segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O poder disciplinar e as favelas















Durante toda a última semana a mídia veiculou diversas notícias sobre confrontos entre narcotraficantes e a polícia carioca, que resultou na destruição de mais de uma centena de veículos e a morte de algumas dezenas de pessoas, principalmente suspeitos de estarem vinculados ao tráfico de drogas.
A questão é antiga, pois confrontos dessa natureza existem há pelo menos quarenta anos no Rio de Janeiro, quando o narcotráfico se estabeleceu nas favelas nos morros do Rio. Porém, o problema social é mais antigo ainda.
O Estado brasileiro, que sempre serviu às elites sociais e econômicas, manteve em constante estado de precariedade no que diz respeito aos serviços públicos as comunidades de favelados, não somente no Rio, mas em diversas outras regiões do Brasil, permitindo uma situação de indigência de moradia, transporte, saneamento, saúde, educação entre outras coisas. Pode-se dizer que a questão da favela acompanha a história da República brasileira desde sua proclamação em 15 de novembro de 1889.
São centenas de milhares de brasileiros, geralmente negros e pardos, a quem é negada a cidadania. A grande maioria procura trabalho e, quando encontra, é de péssima qualidade e baixa remuneração. As comunidades estão organizadas como uma teia de compromissos morais de assistência mútua, que procura substituir a ausência do Estado.
É nesse local que o narcotráfico se organizou, porque os morros estão alienados do poder policial, do Estado e, ao mesmo tempo, apresentam condições topográficas e urbanísticas que facilitam ações de defesa e vigilância.
Os moradores dessas favelas foram obrigados a conviver com criminosos que partilham com eles o mesmo espaço e o Estado não se preocupou em criar condições de vida que permitam aos jovens que nasceram nas favelas melhorarem suas condições sociais. Acabaram, alguns dentre eles, sendo aliciados pelo tráfico.
Quando o Estado, por meio da polícia, sobe o morro, é para matar e não para estabelecer políticas de prevenção à marginalidade criminosa. E isso foi visto esta semana pela mídia e, ao invés de ser denunciado o Estado como o grande ausente nesse processo, o que configurou a formação de guetos, foi glamourizado pelos jornalistas como capaz de dominar o crime.
Michel Foucault, filósofo francês morte em 1984, diria que o poder está disseminado em todos os ambientes sociais, e isso não deixa de lado a favela. Os moradores estão à mercê dos narcotraficantes e dos policiais, quando um ou outro controlam o espaço geográfico local. Porém, a favela não está integrada ao espaço urbano carioca, porque é vista pela elite política e social da cidade de do país, como constituída por pessoas desqualificadas que preferem o narcotráfico à ordem pública e social do Estado. Essa mentira foi desmascarada nas inúmeras declarações de moradores sobre o bem da ação policial, apesar da morte de inocentes na repressão.
Agora, com as UPPs sendo instaladas nos morros, por causa da copa e das olimpíadas, a favela passará a ser controlada por um novo poder, o poder disciplinar. Agora, as casas terão números, os carteiros levarão até os novos cidadãos as contas de água e de luz e as instituições sociais iniciarão um processo de inclusão social dos moradores no grande sistema anunciado por Foucault como o do poder disciplinar.
O Estado que não controlava ninguém, agora irá controlar tudo. Não se trata de uma questão de julgar que tipo de controle é mais vantajoso, o do narcotráfico ou da polícia, mas de constatar que o poder está definitivamente instalado em todos os meandros sociais do país, inclusive nas favelas, corrompendo as liberdades e restringindo a cidadania a ações pontuais marcadas pela despolitização.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A vitória do Lula, da Dilma e do PT nas eleições de 2010...













No dia 31 de Outubro passado, os eleitores brasileiros, com uma margem de aproximadamente 12 milhões de votos, determinaram a vitória da Dilma Roussef, candidata do PT para a presidência da república. A partir de um importante artigo escrito pelo professor de Ciência Política André Singer, publicado na revista Novos Estudos de Dezembro de 2009, pretendo explicar as razões do sucesso que, acredito, seja de extrema importância para o futuro da sociedade brasileira, especialmente para os mais pobres.
A questão deve ser iniciada pela trajetória do PT ao longo de duas décadas a partir de sua formação, em 1980. O discurso do PT até a eleição de 2002 era um discurso pretensamente "revolucionário", que apostava no risco de subverter a ordem institucional e econômica como meio indispensável para a construção da justiça social. Desta forma, pode-se observar que nas campanhas eleitorais majoritárias o partido teve sucessivas derrotas. Isso se deveu ao fato de que o principal reduto eleitoral petista encontrava-se no proletariado que se aproximava da classe média, como os operários do ABC paulista, que além de possuírem um nível de renda superior ao proletariado tradicional brasileiro, assim como professores e funcionários públicos em geral, também possuíam carteira de trabalho com registro da empresa, o que dava a esse público um caráter social de formalidade e, desta forma, maior acesso ao crédito, por exemplo.
A grande massa do eleitorado brasileiro, que segundo Singer pode ser denominada de "subproletariado", que recebe per capita por família menos de dois salários mínimos e que trabalha na informalidade, e que constitui quase 50% do eleitorado nacional, não votava no PT. O discurso "revolucionário" do partido contrariava a ideologia predominante nesse setor que procura dar maior importância a "ordem" estabelecida, que Singer designa como "conservadorismo", como requisito básico para mudanças sociais e econômicas. Esse descompasso entre o ideário do PT e do "subproletariado" gerou uma contradição no discurso da "esquerda" brasileira no período de 1980 a 2002, qual seja, a de que esse segmento majoritário da sociedade não estava disposto a deixar de lado seu conteúdo "conservador" para apostar em um partido que julgava ser necessário subverter a "ordem" burguesa e política-institucional do país para a realização de uma possível justiça social.
Isso pode ser verificado, no dizer de Bresser Pereira, que participou como debatedor da exposição do André Singer no Instituto de Estudos Avançados da USP no final de 2009, com a relação que ele estabelece entre a criação do plano real pelo Fernando Henrique Cardoso em 1994 e a posterior eleição e reeleição do eminente sociólogo para a presidência da república em 1994 e 1998. O "subproletariado" votou em FHC e não votou no Lula porque FHC e a coligação partidária estabelecida pelo PSDB na época garantiu o fim da inflação alta que o país vivia desde o início da década de 1980 e, desta forma, garantiu a "ordem", pois todos nós sabemos o desastre que é para a vida cotidiana de um trabalhador assalariado, mesmo ou principalmente de maneira informal, a desvalorização da moeda e a carestia de vida.
O PT, na campanha de 2002, mudou o discurso, justamente no sentido de conseguir o apoio dos eleitores de baixa renda. Foi por essa razão que o Lula apostou na afirmação constante de que não iria modificar o plano real, mesmo que isso significasse uma sobrevalorização da moeda nacional e produzisse dificuldades no setor exportador da economia e, ao mesmo tempo, atacou de maneira incisiva a questão dos investimentos sociais, para a geração de uma distribuição de renda que melhorasse significativamente a situação de vida de milhões de brasileiros.
É nesse cenário que Lula vence tanto em 2002 como em 2006 e, durante seus dois governos, ele simplesmente multiplicou por 13 os investimentos na área social se comparados aos realizados durante os dois governos de FHC, além de ter ampliado o emprego formal, com carteira assinada, para 15 milhões de brasileiros, ter retirado da situação de pobreza 20 milhões que adentraram à classe média, ter ampliado grandemente o crédito, especialmente o consignado com juros muito baixos, o que facilitou a ampliação do consumo, ter concedido o "bolsa família" para milhões de pobres e miseráveis que passaram a ter o direito de se alimentar com dignidade e, para não me estender muito, ter criado o PROUNI que permite a existência hoje de 700 mil jovens nas universidades privadas com bolsa do governo federal.
Desta forma, com a garantia da manutenção da "ordem" e com os investimentos sociais, Lula e o PT conseguiram aquilo que José Álvaro Moisés, cientista política da USP, afirmou ser o paradigma da "confiabilidade institucional" que o "subproletariado" passou a ter no Estado brasileiro governado pelos petistas.
Na medida em que esse processo se consolida em 2010 com um índice de aprovação de quase 80% do presidente Lula pela sociedade brasileira, a candidata Dilma procurou fazer uma discurso, durante a campanha eleitoral, que garantisse não somente a confiança do eleitor, especialmente de origem mais pobre na manutenção da "ordem conservadora", isto é, não tocar de forma alguma nos valores burgueses e tradicionalistas, inclusive religiosos, que fundamentam a ideologia de grande parcela da população brasileira, como também de garantir a continuidade do processo de distribuição de renda, que é uma ampliação do que o governo Lula está realizando e realizará até o final do mandato do presidente em 31 de Dezembro de 2010.
Enfim, creio que seja importante essa análise para que o leitor compreenda como se processa a política no plano da ética pública, deixando de lado avaliações infantis dos candidatos a partir do que aparece na publicidade divulgada pelos meios de comunicação e, principalmente, no que diz respeito a julgamentos apressados baseados em relações de simpatias ou antipatias sobre esse ou aquele candidato ou partido.
Só para terminar com a citação de um clássico, Maquiavel, logo no início do livro "O príncipe", escreve que não se propôs a desenvolver seu projeto em homenagem ao governante de Florença, na Itália, Lourenço de Médicis, com base no que a Filosofia tinha dito até aquele momento sobre a política, qual seja, de que é o campo do vir-a-ser, do idealizado, como queria Aristóteles em seu livro "A política", mas que ele tinha como objetivo dizer o que é a política, observando da maneira mais objetiva possível o campo da realidade, isto é, a questão do poder. Porém, o poder, que é uma força e que fundamenta o campo da política, pode ser utilizado para melhorar ou não melhorar as condições de vida de um povo, mesmo assumindo sua fragilidade diante de um poder contrário, que é aquele possuído e exercido pelas classes dominantes.

sábado, 2 de outubro de 2010

A atual crise da democracia no Brasil...





















