terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ópera dos Vivos













Neste último sábado, a convite de minha filha Mariana, fui à São Paulo assistir a peça "Ópera dos Vivos" da Companhia do Latão. A peça foi apresentada no Centro Cultural São Paulo, na Vergueiro. São quatro horas de espetáculo que, apesar do cansaço, é tão forte quanto um imã. A peça foi escrita e dirigida pelo Sergio de Carvalho, que também é professor no curso de Artes Cênicas da USP. A Companhia do Latão atua, a partir da capital, desde aproximadamente meados dos anos 1990 e tem como principal proposta a criação de um teatro dialético político, inspirado no trabalho de Bertold Brecht, dramaturgo alemão de meados do século XX, que pertence a uma tradição que vê o teatro como instrumento de conscientização política.
Compartilho da ideia de que teatro não deve ser só entretenimento, do tipo comédia pastelão ou "stand up" de quinta categoria, apesar de reconhecer que existem peças cômicas super interessantes. Acho que o teatro foi vulgarizado na sociedade de consumo. A arte foi transformada em mercadoria ou a mercadoria foi transformada em arte, empobrecendo a capacidade do teatro fazer as pessoas pensarem reflexivamente.
Nesse sentido, é uma pena que a peça tenha sido apresentada principalmente, desde 2010, em São Paulo e no Rio de Janeiro. A peça possui um potencial crítico e deveria ser levada a todos os cantos do país.
O texto percorre o trajeto histórico nacional a partir do final dos anos 1950, época das Ligas Camponesas no nordeste, onde a luta de classes entre camponeses despossuídos e latifundiários autoritários estava em evidência. O perfil das personagens é maravilhoso! A caracterização da desigualdade social a partir de uma sociedade que se preocupava em enterrar os mortos decentemente deixa claro aquilo que João Cabral escreveu no poema "Morte e Vida Severina", porque a única terra que cabe ao camponês é a de sua cova.
O próximo ato ocorre em um outro cenário, com um filme que me lembrou "Terra em Transe" do Glauber Rocha, na sua estética principalmente, a época do Cinema Novo. Traça o perfil de um banqueiro, protótipo de um burguês muito rico, que por causa de um envolvimento afetivo com uma atriz acaba por ver abalada sua posição de classe social, chegando mesmo a financiar atividades artísticas e culturais de jovens de esquerda no momento imediatamente anterior ao golpe de 1964. Porém, o desfecho é dramático, na medida em que o banqueiro retoma seu convívio familiar e acaba por aceitar sua posição classista e não apóia mais movimentos culturais de esquerda, mas sim o próprio golpe militar.
Logo depois aparece um cenário que lembra o final dos anos 1960, do tipo programa de auditório, com um show de músicos e cantores no estilo do tropicalismo, com uma nova estética e uma afirmação a cultura de massas e o envolvimento do artista com o mercado. A mercantilização da arte se torna, a partir desse momento, um paradigma para se medir e refletir os impactos do golpe militar de direita no país, que vai aos poucos alienando a classe artística e, consequentemente, o próprio público, não somente desviando o debate da questão central da luta de classes como também criando novas demandas que, a princípio seriam legítimas, mas que de fato servem como um véu de Maya que encobrirá daí em diante a reflexão política nacional. O mais patético é a presença de Miranda, uma cantora de música de protesto que não consegue se adaptar ao novo clima alucinógeno.
No final, em um outro cenário, tem-se um estúdio de televisão, que pode valer para os anos 1970 até hoje, onde a equipe toda está atrelada a lógica do consumo da industria cultural. Trata-se da gravação do final de uma novela, onde atores, figurantes, diretores repetem, sem qualquer tipo de pensamento crítico, seus papéis técnicos, não importando mais o conteúdo, o que se diz, porque é considerado pano de fundo, apenas cenário, de um dramalhão barato baseado na superficialidade de um romance entre uma jovem, irmã de uma guerrilheira assassinada durante a ditadura e o delegado que a matou. Os dois estão "apaixonados" e o final pressupõe que o delegado, com sentimento de culpa, se suicide. Mas o ator que faz o delegado alega que torturador não tem sentimento de culpa e quer mudar o roteiro. Para quê!!! O circo pega fogo. Os "funcionários" da televisão ficam indignados com o "comportamento anormal" do ator que interpreta o delegado e, enfim, a cena é feita do jeito que estava programada e fica o recado para a platéia: o golpe militar de 1964 e a ditadura que persistiu durante vinte e um anos afetou profundamente as relações sociais no país: trabalho, afeto, cultura entre outras. O país realmente mudou, e mudou para pior, para um cenário de total alienação, onde o debate sobre a questão essencial no modo de produção capitalista, que é a luta de classes, é dissipada por discussões alienantes, sobre temas sem significado político determinante, tornando o país, tanto do ponto de vista cultural como político, mais pobre e ridículo!
É por isso que os meios de comunicação de massa na atualidade são pautados por temas superficiais como sexo e consumismo, onde a televisão, principalmente, por meio de seus programas de auditório ou de seus documentários ditos "jornalísticos" pautam a agenda social com discussões a respeito de crimes passionais, miséria resolvida por ato de "bondade" de um apresentador de televisão, de propaganda da atividade brutamontes da polícia legitimada como um seriado realista, entre outras bobagens que ao impregnarem o imaginário de toda a sociedade, acaba por aliená-la definitivamente e é, por esse caminho, que o capital e sua função exploratória no sistema capitalista vai sendo reproduzido "ad infinitum"...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Melancolia




















Melancolia. Esse é o título do mais recente filme do cineasta controverso dinamarquês Lars Von Triers. Melancolia é uma palavra que toca fundo no coração dos humanos. Todos já sentimos a angústia que a melancolia nos trás. O sentimento de desesperança, de que tudo está perdido, de que nada vale à pena. De fato, tudo está perdido mesmo, se pensarmos que daqui a alguns bilhões de anos o Sol chegará ao fim e a vida no planeta, junto com ele, também. Nietzsche, em sua louca sabedoria, afirmava que estamos todos caindo em um abismo. Não se trata mais de dizer que alguns caem dançando e outros se lamentando. O que importa agora é afirmarmos para nós mesmo que todos estamos caindo, despencando em um abismo. Porém, apesar de ser profundo e escuro, o abismo é grande demais, é largo demais, para cairmos sozinhos. Na verdade, penso eu, ele é largo o suficiente para que todos nós caiamos ao mesmo tempo nesse abismo. E isso nos revela uma possibilidade adicional. Para mim é a de que podemos, enquanto caímos, dar-nos as mãos e sentirmos o calor da amizade e do amor, o aconchego do olhar, melancólico, que seja, do companheiro ou da companheira ao lado nos dizendo: eu sei que vc está caindo no abismo, mas eu estou também caindo, e estou ao seu lado, como vc está ao meu lado. Acho que é isso o que resta, apenas. A amizade e o amor, a solidariedade e a compaixão, a possibilidade de não deixarmos o outro só e nem de nos sentirmos sós. Porque diante do poder da natureza, somos simplesmente fracos demais, insignificantes. Por mais que a medicina, essa ciência que nasceu na Grécia e que nos mantém vivos até hoje, progrida, ela jamais terá a condição de nos proporcionar a eternidade. Eu não quero a eternidade. Na verdade, sinto nos ombros o peso do mundo e o peso de minha existência. Já me sinto cansado. Não sou daqueles que dão risos fúteis a partir de alguma vulgaridade dita. Sou talvez mais carrancudo, mais circunspecto. O mundo e os caminhos percorridos pesam nos ombros. Somente quando se tem uma certa idade e um acúmulo grande de experiências podemos dizer isso. O mundo pesa nos ombros. Daí vem um cansaço quase insuperável, que dá vontade de desistir. Melancolia. Ela também provém do fato de que na natureza não há sentido nem regra. Talvez o ruim supere realmente o bom. Não quero dizer que o mal supera o bem, pois não estou a fim de pensar metafisicamente. Quero apenas dizer que o ruim talvez supere o bom. Não sou bom. Sou egoísta. Mas não vou me recusar a segurar as mãos de quem estiver caindo comigo no abismo porque não quero que essa pessoa se sinta só nesse instante e nem eu quero me sentir só. Um apóia o outro, talvez essa seja a regra de ouro. Desencanto, quase sempre. Mas quando vou a escola e meus alunos e alunas vem me abraçar e me beijar, dizendo que estavam com saudades de mim e de minhas aulas, então, quase que por encanto, não me sinto mais caindo no abismo real. Sinto-me flutuando em nuvens, com o sol quente aquecendo minha pele e o azul do céu criando um cenário maravilhoso e repleto de possibilidades. Sartre disse certa vez que o inferno são os outros. Quando penso naqueles que me ligam, não para perguntar como estou e muito menos para dizerem coisas enriquecedoras, mas para compartilharem mesquinhez e insensatez, realmente concordo com Sartre. Mas quando uma aluna maravilhosa que tenho no primeiro colegial me diz, baixinho, que quer cuidar de mim quando eu ficar velhinho, então uma lágrima sincera cai de meus olhos e agradeço a natureza por estar vivo... só isso...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Homofobia

