação ao comportamento do europeu sempre como uma pessoa bem educada. Credo!!! Eu nunca achei que alguém, pelo simples fato de ser europeu, seja bem educado. Aliás, pelo contrário, quem causou as duas maiores guerras mundiais no século XX foram os europeus!!! Porra, será que o Pondé enlouqueceu??? Será que ele não tem nenhuma informação histórica e nós, reles mortais, também não temos???
Bom, na verdade, o que eu acho é que esse cara, que admiro as vezes naquilo que escreve, está querendo aparecer na mídia (fiquei sabendo que ele foi entrevistado pela Veja essa semana) como o intelectual descolado, bem resolvido, politicamente incorreto, crítico, independente entre outras coisas. Mas isso é nada mais nada menos do que marketing pessoal. O cara é experto!!! Em um momento em que a questão da igualdade está cada vez mais na pauta da vida política e cultural do brasileiro, nada melhor do que um intelectual que escreve e fala coisas provocativas, chauvinistas, extravagantes, porque assim ele aparece como a outra opção para a mesmisse, o tédio em que, pretensamente, as pessoas se encontram em um país onde está sendo visto um crescimento do sentimento de cidadania e de respeito mútuo pelas pessoas. Aí o cara vai tocar nesse tipo de assunto, só para provocar ou, no meu caso, irritar.
Porque isso irrita!!! Chamar homens civilizados e educados de "mulherzinhas" e afirmar que as mulheres, por causa disso, do fato de não serem tratadas como objeto estão indo viver como lésbicas??? E a questão da homossexualidade, como fica? Então o lesbianismo é resultado da "viadagem" dos homens??? PQP... Isso não faz o menor sentido!!! Sempre houve o homossexualismo entre homens e mulheres, mesmo nas sociedades mais machistas e violentas. Isso é um dado histórico e não tem nenhuma relação com um teor de civilidade e educação dos homens em relação as mulheres.
Esse Pondé afirma ser leitor de Nietzsche, pelo menos é o que li e ouvi da parte dele em outros espaços, inclusive no jornal da Cultura, onde ele aparece toda semana como o oráculo da pós-modernidade. Se tem algo bem diferente em relação ao que Nietzsche escreveu é esse troço de o homem ser um estúpido agressor para dar tesão na mulher!!! Parece que Pondé está fazendo a mesmo coisa que os nazistas fizeram com os textos de Nietzsche, principalmente o que trata da vontade de potência, distorcendo e manipulando o que foi escrito para justificar o que, para mim é simplesmente um comportamento recalcado de alguém que leciona teologia na PUC de São Paulo e que deve ter tido experiências com seminaristas (sem pensar os seminaristas como necessariamente propensos a experiências sexuais) e que descobriu algo em sua sexualidade que o incomoda demais e que, desta forma, precisa agora estar dizendo a todas as pessoas, por meio da Folha de São Paulo, que ele é o "macho", porque não tem vergonha de dizer que sempre olha as mulheres como objeto. É bom que as mulheres saibam disso para poderem decidir se preferem ir para a cama com alguém desse naipe!!!

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Mantenha fora do alcance de crianças

A peça "Mantenha fora do alcance de crianças" está em cartaz de quinta a domingo, sempre as 21 horas, no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, capital. O diretor Rodrigo faz um trabalho primoroso com os atores, em um cenário metalinguístico que pretende sugerir o interior e o exterior de uma casa, que pode ser relativa a qualquer classe social, mas que na peça nos remete ao imaginário da classe média brasileira, bem contextualizado. O texto da Nicole é singular, onde estão presentes diálogos, falas e provocações que sempre nos remete a algum passado acontecido ou a um futuro por acontecer.