Amanhã, dia 3 de Outubro, milhões de brasileiros irão votar para deputado estadual, deputado federal, senadores, governador de estado e presidente da república. Aparentemente, a eleição de amanhã é algo já incorporado pela população brasileira, algo que os ingênuos podem até considerar "natural". Porém, o processo eleitoral democrático no Brasil está ameaçado. Sempre esteve ameaçado. É só ler um pouco da história do Brasil, em especial, o período republicano que inicia em 15 de Novembro de 1889, que o incauto irá verificar que a "normalidade" não é a democracia, mas regimes de exceção. O período da "república da espada", de 1889 a 1894, foi uma ditadura militar. De 1894 a 1930 tivemos a "república das oligarquias", onde uma porcentagem mínima de homens brasileiros podiam votar, sob o cabresto dos "coronéis" latifundiários, especialmente do café, marginalizou as mulheres, os analfabetos, os pobres e tantos outros segmentos da sociedade brasileira do processo eleitoral. Depois Getúlio Vargas, oligarca gaúcho, toma o poder com a Revolução de 1930 e, durante 15 anos, governa de maneira personalista a nação. De 1946 a 1964, o período do nacional-desenvolvimentismo, possui uma constituição pretensamente democrática, mas repleto de crises, como o suicídio de Getúlio em 1954, a crise antes da posse de Juscelino em 1954 e 1955, a renúncia de Janio em 1961 e a oposição do Congresso à posse de Jango também em 1961, com a aprovação da emenda parlamentar e, finalmente, o Golpe Militar de 1964. De 1964 a 1985 a ditadura militar, a serviço da burguesia e dos latifundiários reacionários e do capital externo, prendeu, torturou e matou milhares de brasileiros, além de deixar uma herança econômica, social e educacional de exclusão. A "nova república", com Sarney, de 1985 a 1989, fez parte da "transição" da ditadura para a democracia com exclusão social e controle político, e Sarney, que tinha sido presidente do PDS, antiga ARENA, partido que apoiou o regime militar, agora é o presidente da república. Em 1988, a atual Constituição federal é aprovada e nomeada, com justiça, por Ulisses Guimarães de "constituição cidadã", cria uma estrutura jurídica e institucional verdadeiramente democrática para o país, mas o processo eleitoral de 1989 marginaliza a opção transformadora, caracterizada pelo Partido dos Trabalhadores e pelo candidato Lula e coloca no poder, com uma massiva ajuda midiática, o "playboy" das Alagoas Collor de Mello. Não preciso aqui fazer um histórico de acontecimentos trágicos de memória recente. Passando pelo inespressivo, mas eficiente governante conservador Itamar Franco, tem-se a eleição de FHC que, representando uma burguesia considerada "ilustrada", mas com fortes cores reacionárias, estabilizou a moeda e privatizou o patrimônio das empresas estatais, oferecendo uma estrutura jurídica, econômica e institucional favorável à implantação do neoliberalismo no Brasil. Em 2002, durante o processo eleitoral, o candato Lula mudou seu discurso e foi acusado de "traição" dos ideiais de seu partido, o PT. Porém, ninguém percebeu que se Lula não deixasse claro que iria manter a estabilidade da moeda, as instituições políticas e jurídicas garantidoras da ordem burguesa e, em especial, não tocar na propriedade privada e nos contratos civis, a classe dominante não teria deixado ele ser eleito presidente da república. Para que o PT governasse o Brasil tinha que aceitar ser refém da burguesia nacional e estrangeira. Porém, seu governo que se encerra no dia 31 de Dezembro de 2010, fez muito pela sociedade brasileira, especialmente os pobres. Alguns dados relevantes devem ser descritos: colocou 20 milhões de brasileiros na classe média, criou o PROUNI, melhorou substancialmente o SUS, ampliou as vagas nas escolas técnicas e nas universidades federais, inclusive criando um INFET em São João da Boa Vista, que muitos atribuem ao PSDB, administrou magistralmente o país durante a crise do capitalismo que começou nos Estados Unidos há três anos atrás e que ainda está fazendo grande estrago por lá e pela Europa, entre outras realizações. Então, quero dizer que o governo do PT tem conseguido realizar progressos em políticas públicas para os pobres brasileiros que nenhum governo anterior realizou, mas isso tem um preço, que é manter intocável os princípios burgueses capitalistas de inviolabilidade da propriedade privada e garantia do cumprimento dos contratos.

Passo agora a avaliar a atual crise da democracia no Brasil. A candidatura da Dilma significa a continuação da política de inclusão social efetivada pelo presidente Lula e não preciso gastar as teclas do meu PC para falar sobre isso, basta vcs lerem o artigo de Leonardo Boff sobre o fato, ele que foi um severo crítico do governo Lula desde 2003. Porém, a grande imprensa iniciou uma campanha difamatória e mentirosa sobre a Dilma, anunciando "escândalos" artificiais e maliciosos quando do início da campanha eleitoral, com o intuito de denegrir a imagem da candidata e beneficiar a candidatura do representante oficial da burguesia brasileira e internacional que é o Serra do PSDB. Como tal campanha não deu o resultado esperado, passou-se a construir um complô, com o apoio que não sei se foi ingênuo ou malicioso do candidato inespressivo do PSOL, Plínio de Arruda Sampaio. Aliás, é bom que se diga que o PSOL foi formado por ex-integrantes do PT que, tresloucados e é por isso que o presidente Lula não os colocou no governo, sairam do PT e fundaram o demagógico partido PSOL, que pode dizer as asneiras que quiser porque não ameaça o poder burguês no Brasil. A ameaça de golpe de Estado está no ar ainda. Não se esqueçam que a tradição política brasileira é de golpes e não de estabilidade democrática. Os opositores da candidatura Dilma passaram a divulgar informações manipuladas e muitas vezes falsas sobre o passado da candidata. Ela fez parte da luta armada contra a ditadura militar, porque o país vivia uma guerra civil instaurada pela burguesia e pelos militares, e foi presa por três anos, sofrendo todo tipo de violência. Alguns ignorantes chegaram a dizer que a sua eleição significaria a implantação de uma "ditadura" no Brasil, se esquecendo que ela pegou em armas para lutar contra a verdadeira ditadura estabelecida pelos militares e pela burguesia, com o apoio da classe média da época, em 1964. Fatos mais recentes deixam claro o clima de instabilidade política reinante e que favorece uma conspiração golpista, tão tradicional nos países latino-americanos. Um fato que merece ser citado é a lei da "ficha limpa", iniciativa de uma proposta popular que deveria ter sido aprovada pelo Congresso no ano passado para que a Constituição fosse respeitada, pois a lei aprovada no ano só entra em vigor no ano seguinte. Mas os congressistas que têm o "rabo preso" protelaram a aprovação da lei e isso criou um impasse no Supremo Tribunal Federal que durante a votação da ação do governador Roriz, mais que sabido larápio do Distrito Federal, teve um empate. O curioso é que os 5 ministros que votaram pela implantação imediata da lei foram nomeados pelo presidente Lula e, desta forma, confirmaram não somente a vontade do PT em garantir que "bandidos" não sejam eleitos como também concordaram com a vontade da totalidade da opinião pública brasileira. Os 5 ministros que votaram contra foram nomeados pelo Collor e pelo FHC. Não preciso dizer mais nada. Argumentos jurídicos foram oferecidos, especialmente formais e processuais, para a não aprovação da "ficha limpa". Felizmente o Tribunal Superior Eleitoral manteve a lei, mas o clima de instabilidade continua, pois ao STF cabe, após a nomeação do décimo primeiro ministro que ainda não ocorreu, realizar uma nova votação e corre-se o risco de candidatos impugnados na eleição de amanhã tenham validados os votos daqui a semanas. Uma outra questão diz respeito à necessidade da Dilma em se reunir com católicos e evangélicos e garantir não somente a liberdade de religião como também a intocabilidade em questões como o aborto e o "casamento" gay. Do contrário, ela seria taxada nos púlpitos como "herege" e "atéia". A questão da ação impetrada pelo PT no STF sobre a obrigatoriedade da apresentação do título de eleitor e de um documento oficial com fotografia também revela o momento instável. Depois de sete ministros do STF terem votado a favor do fim da obrigatoriedade da apresentação do título eleitoral, porque isso foi manobra do PSDB e do DEM para impedir a votação de milhares de pobres no Norte e Nordeste, que não possuem uma organização da documentação pessoal como a classe média do Sudeste possui, o ministro Gilmar Mendes, uma excrecência do Judiciário nacional, pediu vistas. Para que? Será que a proposta não é suficientemente clara? Os eleitores já estão cadastrados no TSE e o título é um documento desnecessário, que só irá impedir a votação de outros eleitores. Mas ninguém, ou quase ninguém, ficou sabendo do telefonema do Serra ao Gilmar na quinta, em que ele inicia a ligação falando: "Meu presidente...". Isso foi testemunhado por um jornalista da Folha de São Paulo, que não compactua com a campanha do jornal contra a Dilma. Então o Gilmar trancou o processo por mais 24 horas e deixou apenas a sexta e o sábado para orientar o eleitor pobre e simplório sobre o novo fato, o que é pouco tempo. Se isso não é contribuir para a instabilidade institucional, além de ser uma ingerência do Judiciário no processo eleitoral, não sei mais o que dizer. Mas chego a questão principal e final de meu texto. Na quinta passada ocorreu o último e mais importante debate dos presidenciáveis na TV Globo, que é a televisão que mais tem audiência no país. O Serra manteve seu discurso tecnicista e conservador. A Marina continuou com seu desvio ideológico em favor de um suposto "desenvolvimento sustentável". Mas o Plínio fez duas perguntas para a Dilma que são emblemáticas. Na primeira perguntou se ela faria o aluguel compulsório dos imóveis desocupados no Brasil. Ele queria testá-la sobre a questão do respeito ao direito de propriedade. Ela respondeu magistralmente. Disse que no governo dela os contratos seriam respeitados, o que significa dizer que a burguesia não precisa se preocupar com seu direito à propriedade, para evitar com isso um Golpe de Estado, e que preferia que os trabalhadores brasileiros tivessem moradia própria do que alugada. A segunda pergunta do falacioso Plínio, demagogo de plantão da esquerda festiva, foi se a Dilma toparia (ele adora usar a linguagem do Justus do SBT para parecer "povão", ele que é o candidato com maior patrimônio econômico) deixar de pagar a dívida pública. Que imbecil! Se a Dilma titubeasse na resposta, na sexta feira os 20 bilhões de dólares que entraram no país em função da oferta de ações da Petrobrás seriam imediatamente repatriados e isso produziria a quebra da Bovespa e a insolvência do país, além de retaliações financeiras e comerciais de todos os países do mundo. Seria um novo "crack" da Bolsa de Valores e o Brasil faliria. Dilma, com uma "santa" paciência, reafirmou que no governo dela os contratos serão respeitados, ou seja, a própria Constituição e, é claro, o interesse da burguesia nacional e estrangeira, porque do contrário ou não haveria eleição dia 3 de Outubro ou não haveria posse no dia 1o. de Janeiro de 2011.