Neste último final de semana, em São João da Boa Vista, ocorreu um ato de homofobia que movimentou a mídia no estado de São Paulo, pelo menos. Todos os anos acontece, em julho, uma feira agropecuária horrorosa que o pessoal de lá chama de EAPIC. É uma bosta de feira caipira, que reúne milhares de fãs daquelas coisas idiotas que tentam rimar amor com flor, o tal breganejo. Tem gente de todas as classes sociais, porque educação e cultura não é privilégio de uma ou outra classe, de quem tem ou não dinheiro, mas resultado de um tratamento cuidadoso do espírito por meio do estudo e da reflexão. Então aparecem por lá patricinhas e mauricinhos e também parcelas significativas do proletariado, tanto faz. Porém, culturalmente falando, do ponto de vista antropológico, vícios de comportamento, como o machismo indiscriminado, estão presentes, tanto no comportamento dos homens que comparam a quantidade de trepadas que dão com mulheres diferentes, buscando com isso a criação de um ranking de sucesso pessoal, diante de fracassos existenciais, como também no comportamento de mulheres, e aí eu concordo com o Pondé, que se deixam ser tratadas como objeto porque não querem se sentir solitárias ou preteridas. O comportamento machista é também criadouro de um preconceito arraigado na sociedade brasileira, que é a homofobia, ou seja, a aversão aos homossexuais.
Desta vez a coisa ficou preta! Pai e filho, acompanhados de suas respectivas namoradas que estavam no banheiro no momento do fato, foram violentamente agredidos por um grupo de homofóbicos, que freudianamente são recalcados, ou seja, manifestam por meio da violência o que de fato gostariam de estar fazendo e, portanto, não querem assumir a sua própria sexualidade, porque estavam se abraçando na tal festa breganeja. Pouco importa que eram pai e filho. O que importa é que foram vistos como um casal gay por um grupo de trogloditas e foram espancados. O pai teve boa parte de sua orelha arrancada e terá que fazer um implante de cartilagem para reconstituir a sua orelha.
O que isso revela? Que a homofobia corre solta em nosso país. É por causa disso que há um projeto no Congresso Nacional que transforma a homofobia em crime. Porém, como a maior parte dos congressistas são também homofóbicos, ainda está tramitando no Congresso e, provavelmente não será aprovado. Do contrário, tal ato seria considerado crime grave, com pena superior a 4 anos e permitiria a autoridade judiciária autorizar a prisão preventiva ou temporária dos responsáveis.
O que a atual legislação permite é, no máximo, a abertura de um inquérito policial e de um processo crime por lesão corporal, que pode ser interpretada pelo juiz como leve e, desta forma, se os acusados forem condenados, terão como pena, talvez, a prestação de serviços para a comunidade por um curto período de tempo.
Tenho diversos amigos e amigas homossexuais que, de maneira constrangedora, não podem manifestar seus afetos publicamente, porque sabem que serão censurados de alguma forma, talvez até violentamente, como foram o pai e o filho na bosta da festa caipira.
O que fazer em tal situação? Enviar ao deputado federal e senador que vc votou um e-mail pedindo o compromisso de aprovarem o projeto de lei que torna crime a homofobia, assim como o racismo foi transformado em crime. Talvez, com o rigor da lei e o fim da impunidade, esses covardes recalcados tomem vergonha na cara e fiquem simplesmente quietos diante de duas ou mais pessoas do mesmo sexo que, indiferentemente de serem heterossexuais ou homossexuais, demonstrem o carinho que sentem entre si livremente em qualquer espaço público e privado.
Se esse país pretende ser realmente uma democracia é fundamental que os direitos individuais sejam definitivamente respeitados por todos, mesmo que mediante o constrangimento legal.
Que os babacas queiram gastar o seu dinheiro em eventos desse naipe, é problema deles. Mas usar da violência contra as pessoas que demonstram carinho em público é inadimissível!
PS.: Quero deixar um forte abraço para meu novo amigo Alain, poeta carioca que conheci nessa cidade incrível que é São João del Rey. Alain, continue com sua irrepreensível coragem de fazer o que mais gosta, que é escrever, desenhar e compor! Vamos nos falando...

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Mais uma do PSDB de São Paulo contra os professores

O governador Alckmin determinou que as férias dos professores da rede pública estadual serão divididas. Serão 15 dias em janeiro e 15 em julho. O argumento é que os professores terão mais tempo para prepararem as aulas. Mentira! Argumento furado. Os professores não tem muito tempo para prepararem suas aulas porque recebem um salário muito baixo e precisam de uma dupla ou até tripla jornada de trabalho diário para compensar o salário baixo que recebem da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
O governo quer é escravizar o professor, alegando que terá aproximadamente 50 dias de descanso por ano, dizendo que a maioria dos trabalhadores tem apenas 30 dias. Porém, como a própria legislação reconhece e qualquer pessoa de bom senso reconheceria, a atividade do magistério é muito mais desgastante do que a maioria das outras atividades profissionais, é por isso que o professor se aposenta com 30 anos de contribuição e a professora com 25 anos.
Enquanto o governo de São Paulo não melhorar as condições de trabalho do professor, este terá que dar aulas em outras escolas, geralmente particulares, para complementar o seu salário, ficando, como resultado, estafado, exausto, sem motivação e sem tempo para preparar aulas melhores.
O sindicato dos professores de São Paulo quer que a jornada máxima de aulas para o professor da rede pública seja de 25 aulas por semana, sem prejuízo nos vencimentos, recebendo por 40 horas aula semanais. Dessa forma, se tal medida fosse aprovada pela Assembléia Legislativa, o professor poderia ter mais tempo para preparar as suas aulas durante a semana e ficaria mais descansado para dar uma atenção melhor aos alunos. Mas esse objetivo parece distante da mente dos atuais gestores do governo paulista. Preferem manter as 33 horas aula em sala de aula por semana e diminuir o tempo de férias dos professores.
O resultado será muito fácil de compreender: professores mais cansados e menos motivados irão para a sala de aula e isso acarretará prejuízo para os alunos, simplesmente.
O jornal Folha de São Paulo, em seu editorial de hoje, afirmou que o decreto do governador é positivo e nem discutiu as condições de trabalho dos profissionais da educação. Mas todos já sabemos quem (ou qual partido) a Folha apóia, não é mesmo? Quem duvida que seja o PSDB?
Além disso, a Folha afirmou que os professores receberão um aumento de salário de 42 %, escalonado em 4 anos. Isso é um absurdo! Desde 1998 acumula-se uma perda salarial da ordem de 36 %. O que o governo anuncia como aumento é nada mais nada menos que reposição salarial, que o professorado irá ter que esperar quatro anos para que as perdas desde 1998 sejam compensadas. Aí eu pergunto: E as perdas que os professores tiverem a partir de 2011? Bom, nisso ninguém fala. Afinal, não é o salário que é baixo, é o mês que é comprido...!!!
Me admira que a maioria da população de São Paulo continue votando nos candidatos do PSDB, especialmente os pobres, que são os mais prejudicados por medidas como essas.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O ensino superior está encrencado

O Álvaro Dias, senador do PSDB pelo Paraná, apresentou um projeto de lei que suprime a exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 30% de mestres e doutores nas universidades. Trinta por cento já é pouco se compararmos com as universidades européias e norte-americanas, mas é alguma coisa ainda. Por outro lado, como 70% dos professores não precisam ter titulação de pós-graduação, tem espaço para a contratação de profissionais com notório saber para lecionar nas universidades, mas que não possuem diploma de mestrado e doutorado. Então cabe uma pergunta: A quem atende tal projeto?
As universidades, centros universitários e faculdades privadas, que dominam o cenário do ensino superior no Brasil, ofertando quase 80% das vagas, querem reduzir custos com contratação de professores, para poderem ter mais lucros. Nunca é de menos lembrar que uma empresa privada, em qualquer ramo, inclusive a educação, tem por objetivo primordial ter lucro, ganhar dinheiro. Esse projeto do Álvaro Dias, se aprovado, permitirá que as instituições de ensino privadas demitam todos os professores com mestrado e doutorado, para poderem contratar somente graduados, com salários muito mais baixos, para auferirem cada vez mais lucros.
Quem perde com isso é a educação superior no Brasil, já em franca decomposição por ausência de pesquisa e de produção de conhecimento e, agora, estará à mercê de um exército de profissionais com falta de competência intelectual, e com isso o nível de ensino ficará cada vez pior.
Se somarmos a esse fato a tragédia que é o ensino básico, fundamental e médio, incapaz de formar jovens com o mínimo de capacidade reflexiva, teremos uma verdadeira catástrofe no ensino do país.
Onde o lucro prepondera e a vulgarização da inteligência é uma necessidade utilitária, só podemos reconhecer que não sobrará pedra sobre pedra. O Brasil, que está em uma posição muito baixa em comparação a outros países no campo educacional e científico irá ficar em situação pior. O país cada vez mais dependerá da produção de conhecimento em outros países, em uma relação de dependência endêmica, crônica, que ao invés de gerar frutos, retira do país riquezas na forma de conhecimento.
Vamos ver até que ponto o lobby das instituições privadas irá ter força para convencer o Congresso Nacional a aprovar tal projeto de lei. Só espero que, mesmo que o Congresso aprove, a presidente Dilma vete o projeto. É o mínimo que pode acontecer e isso está agora nas mãos dos legisladores e do executivo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Que bosta o que o Pondé escreveu hoje na Folha!!!