Digo isso porque nossas ações não são o resultado do livre arbítrio, ou seja, não há uma separação entre corpo e mente, no sentido de podermos, idealizadamente, decidir mentalmente controlar nossas emoções e sensações, que são produto de nosso corpo. A indissociabilidade entre corpo e mente sugere que possuímos pulsões, resultado de uma biologia e de uma química que é misturada a um determinado contexto cultural e social em que vivemos, e que nos causa desconforto, que nos faz sentirmos ameaçados. Dessa forma, sob ameaça, agimos reativamente, ou seja, respondemos defensivamente àquilo que achamos que nos ameaça, em qualquer sentido, até mesmo no sentido de estarmos frustrados em relação à vida.
Não faz parte dessa lógica que as pulsões são necessariamente negativas, más, como quer uma certa tradição filosófica que nos remete a Hobbes, que dizia ser o homem o lobo do próprio homem, ou então a Kant, que acreditava na capacidade da razão controlar os impulsos corporais.
O que faz parte dessa lógica é uma ideia que perpassa o pensamento de Spinoza e Nietzsche, que não é niilista, como a peça também não é, ou seja, algo que se propõe à destruição da realidade e dos sonhos. A ideia é que se não nos sentimos ameaçados e estamos em uma situação de tranquilidade, nossas pulsões corporais não são destrutivas, pelo contrário, pois quando nos encontramos em uma situação onde podemos ser nós mesmos, agindo de acordo com o nosso querer, ampliando nossos horizontes, realizando sonhos e vontades, por exemplo, nosso corpo não sentirá necessidade de acionar o ódio ou a raiva em direção de uma outra pessoa.
O que causa a violência e a agressão é o fato das pessoas se sentirem ameaçadas por meio da repressão ou de uma violência externa ou de qualquer outra situação precária qualquer, produzindo em nós um querer reativo, de defesa, que se manifesta por meio da agressividade.
Na peça a família se mostra desintegrada, desconfortavelmente frustrada, como resultado de uma história singular, mas que pode ser a história de todas as famílias, e isso promove uma sensação de ameaça sobre si por parte do outro. O parente ou o amigo presente na festa é uma ameaça a integridade individual, porque não permite que cada um realize o que realmente quer realizar e, desta forma, o que poderia ser uma alegria se transforma em um inferno. Algo quente, mas desconfortável, como é o verão com altas temperaturas. Há uma busca de negação de si mesmo, como quando uma personagem afirma que quer mudar a cabeça e manda sua empregada fazer um artifício estético qualquer no cabelo, ou então quando o bêbado pega o microfone, em uma espécie de karaokê para si mesmo, e se é para si mesmo e não interagindo com os demais na festa, é também uma negação de si mesmo, e começa a querer lembrar de sambas antigos refastelados de melancolia, o que se torna até harmonioso com o que está acontecendo dentro da casa.
Porém, quando ficamos na expectativa de uma verdadeira explosão, porque ninguém aguenta mais as constantes agressões verbais e corporais, vem a catarse, que é o resultado do desenrolar da própria peça, onde todos os atores urinam ao mesmo tempo, jogando fora aquilo que está dentro do corpo mas não pertence a ele, em um reencontro com si mesmo, uma purgação por meio do reconhecimento da vontade de cada um em continuar vivendo em família, mas tento consciência que essa vivência é sempre conflituosa e que, para minimizar o conflito, é de fato necessário uma libertação de padrões de moralidade repressores e castradores.
Enfim, viver em família significa sofrer sempre algum tipo de repressão, mas isso não significa que não podemos nos libertar dessa repressão ao olharmos para dentro de nós mesmos e verificarmos todos os contextos, tanto biológicos e químicos quanto culturais e sociais, em que estamos enredados, e darmos asas a um lançar-se nos ares com vontade de potência e nos libertarmos das amarras que nos oprimem. O conflito é inerente à vida familiar porque a família é uma instituição repressora, que contraria o desejo que pulsa em nosso corpo. Quando permitimos ao corpo falar e se expressar, quando permitimos que nossa vontade se realize e, com isso, não nos sentimos mais frustrados ou ameaçados, não precisaremos mais utilizar da violência ou da agressão para nos relacionarmos com os demais, pois a alegria da satisfação superará todos os obstáculos morais repressivos que se manifestam no cotidiano da vida familiar.