Em síntese, quero dizer que votar em Dilma para presidente significa reconhecer que a revolução burguesa no Brasil ocorreu conforme Florestan Fernandes analisou em seu brilhante ensaio publicado nos anos de 1970, e que o Estado brasileiro é refém dessa mesma burguesia. Não existe no horizonte histórico qualquer possibilidade de implantação de um socialismo democrático no Brasil, não porque faltem protagonistas dispostos a isso, e o Lula e a Dilma querem isso para o país se tornar mais justo e democrático, mas porque a elite nacional impediria uma ação política nessa direção. Como existem provas históricas mais do que consistentes de medidas de exceção na vida política brasileira, só resta ao PT realizar seu projeto de melhoria substancial da qualidade de vida da sociedade brasileira, o que já demonstrou o presidente Lula e que irá ter continuidade com Dilma, sem entretanto se questionar o direito à propriedade privada e a manutenção dos contratos civis. Dentro da legalidade da ordem burguesa é possível realizar grandes transformações em benefício das classes pobres brasileiras, coisa que o Serra jamais realizaria e, se o leitor tiver alguma dúvida, é só analisar com seriedade os 16 anos do governo do PSDB no estado de São Paulo.

Nesse momento, repito a frase do presidente Lula em 2002: nós não podemos ter medo da felicidade, mas temos que saber, conforme o já citado Sponville, que o que temos é a felicidade possível e a verdade dolorosa da dominação de classe no nosso país...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Educação e luta de classes...















Em recente conferência proferida na Unicamp, na Faculdade de Educação, na abertura oficial do grupo de estudos sobre Gramsci e a educação, Demerval Saviani falou longamente sobre o pensamento gramsciano na educação e a necessária manutenção da metodologia ortodoxa em relação ao marxismo. Autor de livros fundamentais como "Escola e democracia" e "História das idéias pedagógicas no Brasil", que ganhou o prêmio Jabuti em 2008, Saviani aposta na pedagogia histórico-crítica e na sala de aula um importante baluarte para a luta de classes. Não nega outros espaços sociais para a luta de classes como os sindicatos, os partidos políticos entre outros, mas é muito preciso em sua avaliação, a partir do olhar de Gramsci, a respeito do conceito de sociedade civil. Para o leitor que não sabe quem foi Antonio Gramsci faço a concessão de contextualizar esse importante intelectual italiano do início do século XX que morreu em uma prisão do regime fascista de Benito Mussolini. Foi autor de obras valorosas como "Concepção dialética da história", "Maquiavel, a política e o Estado moderno" e "Cadernos do cárcere". Gramsci foi um intelectual marxista que valorizava muito a leitura que Marx fez no século XIX sobre o modo de produção capitalista. Porém, Gramsci não era ingênuo com relação aos meios e às instituições que o capitalismo constrói historicamente para derrotar os movimentos populares. Nesse sentido, Gramsci entende que no modo de produção capitalista é possível a construção histórica de diversos modelos de formações sociais que, de maneira aparente, encobrem a lógica exploratória do sistema capitalista, que se manifesta na luta de classes. Com o conceito de "hegemonia" burguesa, o italiano percebe como que no plano da cultura a burguesia contamina a classe trabalhadora com seus valores e princípios morais e, desta forma, os trabalhadores introjetam o pensamento burguês sobre o mundo e reproduzem suas nefastas condições de vida e de trabalho sem a necessária conscientização política voltada para a transformação social. Saviani é ortodoxo porque não recusa a abordagem original de Marx e Engels, porque a considera fundamental para o entendimento da história. Porém, como grande leitor de Gramsci, reconhece as múltiplas faces do capitalismo nas modalidades de formações sociais que podem confundir não somente os movimentos populares, como também os próprios intelectuais, que passam a criar, segundo ele, de maneira insólita, teorias mistas e incompetentes de verificação da realidade histórica. No caso da educação, Saviani faz uma crítica severa à educação tradicional, escolanovista e tecnicista, mas também à abordagem crítico-reprodutivista. Irei explicar melhor o que ele entende por essas diferentes pedagogias. A educação tradicional é baseada na erudição e memorização de conteúdos referentes à classe dominante, formadora do "bacharelismo" que dominou a vida cultural brasileira durante todo o século XIX e boa parte do século XX. A escola tradicional pressupõe o professor como portador do conhecimento e o aluno (do latim "alumini", aquele que não possui luz própria) como um receptáculo vazio que precisa aprender o que o professor tem a ensinar a partir de uma metodologia autoritária. A pedagogia escolanovista, que no Brasil ganha força a partir do Manifesto de 1932, parte do princípio de que o professor deve deixar o aluno livre para a construção do conhecimento, tendo a liberdade e a autonomia como princípios fundamentais dentro da sala de aula e, ao mesmo tempo, reconhece a necessidade da existência de um conhecimento anterior, inerente ao aluno, para que o mesmo se empenhe naquilo que é denominado de educação pesquisadora. A pedagogia tecnicista pressupõe o ensino de habilidades e competências profissionais, o ensinar a fazer algo prático, sem a necessidade de conteúdos reflexivos, para que o aluno formado ingresse no mercado de trabalho. De maneira geral, a crítica de Saviani, com a qual eu concordo, é a seguinte. A pedagogia tradicional não permite ao aluno o acesso ao pensamento crítico mas, no entanto, como uma pedagogia conteudista, oferece ao aluno conhecimentos de origem burguesa ou não fundamentais para como instrumental para a reflexão crítica da história. Então, Saviani defende que a escola pública deve ser um espaço onde a criança e o jovem, no ensino fundamental e médio, devem receber a maior quantidade de conhecimento conteudista possível para que esse saber se torne um instrumento de inserção do trabalhador no universo cultural e educacional da burguesia pois, do contrário, o trabalhador sempre ficará marginalizado. Mas essa pedagogia deve se tornar histórico-crítica no sentido de sempre visualizar a necessária transformação da sociedade capitalista em uma sociedade igualitária e justa. A pedagogia escolanovista é conservadora, segundo Saviani, pois trabalha não a essência, mas a existência, no dizer do educador e, desta forma, funciona muito bem nas escolas que recebem crianças e jovens oriundos da burguesia, pois eles já tiveram contato com conteúdos culturais e educacionais que os possibilitam o ato de criação, autonomia e liberdade. Para as crianças e os jovens que vieram do proletariado tal pedagogia é um desastre, pois diante da precariedade da estrutura física, administrativa e pedagógica da escola pública, o resultado da aplicação do escolanovismo nesse espaço é o acirramento da indisciplina e da desmotivação. Para ele sem disciplina e motivação não há aprendizagem. Em relação a escola tecnicista, que pode ser observada pelo leitor a partir das atuais escolas profissionalizantes (FATEC, CEFET, INFET, SENAI entre outras) o objetivo passa pela razão meramente instrumental, com a formação de mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho capitalista que irá gerar uma quantidade de mais-valia maior que será apropriada pela burguesia, além de se constituir em uma "casta" profissional "transformista", conforme o próprio Gramsci aponta e Saviani reforça, ou seja, trabalhadores assalariados que não irão questionar os sistema capitalista e suas diversas formações sociais e irão se portar como "feitores" em relação aos trabalhadores assalariados subalternos em troca de um salário muito pouco diferenciado. A principal motivação da pedagogia tecnicista passa pela ideia de estratificação social de Max Weber, que leva em consideração não somente a riqueza (expressa em um salário maior), mas também o prestígio e o poder (em relação ao proletariado que continua sendo explorado). Portanto, Saviani reconhece que esses três modelos pedagógicos são reprodutores do sistema capitalista. O quarto modelo, denominado por ele de crítico-reprodutivista é inspirado, principalmente, em Althusser, intelectual marxista francês da década de 1960, que criou o conceito de aparelhos ideológicos do Estado. A escola, assim como a família, a igreja, o clube ou qualquer outra instituição social presente na sociedade capitalista, tem a função de reproduzir o modelo social burguês e manter o proletariado em estado de apatia, passividade e dominação. Desta forma, Althusser afirma que a escola vem desempenhando formidavelmente o seu papel, que é o de alienar o trabalhador. Saviani denomina essa pedagogia de crítica porque Althusser reconhece o papel de alienação do proletariado, mas afirma que é reprodutivista porque com seu pessimismo, não reconhece no interior da escola um espaço eficiente para a luta de classes. Enfim, Saviani entende que devemos apostar em uma escola histórico-crítica, com uma excelente base de conteúdo no ensino fundamental e médio (filosofia, sociologia, história, geografia, matemática, línguas, física, química, biologia, artes etc), para que o estudante originado do proletariado possa compartilhar do mesmo conhecimento que a burguesia possui e, ao mesmo tempo, essa escola demanda um docente e uma estrutura escolar que aposte em uma prática cotidiana de conscientização do proletariado para uma transformação da sociedade capitalista. É nesse momento que discordo de Saviani, essencialmente, pois considero que o sistema capitalista possui a capacidade de mutação histórica, criando novas formações sociais, impossibilitando a sua transformação. Quero dizer com isso que o máximo que poderemos obter por meio da pedagogia histórico-crítica é a conscientização do proletariado de que ele é explorado no sistema capitalista e, ao mesmo tempo, a consciência também de que esse sistema possui barreiras intransponíveis que impedem a sua transformação. Como exemplo, cito a fala de Saviani sobre o atual presidente da República. Ele considera o presidente Lula um "transformista", assim como a maioria dos militantes do Partido dos Trabalhadores. Porém, Saviani não leva em consideração que qualquer ação revolucionária por parte do presidente ou dos militantes do PT significa uma repressão violenta por parte da burguesia por meio dos aparelhos ideológicos do Estado. Quero dizer que se o presidente Lula, quando eleito pela primeira vez em 2002, não tomaria posse em 2003, se mantivesse seu discurso político e ideológico como era em 1989. Creio até que fosse assassinado ou simplesmente ocorresse um golpe político dado por civis e/ou militares como ocorreu em 1964. Então, o espaço público para a realização de reformas sociais em benefício dos trabalhadores demanda um enorme esforço de negociação com os representantes da burguesia no Congresso Nacional, nos estados federativos e até mesmo nos municípios, além de alianças desagradáveis com partidos políticos desqualificados, mas que são importantes no processo "democrático-burguês" de votação de projetos de lei no Congresso Nacional, isso para não falar na relação complexa com os meios de comunicação de massa, controlados por burgueses com interesses econômicos e ideológicos muito bem explícitos. Enfim, creio que a sala de aula seja um espaço importante para a luta de classes e que o professor deve se preocupar com uma educação de qualidade, que leve em consideração conteúdos científicos e críticos. Porém, o que redundará daí é um coletivo de trabalhadores conscientes de sua situação no sistema capitalista, que poderão votar em candidatos que representem os movimentos populares, mas sabendo que a revolução não está no horizonte nem mesmo distante, porque a burguesia possui mecanismos de obstaculizar radicalismos que coloquem os seus interesses em perigo. O que os trabalhadores poderão fazer, se tal pedagogia efetivamente for implantada em todas as escolas públicas brasileiras, e isso é uma utopia, diga-se de passagem, é reduzir o índice de exploração que sofrem e obter, por meio de suas lutas sociais dentro e fora da sala de aula, benefícios que melhorem um pouco suas condições de vida mas que de maneira nenhuma mudarão o sistema capitalista e a desigualdade social existente em nosso país. Então, recorro novamente ao Sponville e ao seu conceito de "felicidade possível"...
Dedico esse texto a minha grande amiga Sônia Siquelli (beijos para vc...).