Li o artigo do Luis Felipe Pondé hoje na Folha de São Paulo e não gostei, fiquei irritado até. O artigo tem como título "Objeto" e o cara começa escrevendo que toda mulher gosta de ser tratada como objeto pelos homens. Bom, comecei a refletir um pouco sobre isso e fiquei assustado, a princípio. Será que existe uma natureza humana e a mulher é naturalmente servil e submissa ao homem, e isto está relacionado com a sexualidade e com o prazer? Se isso for verdade, então podemos jogar toda a cultura no esgoto. Podemos suspender definitivamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Constituição de 1988, o movimento feminista, até a cordialidade e a civilidade nos tratos pessoais, e devemos nos render ao barbarismo pré-histórico de pegar a mulher pelo cabelo e arrastá-la pelo chão, para que nos dê prazer, porque isso, afinal, dará prazer a ela.
Confesso que isso é para mim um absurdo! Acredito que na cama, o casal vive fantasias, fetiches, brincadeiras sexuais, que podem ou não ter como característica uma imaginação de patrão e secretária (hahaha...), paciente e enfermeira... bem, acho melhor parar por aqui, porque qualquer revista, masculina ou feminina, que trata de assuntos relativos a sexualidade está recheada de propostas de interpretação de papéis. Nesse sentido, pode ser que a mulher se coloque em uma posição, sexualmente falando, que requer do homem uma atitude de "dominador". Escrevo isso entre aspas porque não acredito que a mulher tenha uma atitude passiva na relação sexual! São fetiches!!! Outra coisa é o Pondé dizer que é isso que a mulher sempre quer. Que ele não consegue olhar para uma mulher a não ser como objeto sexual. PQP... Que bosta se todo homem olhar para uma mulher e vê-la como objeto sexual e a mulher gostar sempre disso! Como irá ficar a relação de amizade e respeito mútuo? Acho que o Pondé diria, então, que é impossível um relacionamento de amizade entre um homem e uma mulher.
Aí ele fala do europeu e de seus modos incorretos, e da fantasia de que nós, latino-americanos, temos em relação ao comportamento do europeu sempre como uma pessoa bem educada. Credo!!! Eu nunca achei que alguém, pelo simples fato de ser europeu, seja bem educado. Aliás, pelo contrário, quem causou as duas maiores guerras mundiais no século XX foram os europeus!!! Porra, será que o Pondé enlouqueceu??? Será que ele não tem nenhuma informação histórica e nós, reles mortais, também não temos???
Bom, na verdade, o que eu acho é que esse cara, que admiro as vezes naquilo que escreve, está querendo aparecer na mídia (fiquei sabendo que ele foi entrevistado pela Veja essa semana) como o intelectual descolado, bem resolvido, politicamente incorreto, crítico, independente entre outras coisas. Mas isso é nada mais nada menos do que marketing pessoal. O cara é experto!!! Em um momento em que a questão da igualdade está cada vez mais na pauta da vida política e cultural do brasileiro, nada melhor do que um intelectual que escreve e fala coisas provocativas, chauvinistas, extravagantes, porque assim ele aparece como a outra opção para a mesmisse, o tédio em que, pretensamente, as pessoas se encontram em um país onde está sendo visto um crescimento do sentimento de cidadania e de respeito mútuo pelas pessoas. Aí o cara vai tocar nesse tipo de assunto, só para provocar ou, no meu caso, irritar.
Porque isso irrita!!! Chamar homens civilizados e educados de "mulherzinhas" e afirmar que as mulheres, por causa disso, do fato de não serem tratadas como objeto estão indo viver como lésbicas??? E a questão da homossexualidade, como fica? Então o lesbianismo é resultado da "viadagem" dos homens??? PQP... Isso não faz o menor sentido!!! Sempre houve o homossexualismo entre homens e mulheres, mesmo nas sociedades mais machistas e violentas. Isso é um dado histórico e não tem nenhuma relação com um teor de civilidade e educação dos homens em relação as mulheres.
Esse Pondé afirma ser leitor de Nietzsche, pelo menos é o que li e ouvi da parte dele em outros espaços, inclusive no jornal da Cultura, onde ele aparece toda semana como o oráculo da pós-modernidade. Se tem algo bem diferente em relação ao que Nietzsche escreveu é esse troço de o homem ser um estúpido agressor para dar tesão na mulher!!! Parece que Pondé está fazendo a mesmo coisa que os nazistas fizeram com os textos de Nietzsche, principalmente o que trata da vontade de potência, distorcendo e manipulando o que foi escrito para justificar o que, para mim é simplesmente um comportamento recalcado de alguém que leciona teologia na PUC de São Paulo e que deve ter tido experiências com seminaristas (sem pensar os seminaristas como necessariamente propensos a experiências sexuais) e que descobriu algo em sua sexualidade que o incomoda demais e que, desta forma, precisa agora estar dizendo a todas as pessoas, por meio da Folha de São Paulo, que ele é o "macho", porque não tem vergonha de dizer que sempre olha as mulheres como objeto. É bom que as mulheres saibam disso para poderem decidir se preferem ir para a cama com alguém desse naipe!!!

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Mantenha fora do alcance de crianças

A peça "Mantenha fora do alcance de crianças" está em cartaz de quinta a domingo, sempre as 21 horas, no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, capital. O diretor Rodrigo faz um trabalho primoroso com os atores, em um cenário metalinguístico que pretende sugerir o interior e o exterior de uma casa, que pode ser relativa a qualquer classe social, mas que na peça nos remete ao imaginário da classe média brasileira, bem contextualizado. O texto da Nicole é singular, onde estão presentes diálogos, falas e provocações que sempre nos remete a algum passado acontecido ou a um futuro por acontecer.
Digo isso porque nossas ações não são o resultado do livre arbítrio, ou seja, não há uma separação entre corpo e mente, no sentido de podermos, idealizadamente, decidir mentalmente controlar nossas emoções e sensações, que são produto de nosso corpo. A indissociabilidade entre corpo e mente sugere que possuímos pulsões, resultado de uma biologia e de uma química que é misturada a um determinado contexto cultural e social em que vivemos, e que nos causa desconforto, que nos faz sentirmos ameaçados. Dessa forma, sob ameaça, agimos reativamente, ou seja, respondemos defensivamente àquilo que achamos que nos ameaça, em qualquer sentido, até mesmo no sentido de estarmos frustrados em relação à vida.
Não faz parte dessa lógica que as pulsões são necessariamente negativas, más, como quer uma certa tradição filosófica que nos remete a Hobbes, que dizia ser o homem o lobo do próprio homem, ou então a Kant, que acreditava na capacidade da razão controlar os impulsos corporais.
O que faz parte dessa lógica é uma ideia que perpassa o pensamento de Spinoza e Nietzsche, que não é niilista, como a peça também não é, ou seja, algo que se propõe à destruição da realidade e dos sonhos. A ideia é que se não nos sentimos ameaçados e estamos em uma situação de tranquilidade, nossas pulsões corporais não são destrutivas, pelo contrário, pois quando nos encontramos em uma situação onde podemos ser nós mesmos, agindo de acordo com o nosso querer, ampliando nossos horizontes, realizando sonhos e vontades, por exemplo, nosso corpo não sentirá necessidade de acionar o ódio ou a raiva em direção de uma outra pessoa.
O que causa a violência e a agressão é o fato das pessoas se sentirem ameaçadas por meio da repressão ou de uma violência externa ou de qualquer outra situação precária qualquer, produzindo em nós um querer reativo, de defesa, que se manifesta por meio da agressividade.
Na peça a família se mostra desintegrada, desconfortavelmente frustrada, como resultado de uma história singular, mas que pode ser a história de todas as famílias, e isso promove uma sensação de ameaça sobre si por parte do outro. O parente ou o amigo presente na festa é uma ameaça a integridade individual, porque não permite que cada um realize o que realmente quer realizar e, desta forma, o que poderia ser uma alegria se transforma em um inferno. Algo quente, mas desconfortável, como é o verão com altas temperaturas. Há uma busca de negação de si mesmo, como quando uma personagem afirma que quer mudar a cabeça e manda sua empregada fazer um artifício estético qualquer no cabelo, ou então quando o bêbado pega o microfone, em uma espécie de karaokê para si mesmo, e se é para si mesmo e não interagindo com os demais na festa, é também uma negação de si mesmo, e começa a querer lembrar de sambas antigos refastelados de melancolia, o que se torna até harmonioso com o que está acontecendo dentro da casa.
Porém, quando ficamos na expectativa de uma verdadeira explosão, porque ninguém aguenta mais as constantes agressões verbais e corporais, vem a catarse, que é o resultado do desenrolar da própria peça, onde todos os atores urinam ao mesmo tempo, jogando fora aquilo que está dentro do corpo mas não pertence a ele, em um reencontro com si mesmo, uma purgação por meio do reconhecimento da vontade de cada um em continuar vivendo em família, mas tento consciência que essa vivência é sempre conflituosa e que, para minimizar o conflito, é de fato necessário uma libertação de padrões de moralidade repressores e castradores.
Enfim, viver em família significa sofrer sempre algum tipo de repressão, mas isso não significa que não podemos nos libertar dessa repressão ao olharmos para dentro de nós mesmos e verificarmos todos os contextos, tanto biológicos e químicos quanto culturais e sociais, em que estamos enredados, e darmos asas a um lançar-se nos ares com vontade de potência e nos libertarmos das amarras que nos oprimem. O conflito é inerente à vida familiar porque a família é uma instituição repressora, que contraria o desejo que pulsa em nosso corpo. Quando permitimos ao corpo falar e se expressar, quando permitimos que nossa vontade se realize e, com isso, não nos sentimos mais frustrados ou ameaçados, não precisaremos mais utilizar da violência ou da agressão para nos relacionarmos com os demais, pois a alegria da satisfação superará todos os obstáculos morais repressivos que se manifestam no cotidiano da vida familiar.

domingo, 3 de julho de 2011

Cérebro de pipoca

Cérebro de pipoca

Gilberto Dimenstein (Folha de São Paulo, 03/07/2011)

Pesquisadores detectam há tempos distorções, como a compulsão para se manter conectado, como um vício


O GOOGLE anunciou na semana passada um projeto para enfrentar o Facebook, disposto a reinventar a mídia social. A notícia teve óbvio impacto mundial e despertou a curiosidade sobre mais uma rodada de inovações tecnológicas, capazes de nos fazer ainda mais conectados.
No dia seguinte, porém, o Facebook reagiu e anunciou para esta semana uma novidade também de grande impacto, possivelmente em celulares. Para alguns psicólogos americanos, esse tipo de disputa produz um efeito colateral: um distúrbio já batizado de "cérebro de pipoca".
Esse distúrbio é provocado pelo movimento caótico e constante de informações, exigindo que se executem simultaneamente várias tarefas. Por causa de alterações químicas cerebrais, a vítima passa a ter dificuldade de se concentrar em apenas um assunto e de lidar com coisas simples do cotidiano, como ler um livro, conversar com alguém sem interrupção ou dirigir sem falar ao celular. É como se as pessoas tivessem dentro da cabeça a agitação do milho explodindo no óleo quente.
A falta de foco gera entre os portadores do tal "cérebro de pipoca" um novo tipo de analfabetismo: o analfabetismo emocional, ou seja, a dificuldade de ler as emoções no rosto, na postura ou na voz dos indivíduos, o que torna complicado o relacionamento interpessoal.