domingo, 15 de agosto de 2010

Sobre as eleições...



O processo eleitoral está correndo à todo vapor. Na verdade, em política e, no caso, em um Estado Democrático de Direito, o processo eleitoral nunca termina. Não é porque o político X ganhou a eleição para o cargo Y que ele não continua tratando do processo eleitoral, seja para se reeleger ou para eleger alguém que preza ou de sua confiança ou então que seja capaz de manter seus ideais sobre administração pública. Porém, a sociedade como um todo não pensa nisso. Deixa-se, fragilmente, manipular pelos meios de comunicação de massa e somente pensa sobre as eleições na véspera. Maquiavel, há quase quinhentos anos, afirmou que o principal objetivo da política é tomar o poder e se conservar nele. Maquiavel era um republicano, ao contrário do que dizem seus simplórios analistas, ao afirmarem ser um defensor do absolutismo monárquico. Seu interesse, em especial no livro mais conhecido "O Príncipe" era o de dissecar a política em seus caracteres realistas, sem o devir aristotélico ou o idealismo platônico. Aliás, ele deixa isso explícito logo no início do livro. O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, um dos mais importantes sociólogos brasileiros vivo, em palestra realizada em São Paulo na semana que passou, afirmou, a partir da leitura de Maquiavel, que o homem público em uma sociedade de massas não pode sempre ser fiel à verdade. Isto não quer dizer que deva ser mentiroso, mas que deve pensar antes de afirmar qualquer coisa e que deve omitir informações quando isso for do interesse mais geral, do interesse público. Lembro-me de um debate entre a Marilena Chauí e José Artur Gianotti sobre a flexibilidade espacial entre o moral e o imoral em política. Ela afirmava que não há uma espaço amoral, ou seja, que a linha divisória entre o moral e o imoral em política é tênue. Ele afirmava que entre a moral e o imoral há um espaço amoral que é dinâmico e flexível, dependendo das circunstâncias. Fico com o Gianotti, encarando a política como o espaço e a ação do possível. Nesse sentido, analisando a candidatura da Dilma e do Serra, respectivamente, PT e PSDB, percebo que há pontos divergentes e convergentes entre ambos. O principal ponto de convergência está na consciência do problema social em nosso país, em especial a questão da desigualdade entre ricos e pobres. Não interessa agora discutir os métodos e práticas propostos por ambos para atacar o problema, pois isso é contingencial. O principal ponto de divergência está na concepção do Estado brasileiro, que envolve uma concepção da história social do Brasil. Serra vê o Brasil de maneira linear, a partir de sua percepção da própria história de sua família. O mais importante, pensa ele, é permitir a livre circulação de pessoas, idéias e mercadorias para que os indivíduos conquistem um lugar no mercado de trabalho e possam garantir a si próprios e aos seus próximos uma qualidade de vida melhor. Dilma, que também se apóia na sua experiência pessoal de vida, pois foi militante ativa de oposição durante a Ditadura Militar (1964-1985), percebe a história como um embate dialético entre as classes sociais e, nesse sentido, dá muita importância para os movimentos sociais e coletivos da sociedade brasileira e prega a presença de um Estado intervencionista no setor social, capaz de realizar políticas públicas favoráveis ao processo de desenvolvimento social. Enquanto Serra prega o individualismo liberal, Dilma prega o intervencionismo estatal. Claro que o que acabei de escrever é muito sumário, pois tanto um como outro demandam uma reflexão muito mais aprimorada. Mas creio que o leitor tenha, a partir dessa abordagem sumária, uma ideia mais clara do que aproxima e distancia um do outro. Não se trata de maniqueísmo. Serra não é o "vampiro brasileiro" e Dilma não é a "subversiva comunista", como querem alguns ignorantes ou então mal intencionados. São reflexos da realidade social e histórica brasileira no início do século XXI, carregada de uma herança do passado nacional, repleto de contradições e, principalmente, de demandas sociais por um poder público que seja capaz de equacionar e propor soluções para os problemas mais prementes da Nação. Para que isso seja possível, algum dos dois terá de tomar o poder e se manter nele, segundo Maquiavel. Porém, isso envolve, no processo democrático, um sistema de alianças e negociações muito complexo, com partidos políticos, sindicatos, ONGs, grupos ideológicos, classes sociais, meios de comunicação de massa etc. Não pense o leitor que a ação política de solução de problemas concretos na sociedade é resultado de um gesto de boa vontade do legislador e, em especial, do executivo na pessoa do Presidente da República. Não há unilateralidade nesse processo. O que existe, de fato, é uma situação de interdependência entre o poder público e os mais diversos setores da sociedade, que possuem suas demandas, legítimas ou não, mas que têm algum tipo de poder em contrapartida, capaz de pressionar o governante a se posicionar positivamente em relação ao diálogo e, com base no consenso político, apoiando-se na tolerância e na flexibilidade, ser capaz de implantar medidas realmente eficazes para a resolução dos problemas sociais. Para finalizar, quero que o leitor reflita que os padrões de moralidade da vida privada não podem ser aplicados à vida política. O pensamento político deve ser utilitarista, tendo como base de legitimidade da ação política a consequência pragmática do próprio ato. Do contrário, o idealismo político afastaria o governante tanto da capacidade de tomar decisões como, principalmente, do contato com a sociedade e suas demandas.

sábado, 7 de agosto de 2010

Eh Pagu Eh...