Sou um tanto desconfiado de notícias alarmantes provocadas pelo surgimento de novas tecnologias. Toda ruptura desencadeia uma onda de nostalgia e de temores em relação ao futuro.
Mas algumas pesquisas em torno do "cérebro de pipoca" merecem atenção por afetar o processo de aprendizagem. Uma delas foi realizada em Stanford, a universidade que, por ajudar a criar o Vale do Silício, na Califórnia, impulsionou a tecnologia da informação.
Neste ano, Clifford Nass, professor de psicologia social na Universidade Stanford, revelou num seminário sobre tecnologia da informação a pesquisa que fez com jovens que passam muitas horas por dia na internet, acostumados a tocar muitas tarefas ao mesmo tempo.
Ele mostrou fotos com diversas expressões e pediu que os jovens identificassem as emoções. Constatou a dificuldade dos entrevistados. "Relacionamento é algo que se aprende lendo as emoções dos outros", afirma Nass.
O problema, segundo ele, está tanto na falta de contato cara a cara com as pessoas como na dificuldade de manter o foco e verificar o que é relevante, percebendo sutilezas, o que exige atenção.


Os pesquisadores estão detectando há tempos uma série de distorções, como a compulsão para se manter conectado, semelhante a um vício.
Trata-se de uma inquietude permanente, provocada pela sensação de que o outro, naquele momento, está fazendo algo mais interessante do que aquilo que se está fazendo. Tome o Facebook ou qualquer outra rede social.
Chegaram a desenvolver um programa que envia para o celular da pessoa um aviso sempre que um amigo dela está se aproximando de onde ela está.


O estímulo, porém, começa no mercado de trabalho. Vemos nos anúncios de emprego uma demanda por pessoas que façam muitas coisas ao mesmo tempo.
Mas o que Nass, o professor de Stanford, entre outros pesquisadores, defende é o contrário. Quem faz muitas tarefas ao mesmo tempo, condicionando seu cérebro, fica menos funcional. Não sabe perceber as emoções e trabalhar em equipe, não sabe focar o que é relevante e tem dificuldade de estabelecer um projeto que exige um mínimo de linearidade. Não sabe, em suma, diferenciar o valor das informações.


Não deixa de ser um pouco absurdo valorizar tanto os recursos tecnológicos que aproximam as pessoas virtualmente, mas que as afastam na vida real.
Daí se entende, em parte, segundo os pesquisadores, por que, em todo o mundo, está explodindo o consumo de remédios de tarja preta para tratar males como a ansiedade e a hiperatividade.

PS- Perto da minha casa, aqui em Cambridge, há uma padaria artesanal, com mesas comunitárias, que decidiu ir contra a corrente. Seus proprietários simplesmente proibiram que se usasse celular lá dentro para diminuir a poluição sonora e a agitação. Sucesso total. O efeito colateral: ficou difícil conseguir lugar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Alguns problemas do serviço público

Os jornais anunciaram há dias atrás uma máfia de servidores da saúde que fraudavam o livro ponto nos locais onde deveriam estar trabalhando, dedicando seus conhecimentos em benefício da população menos favorecida, que depende do serviço público para atendimentos relativos à saúde.
Isso é algo nefasto para toda a sociedade, a princípio, mas também é péssimo para a imagem que o servidor público tem para a sociedade.
Há um estereótipo de que o servidor público, ou funcionário público, não trabalha, não atende satisfatoriamente bem os usuários do serviço público e esse tipo de conduta colabora para que essa imagem fique solidificada na memória da população.
Antes da república, o serviço público no Brasil era uma forma de atender clientelisticamente os apadrinhados políticos, e o funcionário não tinha qualquer compromisso com a prestação de serviços à comunidade. Eram nomeados por padrinhos políticos, geralmente "coronéis", que por meio de rede de influências dentro e fora do Estado, nomeavam seus protegidos, cometendo o que hoje é considerado crime de nepotismo.
Mesmo após a criação da república essa situação se manteve. Na Primeira República, na Era Vargas, no período de 1945 a 1964 e, muito especialmente, de 1964 a 1985, durante a ditadura militar brasileira. No estado de São Paulo o ex-governador Paulo Maluf aprovou, na Assembléia Legislativa, uma lei que autorizava o executivo nomear, sem concurso público, temporariamente, funcionários estaduais para preencher lacunas nos quadros de servidores, por exemplo.
Após a constituição de 1988 o serviço público passou a ser prerrogativa de alguém que tenha passado em concurso por mérito, isto é, de forma transparente e democrática, qualquer pessoa de naturalidade brasileira, pode, por meio de prova auditada por institutos credenciados junto ao Estado, e possuindo os requisitos previamente destacados nos editais, prestar um concurso para se tornar servidor público nos três níveis, municipal, estadual e federal.
Parecia que o problema da inadequação do comportamento dos antigos servidores públicos tinha sido resolvido mas, qual o que, isso não aconteceu.
Quais seriam os fatores que impedem o bom desempenho do servidor público dentro de uma Estado democrático de Direito, como o que existe hoje em nosso país?
Não sei se vou conseguir elencar todos os fatores, mas pelo menos abro caminho para uma discussão que me parece muito séria, porque a maior parte da população brasileira, que é pobre, depende dos serviços públicos em vários setores de suas vidas.
1o) O modelo neoliberal que foi implantado no continente latino-americano a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 é um fator macro-histórico no processo de esvaziamento dos serviços públicos no Brasil. Sucessivamente, governos federais, estaduais e municipais estão privatizando ou terceirizando a prestação do serviço público, ou simplesmente diminuindo a prestação desse serviço por meio do enxugamento do Estado, que é a ideia de Estado mínimo neoliberal. Essa ideologia privilegia o serviço privado, alegando que ele tem melhores condições de atender a sociedade em suas demandas. Isso é falso, porque a lógica do setor privado é o lucro e não a prestação de serviços públicos e, desta forma, as empresas que assumem o papel do Estado nas mais diversas áreas, como na educação as escolas privadas ou na saúde os planos de saúde, tem dado mostras de uma incompetência para atender as demandas fundamentais da sociedade por causa de serviços mau prestados ou simplesmente não prestados, e a imprensa está recheada de críticas e reclamações a respeito do nível de ensino nas escolas privadas, básicas e de ensino superior, ou dos planos de saúde, que não dão a cobertura prevista nos contratos e muitas vezes descumprem as normas regulamentadas pela Agência Nacional de Saúde (ANS).
2o) O salário pago ao funcionalismo público, com exceção de áreas estratégicas ligadas à proteção do sistema capitalista e de suas redes de relações, como a justiça, por exemplo, é muito baixo em comparação ao salário pago pelo mercado. Isso significa que em setores estratégicos para o desenvolvimento do país, como educação e saúde, os salários pagos não atraem novos profissionais, que sentem que o serviço público é uma forma de desprestígio profissional, além de oferecer uma realidade em termos de renda que inviabiliza, no espaço de 8 horas trabalhadas por dia, se viver uma vida digna e decente, obrigando esses profissionais a trabalharem mais do que as 8 horas, em outros serviços, muitas vezes privados, se sobrecarregando, para obterem uma renda que mais ou menos os satisfaça em suas demandas.
3o) O descompromisso das elites dirigentes em relação ao serviço público, herança de um Brasil que sempre tratou desigualmente os pobres e que possui uma elite que olha mais para o exterior do que para o interior, que carece de um sentimento nacional, de compromisso com a sociedade brasileira, de responsabilidade de cumprimento de seus deveres na medida em que receberam o poder de governo por meio do voto popular democrático. Esse elitismo que existe na sociedade brasileira é um empecilho importante para a elaboração de políticas para o serviço público que efetivamente procurem dar conta da nossa realidade.
4o) A baixa auto estima dos servidores públicos, estigmatizados pela sociedade como incompetentes, porque a sociedade imbuída dos valores e ideais do neoliberalismo e do consumismo, só valoriza aquilo que é comprado. O serviço público também sai do bolso da classe trabalhadora e da classe média, por causa dos impostos, mas isso passa despercebido para muita gente, que olha o servidor público como um apadrinhado, como era no passado. Desta forma, é possível encontrar no serviço público muitos funcionários, nos mais variados setores, que são frustrados por se encontrarem em situação precária salarial e de prestígio, porque são contaminados pelo preconceito que percorre toda a sociedade.
5o) A pouca participação política da sociedade na esfera administrativa do serviço público, ou por desinteresse ou por falta de tempo ou por causa de mecanismos internos do próprio serviço público que não permitem tal participação. Isso significa que a sociedade não possui, efetivamente, mecanismos de controle da prestação dos serviços públicos pelo Estado. Muitas vezes os cidadãos fazem uma confusão entre serviço público, obrigação do Estado constitucionalmente, com benesses de políticos interesseiros, como vereadores que são meros despachantes do executivo. Mais democracia e empenho em participar das decisões do executivo e da administração permitiria uma prestação melhor do serviço público para toda a sociedade.
Enfim, apesar de elencar esses cinco fatores, creio que existam muito mais variáveis a serem analisadas a respeito dessa situação, que me parece muito importante, porque sou servidor público e procuro realizar meus deveres com dignidade e seriedade na escola em que leciono. Não é possível fraudar o livro ponto na escola. As 7 horas da manhã começam as aulas, os alunos estão presentes e se o professor não estiver, a escola requer um professor substituto, simplesmente, e o professor faltante será descontado em sua folha de pagamento. Também não é possível estar em sala de aula só de corpo presente, porque os 35 ou 40 alunos lá presentes irão incendiar a sala e o próprio prédio se o professor, simplesmente, por negligência e irresponsabilidade, se recusar a lecionar e ficar olhando para o teto da sala, sem dar atenção aos alunos.
Desta forma e guardadas as devidas proporções, o Estado tem também a função de fiscalizar os servidores públicos no seu cotidiano, avaliando o seu desempenho e, ao mesmo tempo, oferecendo condições de trabalho e salariais dignas para quem presta um trabalho tão significativo para a parcela mais pobre da população brasileira.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