Pagu... Patrícia Galvão... em meio a um câncer que lhe tirou a vida em 1962, aos 52 anos de idade apenas, ainda agia infatigável na militância social e política. Plínio Marcos, ainda um jovem, a conheceu em Santos. Ele, vivido nos puteiros da cidade. Cais, putas, cachaça, povo. Cheiro de gente que é real. Conheci o Plínio em São Paulo vendendo na USP seus livros em julho de 1984. Ela não conheci. Não tinha nascido ainda. Se existe alguém a quem é possível atribuir o título da peça de Plínio, "Navalha na carne", é Pagu. Plínio é preso e perseguido durante a Ditadura Militar (1964 - 1985). Pagu é presa e estuprada no DOPS durante a Era Vargas. Uma identidade entre os dois. Um inconformismo duplo. Pagu é hoje nome de um Centro Cultural na cidade onde nasceu: São João da Boa Vista. Não há nada mais contraditório na História. No Centro Cultural não há livros significativos para a população pobre da cidade ler. Pagu ficaria furiosa se soubesse disso. Hoje é "chique" citar Pagu. Mas a maioria dos que a citam são hipócritas pequeno burgueses. Pagu apanhou da polícia. Deu tiros da janela de seu jornal em estudantes reacionários da Faculdade de Direito de São Paulo. Foi presa por causa disso! Mulher. Cabelos soltos, lábios marcados por um forte batom vermelho, blusas transparentes. Fumava em público! Era dona mais que sabida de seu corpo e de sua sexualidade. Os chauvinistas dos anos 1930 diriam: se mulher não é doméstica, é puta! Além disso, comunista. Foi o Prestes que a introduziu no Partidão. Oswald se separou da Tarcila para se casar com Pagu. O sacana canibalizou Pagu na sua antropofagia. Pagu disse mais um palavrão, deixa o filho com Oswald e vai para a Europa. Vive sua liberdade! Quando volta, mais pancada e prisão. Tem um momento de lucidez e rompe com o PCB. Vira trotskista e passa a viver com Geraldo Ferraz. Esse homem acolhe Pagu e a ama de verdade. Um verdadeiro homem não olha a simetria feminina, olha a alma da mulher e admira sua força e coragem. Pagu vai para a Escola de Arte Dramática e mergulha no teatro. A arte é a forma mais sublime de denunciar a opressão e desejar a mudança. Pagu é esmigalhada pelo tempo, pelos homens, pela doença, pelo stalinismo, pelo getulismo, pela classe média. Nenhum proletário conhecia Pagu. Morre arruinada na sua angústia de uma vida em liberdade ousada, mas vilipendiada pela arrogância dos falsos moralistas. Pagu é mulher de palavra e de coragem. Eh Pagu Eh! Cem anos desde o seu nascimento. Basta um olhar lânguido e ela derrete o coração daqueles que ainda se inspiram em seu querer e em seu devir. Musa? Não. Isso é sujeira do antropófago e do Bopp. Vida pulsante? Sim. Um paradigma para todos os que têm a coragem de ousar na vida. Ei, Pedro Conte, lembra daquele dia na padaria Rainha? Vc me perguntou como é possível ainda ser rebelde. Respondi que para isso é preciso querer ser livre. Fique vc com a memória da Pagu e com a minha mais sincera amizade...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ciclo de filmes no Cineclube Beloca


Ontem terminou o ciclo de filmes no Cineclube Beloca com o tema "Felicidade desesperadamente" do qual fui o curador. Na verdade, a escolha dos filmes ficou sob o encargo dos principais organizadores do Cineclube, a Alice e o Fritz, a quem eu quero agradecer de coração o convite e a oportunidade para apresentar meu trabalho. Foram quatro filmes apresentados. O primeiro, "Tartarugas podem voar" é um filme iraniano de meados dessa década, após a invasão norte-americana no Iraque. Trate de um grupo de jovens refugiados curdos que viviam em tendas com muitas dificuldades. Há um contrate interessante no filme entre as principais personagens. Os jovens que, apesar das dificuldades e do sofrimento, procuravam por meio da solidariedade a alegria da vida, mesmo perdendo os dois braços com a explosão de uma mina terrestre, pois ganhavam a vida desarmando minas militares e vendendo-as para comerciantes locais e, de outro lado, a menina que foi estuprada por militares iraquianos e que teve a sua família morta e, como resultado, teve uma criança que nasceu cega. Os horizontes da felicidade se apresentam para todos, mas para alguns o horizonte está mais distante, enquanto para outros mais próximo. Porém, muitos dos que vislumbram o horizonte mais distante não abdicam da possibilidade da felicidade, mesmo em situações as mais bizarras possíveis, enquanto outros, que estão muito próximos desse horizonte, não conseguem visualizá-lo e vivem na infelicidade. No caso da menina, devido às suas condições subjetivas e objetivas, o horizonte da felicidade se encontrava muito, mas muito distante e acabou fazendo a opção mais do que já explicitada por Albert Camus, pelo suicídio e o assassinato de seu filho ainda criança. Porém, os demais, não abdicaram da possibilidade de felicidade e a afirmavam diversas vezes, mesmo sob as mais severas condições de vida. O segundo filme, "Ensina-me a viver", do início dos anos 70, trata da história de um jovem de classe alta que tem um comportamento mórbido. Talvez por tédio, talvez por tentar encontrar sua individualidade, mas nunca para tentar a busca da felicidade. Simula suicídios diante da mãe, que já conformada com o comportamento do filho torna-se indiferente. Como gosta de frequentar velórios e enterros, encontra uma idosa que daí a poucos dias irá completar 80 anos de idade. O filme é carregado nas tintas da contra-cultura do final dos anos 60 e, desta forma, a idosa, Maube, tem um comportamento de liberdade, pela liberdade e para a liberdade que, aos olhos do presente, mais parece insensatez. Ela furta automóveis e trafega pelas ruas das cidades e pelas estradas em alta velocidade, ludibriando os policiais. Tem dentro de casa, que é um vagão de trem abandonado, uma diversidade de objetos que coleciona, como o banjo que deu de presente a Harold, o rapaz do filme, até uma vagina feita de madeira e desproporcional, que convida Harold para tocá-la e senti-la, assim como um aparelho de respiração que simula o cheiro da neve. Sua estravagância contagia o rapaz que acaba se apaixonando por ela. Elas dormem juntos e ele a pede em casamento. Porém ela já tinha previsto que no dia em que completasse 80 anos ela se suicidaria. Dito e feito, para a tristeza de Harold que, nem por isso, abdica do ideal de liberdade e autonomia proposto pela contra-cultura. Abandona seu comportamento mórbido e termina o filme caminhando sob um campo gramado, tocando umas notas musicais no seu banjo. Convém ressaltar que em uma determinada passagem do filme a câmera mostra o braço da idosa Maube com números tatuados, o que indica que era judia e que teria sido uma sobrevivente dos campos de concentração nazistas. O terceiro filme é de Orson Wells, "Cidadão Kane", que conta a história de um garoto pobre que transfere por meio da ganância a sua busca pela felicidade. Ele se torna um importante homem público dos meios de comunicação norte-americanos, com poder, prestígio e muito dinheiro. Estabele relações superficiais com as pessoas, as manipula em um jogo de "verdades e mentiras" em seus jornais, mas acaba morrendo infeliz. No momento de sua morte pronuncia a palavra "rosebud". Essa palavra misteriosa, propositalmente colocada na boca da personagem por Wells, remete a infância de Kane, e a sua busca incessante durante toda a vida para recuperar suas sensações felizes durante sua infância pobre, quando possuía um par de esquis a que dera o nome de "rosebud". Buscou por toda a vida a felicidade no exterior e no final reconheceu que ela estava dentro dele, nas suas recordações de infância, que nenhum poder, prestígio ou dinheiro poderia resgatar. O quarto e último filme, apresentado ontem, "As duas faces da felicidade" é francês, do início dos anos 60. É um filme sartriano, existencialista, que trata da noção do amor necessário e do amor contingente. Uma família bem estruturada e feliz. O marido é marceneiro e a esposa costureira. Duas crianças lindas e calmas. Uma casa simples, mas bem estruturada. Boa vizinhança, bons amigos, boa família etc. Porém, em um trabalho fora da cidade, ele se apaixona por uma funcionária dos correios e passa a se relacionar sexualmente e afetivamente com ela. Ele afirma que está acumulando felicidade, que é capaz de amar mais ainda a sua jovem esposa, da qual não tem intenção de se separar. Em um dia ensolarado, em um parque, muito sinceramente relata para a esposa sua experiência e afirma que está mais feliz do que antes. Ela se suicida. Ele se entristece com a morte da mulher, mas poucos meses depois passa a viver com a amante, que assume a responsabilidade por seus filhos, sem remorso ou culpa. Fim da estória: a imoralidade está em Therese, a esposa que não aceita o amor contingencial e com o suicídio renuncia à felicidade. Bem sartriano...
Enfim, para um pequeno público que achei interessado, fiz a seguinte reflexão. Disse que arte e filosofia estão intimamente ligadas. O cinema, como forma de expressão artística, não deve ser visto como uma reprodução da história, mas como uma leitura de todos os que participam de sua elaboração, especialmente o diretor, da realidade, um ponto de vista sobre a verdade e, desta forma, é possível, por meio do filme, contextualizar um viés do contexto cultural da época em que foi rodado o filme. E é nesse momento que é possível estabelecer uma relação com a filosofia. Comecei citando superfialmente, como farei aqui, pois lá o tempo era exíguo e, aqui, o espaço, Schopenhauer que escreveu que viver é estar entre dois polos, a dor e o tédio. A vontade metafísica pensada por Schopenhauer faz com que o ser humano deseje sempre algo que não está tão facilmente ao seu alcance e, durante o desejo, sofra a dor. Quando atinge seu objetivo e passa a possuir o objeto desejado, vivencia o tédio e quase que imediatamente a vontade se manifesta novamente por meio de um novo desejo. Para estancar essa sensação de infelicidade Schopenhauer, talvez influenciado pelo budismo, defende o desapego. Em seguida cito Nietzsche e sua noção de que todos nós estamos caindo em um abismo. A única opção de escolha diante dessa fatalidade é despencar se lamentando ou então dançando. A morte é uma realidade que mais cedo ou mais tarde atingirá todos os seres humanos e, desta forma, é inevitável. Então só nos restaria a opção pela vida, mas pela vida presente, vivendo-a como se fosse uma eternidade e, ao mesmo tempo, fortalecermos nosso corpo e nosso espírito por meio do exercício do "amor fati" incondicional. A vida presente é a única vida possível para nós. Eis a possibilidade do além do homem. Cultivar uma moral dos senhores é fundamental pois, por meio dela, desenvolveremos a coragem, a bravura, a força e a capacidade de andar pelo mundo com a cabeça erguida, mesmo que diante das mais terríveis intempéries. Passo em seguida para Kafka e seu conto "A metamorfose". Gregor trabalha para sustentar sua família. Seu pai endividado o obriga a se empregar para o homem para quem ele deve. Mas o próprio pai não trabalha. Sua irmã quer aprender a tocar violino e precisa de dinheiro para pagar as aulas. Então Gregor trabalha para sua irmã ser feliz. E ele, quase que intantaneamente, se transforma em uma barata. Ele foi transformado em uma barata pela opressão familiar? Se quisesse poderia ter dito "não". Negar a "ética do dever", que nos remete ao imperativo categórico kantiano e abraçar a "ética do querer" é a única possibilidade para não nos deixarmos transformar em baratas. Procuro estabelecer relações entre os autores que, além do mais, são todos materialistas. Em seguida cito Sartre e digo que somos todos condenados à liberdade, mesmo na omissão, pois as escolhas são de nossa inteira responsabilidade e não há nada dentro ou fora de nós, como um mandamento divino ou uma lei moral, que legitime nossas escolhas. Isso nos angustia, quando temos consciência dessa realidade, mas ao mesmo tempo nos permite a liberdade. É claro que o pensamento ético sartriano não termina aqui e, digo mais, mal começa aqui, mas se faz necessário uma abordagem sumária que, nesse caso, serve para instigar o leitor. Depois cito Camus e "O mito de Sísifo". A vida é absurda e, para vivê-la, temos que ser heróis absurdos. Não se deve negar a vida, mas afirmá-la incessantemente. Talvez exista alguém que mal conhecemos que está disposto a nos ajudar a empurrar a pedra de Sísifo até o alto da montanha. Termino com Sponville que afirma que só temos o presente. Em relação ao passado, gratidão e misericórdia e, em relação ao futuro, desespero, ausência de esperança, não viver no futuro, porque senão nós não seremos capazes de usufruir o presente. A única felicidade que podemos ter é a felicidade possível, em função de nossas condições momentâneas subjetivas e objetivas. Enfim, não desejar demasiadamente o que não temos, mas desejar muito, mas muito mesmo o que temos...