As redes sociais

O início do século XXI criou uma tecnologia que considero fantástica, as redes sociais, que usam da internet e dos pcs para entrarem em contato, estabelecerem comunicação instantânea entre as pessoas, independente de cor, credo, filiação partidária, local onde vive, idade, riqueza ou pobreza, entre tantas coisas.
Acredito no poder gigantesco das redes sociais. Elas são capazes de fazer cumprir a profecia do especialista em comunicação norte-americano, Marshall McLuhan em seu livro "A galáxia de Gutemberg", que é a criação de uma aldeia global. Não no sentido das pessoas pensarem da mesma forma, pelo contrário, da possibilidade dos diferentes, dos desiguais, expressarem o que pensam e, desta forma, enriquecer o debate democrático com a participação da minoria, seja de qual tipo for.
Como na sociedade que eu chamaria de real, porque as redes sociais são virtuais, as pessoas comunicam aquilo que pensam. É só dar uma olhada em qualquer página de rede social que poderá ser visto o que a maioria da população pensa. São as famosas mediocridades já avisadas por Schopenhauer que dizia porque as pessoas jogam cartas. Como elas não têm nenhuma ideia para trocar, trocam cartas!
Não sou tão pessimista e desanimado como Schopenhauer. Procuro ser um realista otimista. Então, acredito que os blogs, os facebooks etc servem para todo tipo de coisa, desde falar qualquer merda ou marcar um encontro sexual até elaborar um protesto político significativo que irá provocar os leitores virtuais a pensarem.
Acho que as redes sociais devem ser utilizadas nas escolas, entre alunos e professores, para que exista um ambiente de maior liberdade e questionamento entre eles. Estou me lembrando de um comercial norte-americano em que uma criança pergunta para um professor se ele é que vai dar aula. Se for, a criança pergunta se ele tem um computador, se sabe navegar na internet etc. Ou seja, em tempos de tecnologia da comunicação tão adiantada, não é possível pensar o professor usando o mesmo livro didático, o mesmo giz e a mesma lousa e, o que é pior, o mesmo discurso de sempre, baseado em suas fichas amareladas. É preciso botar pimenta e mais tempero nesse pirão que está sendo feito com as tecnologias.
Sem medo! Se tiver que se fazer uma crítica, deve-se ponderar se ela é ou não pertinente, o mesmo vale para elogios. As crianças e os jovens não são idiotas, porque sabem o que querem e querem ser, antes de tudo, ouvidos pelos adultos. Sem hierarquização de poder entre professores e alunos. Pela liberdade de expressão e igualdade de tratamento, com respeito e dignidade de ambas as partes.
Quem dera pudesse toda criança e todo jovem da escola pública ter um netbook e cada escola ter wireless em número suficiente para plugar todos esses pcs à internet no horário da aula.
Alguns poderão dizer: mas o aluno irá ficar navegando em páginas nada a ver enquanto o professor explica o conteúdo. Que bobagem! Leciono há 28 anos e sei muito bem quando um aluno está no mundo da lua, sem netbook, apenas sentado na carteira olhando perdido para o horizonte, e quando ele está ligado na aula. É o professor que faz a diferença. Ele é que tem que motivar o aluno, fazer com que o mesmo preste atenção, não por medo da prova, mas pelo que é interessante no assunto abordado e na forma como o assunto é abordado.
Enfim, é fundamental democratizar o acesso à tecnologia da informação para toda a sociedade para que não somente a escola mude seu perfil, mas também a democracia tenha respaldo e se consolide definitivamente.

O Brasil mudou!!!

Hoje, 27 de junho de 2011, na Fundação Getúlio Vargas, foi apresentada uma pesquisa feita por diversos economistas sociais, sobre o crescimento econômico e a distribuição de renda no Brasil nos últimos anos. Para quem acha que economista é um nerd que fica com a calculadora na mão, como querem os patronos da autarquia municipal dessa cidade, ou então que são investidores neoliberais autodenominados de empreendedores, como quer a escola de negócios dessa mesma cidade, economista social é um especialista em combinar a aritmética econômica, como o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) com o nível de vida e expectativa de felicidade da sociedade, por exemplo.
Então, a pesquisa, que pode ser acessada pelo blog do Paulo Henrique Amorim (www.conversaafiada.com.br), informa que dos cinco países emergentes, o chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que em 2030, é a previsão, terão a maior fatia da produção econômica mundial, o Brasil foi o que de longe mais distribuiu renda para a população pobre, elevando para a categoria de classe C, ou seja, classe média, aproximadamente 40 milhões de pessoas, mesmo que tenha tido um crescimento do PIB inferior ao dos outros quatro países.
Isso significa que a curva da miséria no Brasil está em declínio, um feito histórico, levando em consideração que nos últimos 500 anos o Brasil teve uma história de vertiginosa desigualdade social.
Esse fato deve ser atribuído, primeiramente, ao governo FHC, que colocou um ponto final na hiperinflação que o país vivia e também estabilizou a moeda e deu garantias aos mercados internacionais. Porém, o governo do tucano não fez quase nada em relação ao social.
As ações que priorizaram o combate a miséria foram obra do presidente Lula e do PT, de 2003 a 2010, e que está tendo continuidade com o governo da presidente Dilma.
Essa questão política é fundamental, porque estabelece uma linha divisória ideológica entre os dois mais importantes partidos políticos brasileiros: o PT e o PSDB.
O PMDB é, sem dúvida, um partido importante, do ponto de vista dos votos no legislativo e no controle de prefeituras, mas não é um partido com ideologia definida, é corporativo e rema a favor da maré, e isso é perigoso, mas não dá para governar o país em uma democracia sem o voto os peemedebistas. É por isso que o vice da Dilma é o Temer.
A mídia marrom, ou seja, vendida aos interesses conservadores nacionais, como é a revista Veja, por exemplo, costuma inventar factóides sobre membros do governo petista, como foi o caso do Palocci. Ele era o membro do governo mais vinculado ao mercado financeiro, com maior capacidade de diálogo com os donos da banca do cassino e, por causa disso, era o ministro da Casa Civil, para estabelecer um link entre o governo Dilma e o mercado, porque sem isso não é possível governar o Brasil, porque haveria um golpe militar ou um assassinato. Então, os opositores casuísticos do PT e do governo Dilma jogaram na imprensa marrom a hipótese de enriquecimento ilícito e devido aos ventiladores, que espalham qualquer coisa no ar, ele pediu demissão. É isso!
Por outro lado, a ausência do Palocci não terá fortes repercussões junto ao empresariado, porque mesmo diante de tantas provocações, a Dilma irá respeitar os contratos e continuará colocando mais gente na classe C, que salvou com o consumo interno, o Brasil da crise econômica de 2008.
Agora é continuar apostando no desenvolvimento e melhor a educação e a saúde pública, mas isso depende muito da vontade política dos estados e dos municípios, e menos do governo federal. E nas mãos de quem estão a maioria dos estados e dos municípios? Não é nas mãos do PT...

sábado, 25 de junho de 2011

Sobre raciocínio e discussões...

Achei muito interessante essa reportagem da Folha de São Paulo de hoje sobre a importância do debate, do conflito entre ideias, para o desenvolvimento do raciocínio e, portanto, do conhecimento. Boa leitura!

Raciocínio evoluiu por causa de discussões

Estudo contraria ideia de que a razão se desenvolveu para achar a verdade

Teoria de cientistas franceses explicaria porque raciocínio das pessoas é cheio de inconsistências e vieses

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Num artigo impactante, que vira do avesso alguns dos pressupostos da filosofia e da psicologia evolucionista, os pesquisadores franceses Hugo Mercier (Universidade da Pensilvânia) e Dan Sperber (Instituto Jean Nicod) sustentam que a razão humana evoluiu, não para aumentar nosso conhecimento, mas para nos fazer triunfar em debates.
Desde alguns gregos, mas especialmente com René Descartes (1596-1650), consolidou-se a ideia de que a razão é um instrumento pessoal para nos aproximar da verdade e tomar as melhores decisões possíveis. "Penso, logo existo" é a divisa que celebrizou o pensador francês.
Se esse esquema é exato, como explicar que o pensamento humano erre tanto? Como espécie, fracassamos nos mais elementares testes de lógica, não conseguimos compreender noções básicas de estatística e nascemos com uma série de vieses cognitivos que conspiram contra abordagens racionais.
A situação não melhora quando quando abandonamos o reino das abstrações para entrar no terreno do interesse pessoal. Vários estudos têm mostrado que a maioria das pessoas comete verdadeiros desatinos lógico-financeiros ao administrar seus fundos de pensão.
Mercier e Sperber afirmam que é possível explicar esse e outros paradoxos se deixarmos de lado a noção clássica para adotar o que chamam de teoria argumentativa. Apresentam uma convincente massa de estudos e evidências em favor de sua tese.
A ideia básica é que a capacidade de raciocinar é um fenômeno social e não individual, cujo objetivo é persuadir nossos semelhantes e fazer com que sejamos cautelosos quando outros tentam nos convencer de algo.

SOLUÇÕES
A teoria, dizem os autores, não só faz sentido evolutivo como ainda resolve uma série de problemas que há muito desafiavam a psicologia.
O mais importante deles é o chamado viés de confirmação, que pode ser definido como "buscar ou interpretar evidências de maneira parcial, para acomodar crenças, expectativas ou teorias preexistentes". O fenômeno está na base daquela mania irritante de políticos de só responder o que lhes interessa.
O viés de confirmação é ainda uma das razões de persistência no erro, mesmo quando ele nos prejudica.
Temos dificuldade para processar informações que contrariam nossas convicções. Em suas versões extremas, ele produz pseudociências, fé em religiões e sistemas políticos e também teorias da conspiração.
Sob o modelo clássico, o viés de confirmação é uma falha de raciocínio mais ou menos inexplicável.
Mas, se a razão foi selecionada para nos fazer vencer em debates, então faz sentido que eu busque apenas provas em favor da minha tese, e não contra ela.
Adotada a lógica da produção de argumentos, o que era erro se torna um dos pontos fortes da teoria.