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Pouso Alto...















Pouso Alto... cidade encrustrada nas montanhas de Minas. Muito antiga e que ainda preserva prédios do século XIX. Cidade em que meu pai nasceu. Tem um significado muito especial para mim. Raízes... Para mim é fundamental rever sempre as raízes, refletir sobre elas, a família, a história, a dolorosa verdade, segundo Sponville. Meu avô, pai de meu pai, Clovis, saiu de Campos dos Goitacazes para viver em Pouso Alto nos anos 20 do século passado. Lá conheceu minha avó. Áurea era o seu nome. Ele era descendente de europeus, numa mistura de francês e português. Era alto, com olhos claros e um porte nobre. Soutto Mayor... Minha família, isto é, os mais tradicionais, consideram essa ascendência importante e gloriosa. De minha parte, considero as dificuldades de meu avô em se adaptar a uma cidade pequena do sul de Minas, a luta diária com o trabalho, a pobreza e a necessidade de cuidar zelozamente de sete filhos (eram nove, mas dois morreram). Ela uma bugre, Dias seu sobrenome, de origem negra e indígena. Nasceu em Uberaba, também em Minas, mas no Triângulo. Não poderia haver mais brasilidade na junção desses dois contrates que tanto marcam a história social do Brasil. A tal parte familiar tradicional nem se quer faz referência a essa ascendência. Por outro lado, tenho orgulho de minhas raízes negras e ameríndias herdadas de minha avó. Ela morreu no parto do seu nono filho. Tinha somente 31 anos. Os partos no início do século passado eram arriscados e as mulheres tinham que jogar com a sorte para sobreviverem nas mãos da parteira. O ano era 1940... Meu avô ficou sozinho, tendo apenas alguns poucos parentes do lado de minha avó para ajudá-lo a educar as crianças que sobreviveram, e meu pai era uma delas, ainda com seis anos de idade e, ao mesmo tempo, encontrar apoio para seu sofrimento pela perda de sua amada esposa. Não conseguiu suportar. A dor e a saudade, o sacrifício e a luta diária, as doenças o levaram cedo também, dois anos após a morte de minha avó, em 1942. Ele tinha 41 anos de idade apenas. As crianças ficaram órfãs de pai e mãe. Meu pai só tinha oito anos de idade. Cada um dos irmãos foram adotados por famílias diferentes que mantinham elo de relacionamento entre si. Mas antes de ser adotado, meu pai foi morar com um tio, irmão de minha avó, em uma fazenda. Nunca mais me esquecerei de ouvir meu pai me contar sobre a saudade de andar à cavalo nas colinas mineiras. Foram apenas dois anos. Aos dez já não estava mais em Pouso Alto, perto dos riachos, colinas, árvores e dos cavalos. Já tinha ido para São Paulo. E assim a vida prosseguiu. Cada um dos irmãos sendo cuidado por famílias diferentes, em cidades diferentes, sem contato e guardando dentro do peito a saudade dos pais mortos e dos outros irmãos. Mais uma vez Sponville: felicidade desesperadamente... Sentei no túmulo de meus avós e chorei, chorei muito, de profunda emoção, naquele pequeno cemitério de Pouso Alto. Uma campa simples, com uma tabuleta metálica onde está escrito o nome dos dois: Clovis e Áurea. Acho que ninguém mais visita a campa de meus avós, depois da morte de meu tio Oswaldo há alguns anos atrás. Estive lá, não só para reverenciar a memória desses dois seres que sofreram aquilo que a vida reserva a cada um de nós, mas especialmente para lembrar meu pai. O imaginei pequeno ainda, andando e brincando nas ruas de pedras da cidade, comendo um doce comprado na padaria ou feito em casa, junto com seus irmãos... Só restou uma coisa de tudo isso: saudade... É disso que somos feitos, é para isso que somos feitos... Nada mais importa, porque a felicidade só é possível na ausência da esperança... Amanhã recomeço a vida...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Criação imperfeita...




Terminei de ler o mais recente livro do Marcelo Gleiser, renomado físico brasileiro que leciona nos Estados Unidos e colabora com artigos na Folha de São Paulo todos os domingos. O livro é uma provocação reflexiva sobre o cosmo, a vida e o código oculto do universo, como se refere o próprio autor ao subtítulo do livro "Criação Imperfeita", publicado pela Record.

Adorei a análise, bastante didática aliás, do autor sobre a relação entre Pitágoras, o monoteísmo (judaísmo, cristianismo e islamismo) e as diversas tentativas científicas de se encontrar uma unidade cósmica. Em relação a Pitágoras, considerado pela tradição filosófica como um pré-socrático, temos a questão da matemática, em especial a geometria e mais especialmente ainda o círculo, enquanto uma idéia perfeita e simples. O quanto seu pensamento, hoje reduzido a comentaristas e talvez a fragmentos, influenciou Platão em sua teoria das Idéias. Trata-se da questão do movimento intelectual da abstração dos entes materiais em conceitos simples e perfeitos. É a visão que o filósofo encontra ao sair da caverna, citada no livro "República". Já o monoteísmo, que remonta segundo documentos históricos a Akenaton no Antigo Egito por volta de 1350 a.C. procura, de forma mítica, na figura de um Deus único (e daí surge a intolerância religiosa que tem até hoje provocado tantas guerras e violências) o demiurgo platônico, o Criador do que existe. Do ponto de vista cultural e histórico, essa busca pela unicidade contaminou a ciência a tal ponto que ainda hoje, talvez na mesma proporção que no século XVI ou XVIII, levou a concepções como o "Deus relojoeiro" de Voltaire ou a hipótese de Stephen Halkins sobre a criação do "Big Bang". Gleiser se comporta como Michel Onfray na Filosofia, realizando uma contra-história. Enquanto Onfray prefere os materialistas e hedonistas, Gleiser sugere como fundamento da "criação" e da "existência", inclusive e principalmente a nossa (denominada por ele de "humanocentrismo"), a imprevisibilidade, a imperfeição, o acaso que, tomado como exemplo, pode ser simplificado no movimento aleatório das partículas atômicas.