FENÔMENO SOCIAL
O modelo tem, evidentemente, implicações fortes. A mais evidente delas é que a razão só funciona bem como fenômeno social. Se pensarmos sozinhos, vamos muito provavelmente chafurdar cada vez mais fundo em nossas próprias intuições.
Mas, se a utilizarmos no contexto de discussões, aumentam bastante as chances de, como grupo, nos dar bem. Ainda que nem sempre, por vezes as pessoas se deixam convencer por evidências.
Trabalhos mostram que, quando submetidas a situações nas quais é preciso chegar a uma resposta correta (testes matemáticos ou conceituais), pessoas atuando sozinhas se saem mal, acertando em torno de 10% das respostas (Evans, 1989).
Quando têm de solucionar os mesmos problemas em grupo, o índice de acerto vai para 80%. É o chamado efeito do bônus de assembleia.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

190 anos de São João da Boa Vista


Hoje a cidade de São João da Boa Vista completa 190 anos. É muito tempo e muita história. Porém, ao vislumbrar o que se fala ou se escreve nos meios de comunicação da cidade parece que tudo é uma maravilha. Uma concepção linear de tempo transpassa qualquer discurso sobre a cidade, revelando uma crença ingênua no progresso e no desenvolvimento.
A prefeitura e a Câmara fazem elogios ao programas sociais desenvolvidos na cidade, mas que são precários e não atendem a maioria dos excluídos da população. A cidade carece de muitas coisas e não existem iniciativas para valer no sentido de suprir as demandas sociais.
Um exemplo patético é o da educação infantil. As escolas municipais estão com classes superlotadas, com poucos professores disponíveis, muitos de licença médica, porque não aguentam cuidar, porque educar é um sofisma, de quase quarenta crianças em uma sala de aula, na faixa etária dos seis ou sete anos. Não vou nem dizer o salário dos professores, que em geral está acima do pago pelo estado, mas que é indigno para o serviço prestado por esses profissionais que se dedicam a alfabetizar o que a elite costuma chamar de cidadãos (eleitores?) de amanhã.
Parece que tudo está em festa. O sistema de transporte é uma porcaria. Para que a empresa privada que possui a concessão do transporte público possa ter mais lucros, disponibiliza, com o apoio do poder público, poucas linhas de ônibus, que transformam o deslocamento da população em um martírio. Quantos são aqueles que precisam esperar trinta, quarenta ou até cinquenta minutos para que o ônibus os leve até o ponto mais próximo de sua casa, porque a empresa precisa percorrer com o mesmo ônibus um trajeto muito maior do que o necessário, para resguardar os lucros capitalistas tão almejados. E dá-lhe a população que se fosse a pé ou de charrete poderia chegar mais rapidamente no destino.
Como o transporte público está uma droga, ocorre o inchaço da ruas pelos motoboys. O mototáxi tornou-se a praga do trânsito da cidade e uma forma de enganar as taxas de desemprego. Hoje em dia qualquer desempregado, porque emprego é artigo de luxo na cidade, a não ser aquele que oferece salário mínimo e uma jornada diária de quase dez horas de trabalho, compra uma motocicleta ou se dispõe a trabalhar para uma empresa que possui o veículo, e tenta ocupar o espaço vago deixado pelo transporte coletivo.
Não quero demonstrar rabugisse em relação a cidade. Aliás, adoro essa cidade. Vivo aqui há trinta anos e não pretendo sair de um lugar que para mim é tão acolhedor. O problema é que não posso julgar o lugar em que vivo bem a partir somente de minha experiência. Preciso analisar o que acontece com o restante da população. O plano diretor da cidade criou um apartheid social baseado em uma divisão urbana que desloca as residências de classe média alta e classe alta para a região da Mantiqueira, onde é proibido construir qualquer equipamento comercial, mas permite que nos bairros pobres de periferia, que fica no sentido oposto da Mantiqueira, se formem qualquer negócio que perturba o sossego e o sono dos moradores, mas porque é uma região proletária, tudo pode.
Me irrita a falta de senso crítico por parte dos meios de comunicação da cidade, que mais parecem despachantes do poder público do que aquilo que geralmente se designa com o nome de imprensa e jornalismo. Ler qualquer jornal da cidade é uma ato de paciência para monge medieval. Não há criticidade e muito menos reflexão. O que se lê são notícias plantadas pelo poder público ou pelo partido político que domina a cidade, o PSDB e seus mentores intelectuais. As notícias sobre assuntos policiais são patéticas. Manchetes sobre furto ou uso de entorpecentes mais parecem com o antigo Notícias Populares, só que com um texto parecido com um boletim de ocorrência. E o necessário espaço para que a opinião pública manifeste seu descontentamento em relação ao que ocorre na cidade? Esse espaço, quando existe, é sempre censurado.
O poder público oferece a política do pão e circo, com a tal festa junina no recinto de exposições e depois, em julho, com a feira agropecuária, que só gera lucro para empresários de fora da cidade que realizam os mega eventos de baixa qualidade, para ludibriar a população ingênua e sem consciência política, que fica passeando na quermesse ou economizando as migalhas que sobram dos salários baixos pagos pelo comércio varejista para comprar as entradas para a tal Eapic e assistir shows de axé e de breganejo.
Claro que existem eventos culturais legais e importantes como a virada cultural, a semana Guiomar Novaes, as apresentações da orquestra sinfônica municipal, entre outros. Mas são muito pouco divulgados para a maioria da população e ocorrem, geralmente, no centro da cidade, que fica longe da residência da população mais carente que, por não ter dinheiro para a condução, acaba não participando desses eventos tão bem montados.
Então, hoje que é um dia comemorativo, porque são poucas as cidades brasileiras que têm 190 anos de idade, quero por um lado dizer que fico feliz em viver em uma cidade tão bela como São João da Boa Vista, mas fico indignado com a falta de debates públicos sobre a política, a economia, a sociedade e a cultura da cidade, que possui uma elite dirigente que não se preocupa com o futuro dos setores sociais marginalizados, constituídos principalmente pelos pobres com baixa qualificação educacional e profissional.
Muita coisa tem que ser feita para a cidade realmente melhorar, e não basta criar mais empregos, porque os salários são baixos. É preciso criar empregos com salários melhores e qualificar a população pobre no campo da educação e da profissionalização. Os resultados de uma política pública que realmente tenha vontade de modificar a ordem existente permitirá que daqui a alguns anos possamos comemorar talvez os 200 anos da cidade com muito mais alegria do que comemoramos hoje.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Tradições e novas provocações...


O estudo da Filosofia é vasto o suficiente para encontrarmos diversas tradições filosóficas na história. A tradição mais comum, a que aparece em demasia nos currículos escolares do ensino básico, fundamental e médio, e também no universitário, remonta a Sócrates e Platão.
A tradição socrático-platônica pressupõe a realidade divida em duas esferas. O mundo sensível, que é o mundo em que nós vivemos, é vista por Platão como uma sombra, uma cópia imperfeita do mundo das ideias. Essa narrativa pode ser encontrada no mito da caverna, exposto no livro VII da “República”.
Essa tradição separa o mundo material do mundo espiritual, entendo aqui espírito como as ideias produzidas pela mente humana. O mundo material é uma sombra porque está em constante dinâmica, movimento e transformação, nunca estável e, dessa forma, impossível de ser compreendido e conhecido enquanto conceito e verdade. Nesse mundo o que prevalece são as opiniões (doxa).
É no mundo das ideias onde se encontra a realidade, porque essa por ser verdade e, consequentemente, conforme afirmava Platão, é bela. Na alegoria da caverna Platão compara a ideia suprema do bem e do belo com a luz do Sol porque, segundo ele, essa verdade é tão superior que os humanos não possuiriam palavras e conceitos para nominá-la ou descrevê-la.
O cristianismo se apropriou do platonismo e fez uma transposição do mundo das ideias para o mundo após a morte, o mundo espiritual no sentido religioso, onde encontraria-se a vida eterna. Já o mundo material também é apropriado pelo cristianismo como um mundo transitório, agora configurado com a ideia do pecado e da culpa, inerente ao corpo.
A dicotomia entre o corpo e a alma, para o cristianismo de origem platônica, é fundamental para se entender a tradição filosófica que chega em Descartes com o argumento do cogito (“penso, logo existo”). Nessa argumentação cartesiana, exposta em livros como “O discurso do método” e “Meditações de primeira filosofia”, a mente humana, onde ocorre o pensamento, está independente do corpo. Na verdade, para Descartes, o corpo é visto como uma máquina, uma estrutura sistêmica subordinada ao pensamento e todo o processo de conhecimento passa fundamentalmente pelo cogito.
Nesse sentido, o que se encontra na maioria dos manuais de Filosofia, é a presença de uma tradição filosófica, que começa em Sócrates e Platão, passa pelo cristianismo medieval e consolida-se com Descartes no século XVII, que apresenta uma concepção imaterial do pensamento e, do ponto de vista ético, subordinando os sentidos e as emoções, como formas de apropriação do conhecimento, a racionalidade do intelecto.
Na contramão dessa tradição, encontramos o filósofo judeu de origem portuguesa, que passou a viver na Holanda para fugir das perseguições religiosas católicas na Península Ibérica e luteranas na Alemanha, no território do antigo Sacro Império Romano Germânico, chamado Baruch (Benedito) Spinoza (Espinosa).
Esse intelectual e filósofo moderno, pois viveu no século XVII, que é o mesmo século de Descartes e de Galileu, recupera uma tradição materialista que vem da antiga Grécia, de Demócrito, com sua teoria atômica, e de Epicuro, com seu hedonismo, também chamado de epicurismo.
Vale à pena recordar o que dizia Demócrito. Para ele, o mundo, que podemos hoje entender por universo, por natureza, é constituído exclusivamente de átomos. Esses átomos se juntam conforme seus tamanhos e formas, dando origem aos seres, animados e inanimados. Nesse sentido, para Demócrito, não existe vida após a morte, porque esta é simplesmente a desintegração atômica dos seres vivos.
Nessa tradição materialista, durante o período do helenismo, surge Epicuro que funda uma escola em Atenas chamada de “O jardim”. Epicuro afirmava que não nos devemos preocupar com a morte, porque enquanto estamos vivos ela não veio e, quando morremos, já não estamos mais vivos. Ele até podia acreditar nos deuses, mas esses eram absolutamente felizes e não se preocupavam com a humanidade, não importando qualquer tipo de oração ou sacrifício para pedir uma intervenção divina no mundo mortal.
Tanto Epicuro como Demócrito acreditavam em uma força vital, extremamente forte, existente na natureza. Essa ideia de uma força vital aparece em Spinoza com a ideia de connatus. Spinoza afirmava que os seres humanos possuem dentro de si uma força vital natural, presente em toda a natureza, uma força que permite a pulsão da vida, o nascimento dos seres vivos.
Entendia que Deus era a própria natureza e, desta forma, nós não podemos acreditar em Deus, mas sim, conhecer Deus, e isso quer dizer que Deus se manifesta como uma totalidade (monismo) em todos os seres singulares, na vitalidade existente dentro de cada um.
Para Spinoza essa força vital faz a natureza se movimentar e existir.
Do ponto de vista ético, tal preceito permite analisar o ser humano em seus comportamentos sociais, como conhecedores ou não dessa força vital, e isso significa dizer que os humanos têm a possibilidade sempre de reverter a tristeza em alegria, de tal maneira que é só necessário permitir a manifestação de Deus, da própria natureza, a partir da noção de uma força vital dentre de cada um.
Para Spinoza tudo era determinação e a liberdade está em conhecer o que a natureza estipula para os humanos. Nós seremos livres se dissermos um “sim” para a vontade da natureza. Essa forma de pensamento reduz a importância da racionalidade como determinante de escolhas, conforme pode aparecer em Descartes. Não é o intelecto que comanda o ser humano, mas sim a força vital do desejo que pulsa em sua própria natureza.
Essa pulsão do desejo é mal vista pela tradição socrático-platônica, pelo cristianismo e pelo cartesianismo, pois consideram a verdade do corpo e da natureza como sacrílegas e heréticas. O objetivo dessa tradição é anular o que há de natural dentro e fora de nós, buscando um tipo de ascetismo, de puritanismo que afeta nossa vida em sua intensidade. A rendição aos princípios do mundo das ideias é a derrota frente a um projeto histórico-cultural que se assemelha a um tipo de assepsia e limpeza que não é possível atingir. Como resultado dessa tentativa temos a construção de um mundo racionalizado pela lógica do capital e da eficácia, burocratizado e administrado como são as empresas, onde os indivíduos são peças de uma grande engrenagem, a serviço de objetivos que não são deles e que, em última instância, não são nem dos detentores do capital, que são levados a práticas cotidianas visando a acumulação material em nome de uma felicidade impossível.
Essa prática histórica gera um processo neurótico, de alienação da realidade e de negação da força natural no interior de cada ser humano. Essa força interna é chamada por Schopenhauer de “Vontade”, uma força invisível que está presente em toda a natureza e que movimenta o universo e, com ele, a própria humanidade. Spinoza irá dizer que mesmo que o indivíduo pense que está agindo racionalmente, na verdade ele está sendo impulsionado pela força universal, esse Deus presente em todas as coisas. Porém, como o objetivo do racionalismo é o controle das emoções, ocorre que as motivações são racionalizadas e trancadas no inconsciente, impedidas de se manifestarem. O desespero que esse vazio existencial determina lota os templos religiosos de fanáticos que buscam por um Deus pessoal, capaz de interferir na vida cotidiana, que não existe.
Não adianta se ajoelhar e erguer as mãos para o céu, pois o céu não existe. Copérnico, há mais de 500 anos atrás, provou que a Terra não é o centro e que o que se pensa estar em cima é nada mais do que o Espaço, repleto de planetas, estrelas e galáxias. Como é bizarro ver alguém falando com o nada. É quase um exercício de loucura individual que, no contexto das religiões, torna-se loucura coletiva.
Em Nietzsche a questão da moral torna-se fundamental. O pensador alemão procura mostrar que a moral foi criada historicamente pela humanidade, a partir de instituições sociais como a religião ou o Estado, para condicionar a vontade de potência que deveria reger nossas atitudes enquanto seres humanos. A vontade de potência nietzschiana, presente no desejo de avançar perante a vida, de assumi-la plenamente em toda a sua dor e alegria, é o que nos faz sentirmos vivos e existentes. Negar a dor ou a alegria é uma forma de se encontrar morto em vida.
Nietzsche afirma que o homem é como uma corda, que se encontra entre o animal e o além do homem. O animal é a força vital em toda a sua pureza, da qual escapamos por meio do ego e da cultura, que Freud irá chamar de superego. Já o além do homem é alguém, se isso existe, que se desvinculou de toda a moralidade imposta pela sociedade e que cria suas próprias regras, com coragem e determinação, buscando dentro de si o que ele é de verdade, suas vontades e desejos, sem escrúpulos ou terrores.
Essa manifestação dionisíaca em uma sociedade repleta de imposições e castrações só pode ser exercida e exteriorizada por meio da arte, na sua capacidade criativa do novo, no seu desvendamento de instâncias de alegrias inimagináveis, de sonhos insuperáveis. O além do homem é algo pelo qual deveríamos procurar e alcançando, utilizarmos do que há de apolínio e, portanto, de belo, para marcar nossa presença no mundo.
Não se trata aqui de voltarmos ao estado natural selvagem, apesar de que não há nada no mundo que prove que tal estado não nos traria alegria e felicidade, pois em um mundo em que o que há de selvagem dentro de nós foi calado, a alegria e a felicidade parecem estar muito distantes. Trata-se, na verdade, de associar-se o dionisíaco, enquanto vontade de potência e negação da moralidade imposta ao apolínio, harmônico e belo, que se manifesta no ato da criação artística, e que se deverá manifestar em qualquer ato de criação. Desta forma iremos construir um mundo onde a liberdade não será mais um privilégio de poucos, mas uma realidade inerente a todo o ser humano. Um mundo onde a educação estará voltada para a imaginação e a criação, sem podas ou transferências, sem imposições coercitivas de toda ordem, onde a individualidade será respeitada porque, só haverá igualdade, no momento em que cada homem ou cada mulher falará com o outro do mesmo patamar, com os olhos nos olhos do outro.
Essa utopia que nasce com Spinoza, continua em Schopenhauer e Nietzsche, mas que possui outros defensores na contemporaneidade, assim como conheceu seus imaginadores na antiguidade grega e romana é, como toda a utopia, algo inalcançável mas, nem por isso, devemos negá-la. Deve servir de paradigma, de referência histórica para a busca de uma vida plena, mais livre e feliz.
Mas como venho escrevendo sempre, essa tal felicidade só pode ser encontrada no âmbito do possível, sem esperança e idealização. Como disse Sponville certa vez, é melhor uma verdade dolorosa do que uma felicidade idealizada.
Fiquemos com a realidade, tal como ela nos é sugerida pela vida, porque ela é a própria vida que não tem mais a nos oferecer do que a nossa própria existência. Desejar uma vida plenamente feliz só é possível no cemitério. Se alguém quiser ser realmente, na sua totalidade, feliz, deve se matar o mais rapidamente possível, porque viver é também compartilhar com os outros as dores e sofrimentos que a vida nos oferece sempre, temperada com pitadas de alegria que só serão ampliadas na medida em que nos dispusermos a retornar sempre, e repetir tudo de novo, em sua absoluta intensidade, afirmando e reafirmando a vida em sua plenitude, isto é, sabendo a dor e a delícia de ser o que se é.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A mediocridade da classe média

A mediocridade que ronda a sociedade consumista é enorme. Neste artigo, o filósofo Luis Felipe Pondé reflete sobre a mesmice da classe média, que não se trata de extrato bancário, mas de um estado de espírito. Boa leitura!

Flagelo da classe média



Basta ver o tanto de bobagens que se fala no Facebook, tipo "fui ao banheiro"