Querer uma teoria da perfeição ou uma idéia de um Deus perfeito, que deve ser relacionadas a visão pitagórica e platônica de que a verdade está na beleza (perfeição), é uma hipótese que deve ser descartada a despeito de tantas contra-provas científicas em vários campos do conhecimento.

Eleger a imperfeição significa abrir espaço para a individualidade, para a possibilidade criativa, contra o determinismo e, desta forma, no campo ético, investir na frase de Nietzsche em "Assim Falava Zaratustra" de que somente quem é ave pode voar sobre o abismo...

sábado, 10 de julho de 2010

Flores e vermes: a eternidade...




A filosofia não é uma viagem nas nuvens e aquele que se dedica a ela não é um ser poético, no sentido da poesia enquanto uma vertigem. A filosofia é a vida. É a dedicação de um tempo todo à reflexão sobre si mesmo e sobre o mundo. É a busca do(s) sentido(s), que não são imanentes à natureza, mas que são atribuídos por nós mesmos e, desta feita, sem qualquer legitimidade externa. A única legitimidade possível é o desejo de que aquilo que nos dá algum sentido para viver é resultado de nossa escolha. Creio que existem dois tipos de filósofos. Aqueles que atribuem ao ser e ao mundo um sentido metafísico e aqueles que entendem que o ser e o mundo são materiais. Não é fácil fazer qualquer escolha sobre um dos dois grupos. Não dá para descartar a genialidade de Platão, de Kant, de Hegel etc e, ao mesmo tempo, não dá para negar a vitalidade, o desejo de vida, presentes em um Demócrito, em um Epicuro ou mesmo em Nietzsche. São extremos da história do pensamento filosófico. Porém, quando me deparo com questões cotidianas de escolhas a serem realizadas, fico tentado a fazer a opção pela vida. Isso significa levar à sério o que Bentham ou Mill disseram a respeito do utilitarismo. Para os apressados, o termo utilitarismo não tem qualquer relação com consumismo ou capitalismo, a um certo pragmatismo vulgar. Pelo contrário, o utilitarista é alguém que leva em consideração as consequências de suas ações no sentido de maximizar o bem, o alegre, o prazer e a felicidade para a maior quantidade de pessoas possível, tendo como pano de fundo uma preocupação qualitativa sobre essas sensações, o que muitas vezes torna difícil classificar, mas que deve nortear a reflexão. Em uma equação simplista, é preferível um prazer mais prolongado e menos intenso do que um prazer imediato e rápido e mais intenso; ou então é preferível um prazer a um desprazer qualquer. Para tanto, deve-se levar em consideração o sensualismo. O corpo sente e isso é um fato. Demócrito e Leucipo acreditavam que a verdade é atômica: átomos e vazio. A combinação dos átomos, que possuem diferenças entre si, é que se traduz no fenômeno, aquilo que se vê ou que se toca. O vazio é o não-ser, o espaço necessário para a conjunção dos átomos e das moléculas. Não há mais nada além desse materialismo. Em questões de ética, não há o que temer. A vida é uma só e não há além-mundo. Mas essa vida, a que temos, pode ser levada de maneira sensata ou não. E isso é uma questão particular para a humanidade. Por essa razão citei os utilitaristas anglo-saxões do século XIX. Se então a morte é a desintegração atômica não há com o que se preocupar. É o sono sem sonho. O descanso, afinal. Mas há a eternidade e ela está justamente nas novas possibilidades de combinações atômicas. Como não há, a priori, uma hierarquia entre os seres vivos, não há porque desvalorizar minha eternização em uma flor ou em um verme que incorporem alguns de meus átomos. A coisa é, a princípio, mais simples do que se pensa.

domingo, 9 de maio de 2010

O que será (À flor da pele)




O que será que me dá/Que me bole por dentro, será que me dá/Que brota à flor da pele, será que me dá/E que me sobe às faces e me faz corar/E que me salta aos olhos a me atraiçoar/E que me aperta o peito e me faz confessar/O que não tem mais jeito de dissimular/E que nem é direito ninguém recusar/E que me faz mendigo, me faz suplicar/O que não tem medida, nem nunca terá/O que não tem remédio, nem nunca terá/O que não tem receita.

O que será que será/Que dá dentro da gente e que não devia/Que desacata a gente, que é revelia/Que é feito uma aguardente que não sacia/Que é feito estar doente de uma folia/Que nem dez mandamentos vão conciliar/Nem todos os unguentos vão aliviar/Nem todos os quebrantos, toda alquimia/Que nem todos os santos, será que será/O que não tem descanso, nem nunca terá/O que não tem cansaço, nem nunca terá/O que não tem limite.

O que será que me dá/Que me queima por dentro, será que me dá/Que me perturba o sono, será que me dá/Que todos os tremores me vêm agitar/Que todos os ardores me vêm atiçar/Que todos os suores me vêm encharcar/ Que todos os meus nervos estão a rogar/Que todos os meus órgãos estão a clamar/O que não tem vergonha, nem nunca terá/O que não tem governo, nem nunca terá/O que não tem juízo (Chico Buarque - 1976).




Epicuro: somente há átomos e o vazio. Os átomos, o sumo do materialismo, se unem e se desunem de acordo com a natureza, que nada diz sobre isso. O vazio é o nada. O que dizer sobre coisas que não são conscientes? A natureza é amoral. Ninguém é bom ou mal. Ninguém faz escolhas certas ou erradas, apenas segue a sua natureza. Mas o "eu" é um aglomerado de átomos e vazio, o que mais esperar dele? Diante de tamanha naturalidade do ser e do fazer, nada além de misericórdia e tolerância. O que chamo a mim mesmo é apenas um substantivo sobre algo que não é em si. O "eu" é a somatória dos átomos e do vazio, agregados. O que faço não possui responsabilidade própria, apenas adjetivada. O Direito impõe penas à adjetivação do sujeito que não é. Mas se faz necessário na medida em que se produzem ilusões sobre o social, o ético, o corpo, a morte, que dão significado à existência. Mas a existência em si é mera adjetivação dada por cada uma das subjetividades, produtos dos átomos e do vazio. Em si, a natureza revela o sonho como "realidade". O instante é a realidade. A verdade é a História. Aos historiadores é facultado o poder de julgar os fatos ou então de narrá-los, mas nunca se julga os fatos em si e muito menos se narra o que aconteceu. Julga-se o aparente e narra-se o fenômeno. O nômeno, no dizer kantiano, nada nos diz, não porque não queira, mas porque não temos os instrumentos necessários para atingí-lo. Resta-nos a sabedoria. Sponville aponta para o desespero e a beatitude. O desespero é o não comprometimento com o futuro. A beatitude é a aceitação do passado. Viver é existir no instante presente! Então o que será que me dá? O que será que dá na gente? Sem descanso, sem pacificação, sem amenização e sem limite... Um "daimon", um demônio, uma chama, um desejo, que não sabemos de onde vêm, que nos intimida, nos acovarda e também nos encoraja, nos faz agir e nos faz pensar, um "eros" que nos faz amar...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

"Há juízes em Berlim!"



A frase "há juízes em Berlim", retirada de uma peça literária do século XVIII, durante o reinado de Frederico II na Prússia, serve de mote para uma reflexão sobre a Justiça no Brasil. A questão da separação dos poderes, anunciada por Montesquieu no "Espírito das Leis" e colocada em ação na Inglaterra parlamentar a partir do século XVIII, tornou-se universal no século XX. Nesse sentido, os juízes tornaram-se elementos chave no processo de constitucionalização do país. Isso quer dizer que as decisões judiciais na história recente do Brasil têm manifestado um grau de estatalidade, de acordo com o conceito elaborado por Fukuyama, que permeia a estabilização institucional brasileira no século XXI. Se levarmos em consideração a história recente do Direito, podemos notar que o positivismo jurídico do século XIX se traduziu em uma separação radical entre o Direito e a Ética. Há alguns anos atrás não era difícil encontrar um profissional do Direito que afirmasse que "a lei pode ser imoral, mas é a lei". Essa afirmação contraria a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e, em um sentido histórico, legitima a ausência de reflexão pelos magistrados e outros agentes públicos em períodos históricos paradigmáticos, como foi o nazismo na Alemanha dos anos 1930 e 1940. Naquele momento, as autoridades públicas, vinculadas ao Estado, agiam de acordo com a lei, sem levar em consideração os aspectos éticos do processo legislativo e da própria legislação, além de não levar em conta os resultados no longo prazo de suas decisões, alegando que estavam observando o Direito positivo imposto pelo Estado e que não cabia a eles uma crítica do texto legal. Essa ausência de compromisso com o humanismo, típica do positivismo jurídico, já muito bem analisado por Bobbio em um livro específico, procurava isentar a consciência da autoridade pública, judiciária ou policial. Pois bem, contemporaneamente, em termos de Brasil, após a constituição de 1988, os juízes têm podido arbitrar com maior liberdade e autonomia, pois o constitucionalismo brasileiro abre brechas para a criação de sentenças que levem em consideração a autonomia subjetiva do magistrado. E isso vem de encontro com um problema que considero relevante: até que ponto a legislação deve prevalecer sobre a autonomia do magistrado ou o contrário? Se pensarmos a democracia como o governo que promove decisões consensuais com base no debate público, segundo afirma Gunter Axt, devemos levar em consideração que o excesso de subjetividade na construção da sentença e, no caso do Supremo Tribunal Federal, a criação de uma jurisprudência que impacta a atuação dos juízes de primeira instância, creio que devemos buscar em Aristóteles a definição de virtude, como o meio termo, a moderação, a temperança. Isso quer dizer que o Direito não deve prevalecer sobre a moral, a ética, a tradição e muito menos o debate público e, ao mesmo tempo, deve servir de paradigma para a atuação das autoridades judiciárias no sentido de vincularem suas decisões ao consenso social, público, e não somente em seus juízos subjetivos. Do contrário, se não for encontrado o meio termo, estaremos constantemente ameaçados com a perda de autonomia do judiciário, por um lado e, do outro, da consciência do juíz, muitas vezes vinculada à sua história pessoal. Nada de afirmar "a lei é dura, mas é a lei", sem críticas e reflexões e, ao mesmo tempo, nada de autorizar um posicionamento pessoal, subjetivo, no processo de construção da jurisprudência. Democracia e debate público andam de mãos dadas!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sobre o olhar...