NÃO SOU BEM RESOLVIDO, tenho muitos preconceitos. Um deles é contra a classe média.
Além disso, sou cheio de maus hábitos: charutos, cachimbos, álcool, comida com sangue e não ando de bike. Para mim, o vício e a culpa são o centro da vida moral.
Enfim, não sou uma pessoa muito saudável. Por isso, não sou de confiança. Mas não pense que sofro do fígado; sou apenas um fraco.
Tenho uma amiga, muito inteligente, que costuma me chamar de "flagelo da classe média".
Quando falo "classe média", não olhe para seu saldo bancário, olhe para dentro de si mesmo. Classe média é um estado de espírito, e não apenas uma "alíquota" do imposto de renda ou o tipo de cartão de crédito que você tem.
Uma das marcas da classe média é pensar que, quando se fala de classe média, pensa-se essencialmente em saldo bancário.
Você pode ter muita grana e pensar como classe média, quer ver? Vou dar um exemplo de um surto de classe média em alguém que não era da classe média.
O sociólogo húngaro radicado na Inglaterra Frank Furedi, em seu livro "Therapy Culture", comenta como a Lady Di (morta tragicamente em 1997), a "princesa da classe média inglesa" ou a "princesa do povo", lamentou para a mídia o fato de seu então marido, príncipe Charles (herdeiro do trono da Inglaterra), ter uma amante.
Podemos imaginar uma mulher do East End londrino se sentindo irmã da então princesa porque ambas sofreriam da mesma maldição: a infidelidade em um casamento infeliz. Choravam juntas, uma na frente da TV, outra na frente das câmeras.
Lady Di nunca entendeu o que é ser da aristocracia, confundiu-se com a classe média e seus anseios de que casamento, amor e felicidade sejam uma coisa só.
Mas não há muito o que fazer com relação à realeza hoje em dia, porque vivemos no mundo da opinião pública e "ter opinião sobre tudo" é um fetiche típico do espírito de classe média. Alexis de Tocqueville (1805-1859) já dizia que a democracia é tagarela.
Quando se depende da opinião pública já não há mais saída para escapar das "redes sociais" típicas do mundo contemporâneo, no qual as pessoas têm opinião sobre tudo a partir de seus apartamentos de dois quartos com lavabo.
Basta ver o tanto de bobagens que se fala no Facebook, tipo "fui ao banheiro" ou "vomitei". Além de "revoluções diferenciadas", as redes sociais potencializam a banalidade humana.
Quando a classe média sonha, ela sempre pensa como Cinderela. "Querer ser feliz" é coisa de classe média.
Você pode ser milionário e ter cabeça de classe média, por exemplo, quando faz algo preocupado com o que os outros vão pensar. Nada mais típico do espírito da classe média do que citar um restaurante numa ruazinha em Paris para mostrar que conhece a cidade.
Por outro lado, você pode ser uma pessoa que "batalha" pela vida e não pensar como Cinderela. Basta não criar de si mesmo uma imagem de "reduto do bem e da honestidade". O bom-mocismo social é o novo puritanismo hipócrita do início deste século.
Uma clara semelhança de espírito entre "aristocracia" e as classes sociais mais pobres (aparente absurdo) é a pouca ilusão com relação à hipocrisia social, substância da moral pública.
A primeira porque está acima da hipocrisia social (não precisa dela porque tem poder), e a segunda porque está abaixo da mesma hipocrisia social (não pode bancar a hipocrisia porque hipocrisia é um pequeno luxo).
O que caracteriza o espírito da classe média é pensar mais de si mesma do que ela é. Já que não tem nada, mas não morre de fome, fabrica de si mesma uma história de grandeza que não existe.
Por exemplo, inventa para si mesma uma "história de dignidade familiar", quando ninguém sobrevive sendo "digno", acha que educa bem seus filhos sempre "brilhantes", calcula cada proteína que come, num movimento de ganância travestido de preocupação com a vida, diz coisas como "não minto", quando, sabemos, a vida se afoga em mentiras necessárias à própria vida.
A classe média adora ter uma família de pobres como "amigos" para exibir por aí. Enfim, a classe média sofre de avareza espiritual.

domingo, 22 de maio de 2011

Exste vida após a morte?

Esse é um assunto que interessa a todo o mundo. Já escrevi alguma coisa sobre isso, mas não sei se me deram ouvidos. Então, ao acabar de ler o último artigo do Marcelo Gleiser na Folha de São Paulo de hoje, posto o mesmo para quem quiser refletir sobre o assunto. Boa leitura!

Sobre a vida após a morte


Do ponto de vista científico, vida após a morte não faz sentido,embora a esperança de que ela exista seja muito compreensível


Já que no domingo passado escrevi sobre o fim do mundo (era para ter sido ontem), é natural continuar nossa discussão refletindo sobre vida após a morte. especialmente nesta semana, quando o famoso físico Stephen Hawking falou do assunto em entrevista ao jornal inglês "The Guardian". "um conto de fadas para pessoas que têm medo do escuro", disse.
Mantendo a discussão ao nível "científico", o que podemos falar sobre experimentos que visam detectar vida após a morte?
eis o que escrevi sobre o tópico em meu livro "Criação Imperfeita": "quando ingressei no curso de física da PUC do Rio em1979, era a encarnação perfeita do cientista romântico, com barba, cachimbo e tudo.
Lembro-me, com um certo embaraço, do meu experimento para 'investigar a existência da alma'. Se a alma existia, pensei, tem que ter uma natureza ao menos em parte eletromagnética, de modo a poder animar o cérebro. e se eu convencesse um hospital a dar-me acesso a um paciente em coma, já prestes a morrer? Assim, poderia circundá lo com instrumentos capazes de detectar atividade eletromagnética.
Talvez pudesse detectar a cessação do desequilíbrio elétrico que caracteriza a vida [...] Por via das dúvidas, o paciente deveria também estar deitado sobre uma balança bem precisa, caso a alma tivesse peso." Continuo:"Na verdade,minha incursão no terreno da "teologia experimental" era mais brincadeira do que algo que levei a sério. Porem, minha metade vitoriana charlatã, devo dizer, tinha ao menos um predecessor.
em 1907, um certo Dr. Duncan MagDougall de Haverhill, em Massachusetts, conduziu uma série de experimentos para medir o peso da alma.emborasua metodologia fosse altamente duvidosa, seus resultados foram mencionados no prestigioso "New York Times":"Médico crê que alma tem peso", afirmou a manchete. O peso era em torno de 21,3 gramas, embora tenha havido algumas variações entre os poucos pacientes investigados. Como grupo de controle, ele pesou 15 cães, mostrando que eles não sofriam qualquer mudança de peso. O resultado não o surpreendeu, pois suspeitava que só humanos têm almas."
Os experimentos de Mag Dougall inspiraram o filme "21 Gramas", com Sean Penn fazendo o papel de um matemático à beira da morte.
De volta a Hawking, devo dizer que concordo com ele. Tudo o que sabemos sobre como a natureza opera indica que a vida é um fenômeno bioquímico emergente que tem um início e um fim.
Do ponto de vista científico, vida após a morte não faz sentido: existe a vida, um estado complexo da matéria em que um organismo interage ativamente com o ambiente, e existe a morte, um estado em que essas interações tornam-se passivas.
Morte é ausência de vida. (Mesmo o vírus só pode ser considerado0 vivo dentro de uma célula anfitriã.) É perfeitamente compreensível querer mais do que algumas décadas de vida, ter esperança de que existe algo mais.
Porém, nosso foco deve ser no aqui e no agora, e não no além. O que importa é o que fazemos coma vida que temos, curta que seja.Após ela, o que persiste são as memórias naqueles que continuam vivos.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro Criação Imperfeita

sábado, 23 de abril de 2011

"Whatever Works" ou tudo pode dar certo...




















Woody Allen é sempre Woody Allen... É sempre o máximo... Pelo menos eu gosto de todos os filmes dele. Tem um sabor novaiorquino e cosmopolita, sem pedantismo, pelo contrário, bastante explicativo em suas narrações. Talvez não seja um ótimo ator, apesar de que adoro rever o filme em que ele conversa com a mãe, uma velha judia, que está no céu, pedindo para ele não esquecer de levar o casaco, pois vai fazer frio. Ou então ele e a Diane Keaton em seus dramas amorosos de classe média, por exemplo. Neste feriado assisti ao filme "Whatever Works". O título em português é "Tudo pode dar certo". Ele escreveu e dirigiu o filme. Não atua. Adorei! Acho que ele está cada vez mais maduro intelectualmente e, talvez, tenha lido Sponville e sua "Felicidade desesperadamente", pelo menos foi o que senti ao ver o filme.
Não quero contar toda a história para não perder a graça para quem quiser assistir, mas não consigo esconder a vontade de escrever um pouco sobre o filme. Encarem como quiserem. Um resumo ou uma resenha, tanto faz, não me importo. Apenas quero escrever um pouco sobre o filme.
Um homem idoso, mas não tão idoso assim, que foi professor de Física e quase ganhou o Nobel na área conversa com amigos em um bar. Ele é manco, porque tentou suicídio durante o casamento. Há um flashback disso. Voltando para casa encontra uma garota bem jovem, talvez dezoito anos, linda, loira, do Sul dos Estados Unidos, educada em uma "tradicional" família sulista, racista e que vota no Partido Conservador e em George W. Bush ou, se quiserem, John McCain... Ela pede para ele dar abrigo a ela. Ele é um cara ranzinza, rabugento mesmo. Ela acaba morando com ele e se declara apaixonada pela genialidade dele. Aí é que eu acho que está a crítica. Que genialidade é essa? O cara viveu com a moça durante meses e nem percebeu que ela estava a fim dele, mesmo que por motivos de admiração, o que é uma babaquice por sua vez. Um casal muito improvável em qualquer situação real. Mas vivem juntos. De repente, o que acontece? A mãe dela chega. Foi abandonada pelo marido, pai da jovem, que foi viver com a sua melhor amiga. Ela é uma jeca, tradicionalista, reacionária etc, que não acredita no que vê. A filha, que foi educada para ser uma "boa esposa e mãe" casada com um idoso ranzinza... é cômico! Aí tem um desenrolar da história. Um momento hilário é quando o pai da moça chega e, com toda a hipocrisia do mundo, diz que foi tentado pelo diabo e perdeu a cabeça, mas que agora quer voltar para a esposa etc. Quando ele vê Boris, que é o nome do físico idoso, se ajoelha e começa a rezar... Bem, a partir daí o filme dá uma reviravolta impressionante. A mãe vira artista plástica de vanguarda e passa a viver com dois homens no mesmo apartamento. O pai assume a sua homossexualidade e passa a viver com outro homem, que o conheceu em um bar amargando a tristeza de estar abandonado. Ah! Um detalhe importante. O pai só voltou a procurar a mãe porque não conseguia mais ter ereção com a amante. Na verdade o que ele nunca teve foi desejo por mulher. Olha só a hipocrisia... A jovem conhece um ator (outra ironia), que é jovem também e bem apessoado, e passam a viver juntos, abandonando Boris. Durante uma lavagem das mãos, outra cena incrível do filme, porque ele canta "Happy Birthday" duas vezes para dar tempo para lavar bem as mãos, ele se joga da janela e tenta novamente o suicídio. Cai em cima de uma mulher que passava na calçada. Vai visitá-la no hospital e se apaixona. Mas veja, ela é vidente e sensitiva. O que um físico vai fazer vivendo com uma mística? Outra ironia. Mas a melhor ironia do filme, para mim, é a ironia sobre as imprevisibilidades da vida, sua falta de sentido e a necessária vontade que devemos ter de colher o dia, a cada dia, e levar ou buscar o amor em todas as nossas ações. O final do filme se passa no reveillon e Boris faz suas belas declarações finais. Enfim, tudo pode dar certo!