Estamos mais do que acostumados a olhar o mundo ao nosso redor por um determinado prisma. Muitas vezes, a perspectiva de nosso olhar é resultado de uma imersão que fazemos, por meio do processo de socialização, na cultura que predomina na sociedade. No nosso caso, que vivemos em uma sociedade capitalista, nosso olhar se detém nos ícones desse tipo de sociedade, que valoriza o individualismo e o consumismo. José Saramago disse uma vez, em seu tom corrente de pessimismo, que estava, quando criança, em um teatro de Lisboa e que acima de um camarote havia o símbolo da realeza portuguesa, muito rico em detalhes e beleza. Porém, como sentava em uma posição oposta, podia ver que o tal símbolo, um objeto de madeira rebuscada, era oco por dentro e estava completamente cheio de teias de aranha. Esse depoimento permite refletir sobre a necessidade de se olhar a totalidade e não somente as partes. O olhar da totalidade traz à tona realidades nunca antes vistas e, desta forma, agudiza nossa percepção da verdade e nos ilumina sobre o que pode estar em questão. Saramago cita, em seu depoimento, que no mundo em que vivemos estamos realmente dentro da caverna de Platão e, assim como os prisioneiros descritos no livro "A República", estamos vendo sombras impressas na parede da caverna e pensando serem essas sombras a realidade e a verdade das coisas. Portanto, o romancista português nos orienta a refletir sobre o olhar e suas possibilidades de ilusão. O encobrimento da realidade nos coloca diante de falsas verdades que nos manipulam e, como um fetiche, nos fazem pensar e agir de acordo com os interesses que dominam a sociedade. Vivemos em um mundo audiovisual e isso significa que somos bombardeados por imagens o tempo todo. O que essas imagens querem dizer? Na maioria das vezes querem dizer para comprarmos algo que nos tornará felizes. Mas quem diz que o consumismo nos torna felizes quer, de fato, vender mercadorias ou serviços como se fossem necessidades prementes de nossa existência. De fato, o que acontece, é que não temos mais tempo. O tempo nos é escasso e isso nos impossibilita a reflexão sobre a realidade. Um reflexão crítica que nos tornaria agentes da transformação.

Saramago escreveu o "Ensaio sobre a cegueira". Ele tem uma visão negativa, pessimista, da natureza humana. No livro ele narra a que ponto os homens podem chegar em termos de selvageria e barbária quando estão "cegos". No livro estão cegos mesmo, mas em uma sociedade ideológica, que manipula o olhar humano, estamos "cegos" mesmo vendo, só que vendo aquilo que inviabiliza e impossibilita a transformação. No "Evangelho segundo Jesus Cristo", Saramago fala de um Deus vaidoso, que condena seu primogênito ao sacrifício para não ser mais somente o Deus de um povo inexpressivo, os judeus, e tornar-se um Deus de toda a humanidade, mesmo que isso traga as guerras de religião, a intolerância e a violência.

Não compartilho essa noção de natureza humana pessimista de Saramago. Creio que podemos exercitar o nosso "olhar" em outras direções, não abandonarmos a utopia. Mas também não creio em uma esperança idealizada. Nesse ponto continuo firme com Sponville. Creio que podemos "olhar" o outro em seu sofrimento e não banalizarmos isso. Nos tornarmos solidários e ajudá-lo a empurrar sua pedra de Sísifo para o alto do rochedo, mesmo sabendo do absurdo da vida. Mas se a vida é absurda, como dizia Camus, podemos criar um sentido para ela, um sentido revitalizador, cheio de vida, de misericórdia, de solidariedade, de fraternidade. Para que isso possa acontecer, o nosso "olhar" deve ser crítico e nossas atitudes coerentes com o sentimento desperto pela reflexão. Olhar, pensar e agir, eis a questão!!!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Avatar




Assisti por duas vezes Avatar, esse sucesso de bilheteria. Fiquei sabendo que o filme teve um custo de aproximadamente 500 milhões de dólares e já faturou, em duas semanas, por volta de 1 bilhão e 600 milhões de dólares. O filme demorou cerca de 5 anos para ser produzido. Os atores não são muito conhecidos. A única que conheço é a Sigourney Weaver que fez, entre outros filmes, "Alien". James Cameron é um diretor competente. Achei a fotografia muito linda. Os cenários, figurinos e efeitos especiais são muito bons. Gostei mais de ter assistido em 3D. Parece que entramos no filme, interagimos com as imagens e atores. O filme é bem contemporâneo. Trata de clonagem, neurociência, ecologia etc. Creio que valhe à pena assistir ao filme. De minha parte, prestei atenção em algumas questões que o filme me remeteu. A mais importante para mim foi a interação do protagonista, que tem o seu avatar, com a sociedade alienígena. Me lembrei quase intantaneamente do filme "Dança com lobos". Ele é um ex-militar, paraplégico, que substitui o seu irmão morto em um assalto, porque possui a mesma estrutura genética, compatível com o avatar. Inicialmente ele é enviado para interagir com os alienígenas para conseguir informações sobre os seus costumes e verificar o que pode ser oferecido a eles para a desapropriação da região que possui um mineral muito valioso. Mas com o passar do tempo ele não só interage como passa a se sentir mais com alienígena do que como humano. É como se a realidade não fosse mais propriedade de seu corpo original, mas sim do corpo do avatar. Então ele passa a defender os interesses não mais da empresa terráquea, que explora e destrói o planeta, mas sim os interesses dos alienígenas. Até que no final ele se torna propriamente um alienígena. Como não identificar esse processo de aculturação com o filme "Dança com lobos"? É claro que uma obra de arte, qualquer que seja, literária, plástica, cinematográfica, dialoga com obras anteriores, não necessariamente no sentido de repetir o que já foi feito, mas de ter o que já foi feito como uma referência.
Fiquei pensando também em como, no ano de 2154, em que se passa o filme, com tanto avanço científico e tecnológico, a antropologia não tenha avançado o suficiente para entender que os alienígenas tinham valores bem diferentes dos valores culturais dos terráqueos. Que eles não precisavam de nada que nós pudessemos oferecer a eles, a ponto dos militares presentes na estação de exploração mineral optarem pela guerra, porque qualquer tipo de negociação diplomática seria fracassada. Como os executivos das empresas capitalistas presentes no planeta não possuiam conhecimento e inteligência suficiente, por terem historicamente vivenciado isso na Terra, para compreenderem a real situação da população alienígena e, desta forma, terem utilizado meios mais apropriados e efetivos para a extração do mineral?
Bom, como é um filme comercial, antes de mais nada, me incomodou muito o maniqueísmo apresentado nas personagens e situações dramáticas. O bem e o mal devem sempre ficar aparentes para o grande público, que se complica em seus pensamentos quando as coisas não se passam assim. O mesmo acontece com a questão do melodrama. Deve sempre existir um par romântico, porque do contrário, não há final feliz. Mas isso se faz necessário, porque se não o grande público não assistiria o filme. Deu meu desconto para isso.
A questão ecológica de que o filme trata remete a idéia de Gaia (Terra) como organismo vivo, interagindo com todos os seres que habitam o planeta. Em tempos de Copenhagem, aquecimento global etc, nada mais apropriado. Como professor, sei que temos que dar a mesma mensagem todo o ano, pois os mais jovens ainda não sabem. Mas como espectador isso se torna muito cansativo. Desde os anos 70 que tenham algum tipo de militância em relação à defesa do meio ambiente e, desta forma, o tema me é muito familiar. Mas há que se repetir, e repetir, e repetir, e ainda por cima, sensibilizar os novos, para que eles formem uma massa crítica que seja capaz de intervir, por meio da opinião pública, nas decisões dos principais governos e empresas do mundo.
Com relação aos animais, todos eles são inspirados em animais existentes aqui na Terra. Lembram rinocerontes, leopardos e até o extinto dinossauro carnívoro, que já apareceu em outro filme, "Parque dos dinossauros". A presença da "árvore das almas" é uma referência à dualidade entre o natural e o sobrenatural, algo já muito discutido na filosofia, o da existência de uma racionalidade além da natureza mas em comunicação com ela. No filme ela recebe o nome de "Eiwa".
Enfim, teria muito mais a escrever sobre o filme, mas fico por aqui, recomendando a todos que o assistam, porque é um belo filme e que possui uma mensagem que considero importante.