sexta-feira, 24 de junho de 2011

190 anos de São João da Boa Vista


Hoje a cidade de São João da Boa Vista completa 190 anos. É muito tempo e muita história. Porém, ao vislumbrar o que se fala ou se escreve nos meios de comunicação da cidade parece que tudo é uma maravilha. Uma concepção linear de tempo transpassa qualquer discurso sobre a cidade, revelando uma crença ingênua no progresso e no desenvolvimento.
A prefeitura e a Câmara fazem elogios ao programas sociais desenvolvidos na cidade, mas que são precários e não atendem a maioria dos excluídos da população. A cidade carece de muitas coisas e não existem iniciativas para valer no sentido de suprir as demandas sociais.
Um exemplo patético é o da educação infantil. As escolas municipais estão com classes superlotadas, com poucos professores disponíveis, muitos de licença médica, porque não aguentam cuidar, porque educar é um sofisma, de quase quarenta crianças em uma sala de aula, na faixa etária dos seis ou sete anos. Não vou nem dizer o salário dos professores, que em geral está acima do pago pelo estado, mas que é indigno para o serviço prestado por esses profissionais que se dedicam a alfabetizar o que a elite costuma chamar de cidadãos (eleitores?) de amanhã.
Parece que tudo está em festa. O sistema de transporte é uma porcaria. Para que a empresa privada que possui a concessão do transporte público possa ter mais lucros, disponibiliza, com o apoio do poder público, poucas linhas de ônibus, que transformam o deslocamento da população em um martírio. Quantos são aqueles que precisam esperar trinta, quarenta ou até cinquenta minutos para que o ônibus os leve até o ponto mais próximo de sua casa, porque a empresa precisa percorrer com o mesmo ônibus um trajeto muito maior do que o necessário, para resguardar os lucros capitalistas tão almejados. E dá-lhe a população que se fosse a pé ou de charrete poderia chegar mais rapidamente no destino.
Como o transporte público está uma droga, ocorre o inchaço da ruas pelos motoboys. O mototáxi tornou-se a praga do trânsito da cidade e uma forma de enganar as taxas de desemprego. Hoje em dia qualquer desempregado, porque emprego é artigo de luxo na cidade, a não ser aquele que oferece salário mínimo e uma jornada diária de quase dez horas de trabalho, compra uma motocicleta ou se dispõe a trabalhar para uma empresa que possui o veículo, e tenta ocupar o espaço vago deixado pelo transporte coletivo.
Não quero demonstrar rabugisse em relação a cidade. Aliás, adoro essa cidade. Vivo aqui há trinta anos e não pretendo sair de um lugar que para mim é tão acolhedor. O problema é que não posso julgar o lugar em que vivo bem a partir somente de minha experiência. Preciso analisar o que acontece com o restante da população. O plano diretor da cidade criou um apartheid social baseado em uma divisão urbana que desloca as residências de classe média alta e classe alta para a região da Mantiqueira, onde é proibido construir qualquer equipamento comercial, mas permite que nos bairros pobres de periferia, que fica no sentido oposto da Mantiqueira, se formem qualquer negócio que perturba o sossego e o sono dos moradores, mas porque é uma região proletária, tudo pode.
Me irrita a falta de senso crítico por parte dos meios de comunicação da cidade, que mais parecem despachantes do poder público do que aquilo que geralmente se designa com o nome de imprensa e jornalismo. Ler qualquer jornal da cidade é uma ato de paciência para monge medieval. Não há criticidade e muito menos reflexão. O que se lê são notícias plantadas pelo poder público ou pelo partido político que domina a cidade, o PSDB e seus mentores intelectuais. As notícias sobre assuntos policiais são patéticas. Manchetes sobre furto ou uso de entorpecentes mais parecem com o antigo Notícias Populares, só que com um texto parecido com um boletim de ocorrência. E o necessário espaço para que a opinião pública manifeste seu descontentamento em relação ao que ocorre na cidade? Esse espaço, quando existe, é sempre censurado.
O poder público oferece a política do pão e circo, com a tal festa junina no recinto de exposições e depois, em julho, com a feira agropecuária, que só gera lucro para empresários de fora da cidade que realizam os mega eventos de baixa qualidade, para ludibriar a população ingênua e sem consciência política, que fica passeando na quermesse ou economizando as migalhas que sobram dos salários baixos pagos pelo comércio varejista para comprar as entradas para a tal Eapic e assistir shows de axé e de breganejo.
Claro que existem eventos culturais legais e importantes como a virada cultural, a semana Guiomar Novaes, as apresentações da orquestra sinfônica municipal, entre outros. Mas são muito pouco divulgados para a maioria da população e ocorrem, geralmente, no centro da cidade, que fica longe da residência da população mais carente que, por não ter dinheiro para a condução, acaba não participando desses eventos tão bem montados.
Então, hoje que é um dia comemorativo, porque são poucas as cidades brasileiras que têm 190 anos de idade, quero por um lado dizer que fico feliz em viver em uma cidade tão bela como São João da Boa Vista, mas fico indignado com a falta de debates públicos sobre a política, a economia, a sociedade e a cultura da cidade, que possui uma elite dirigente que não se preocupa com o futuro dos setores sociais marginalizados, constituídos principalmente pelos pobres com baixa qualificação educacional e profissional.
Muita coisa tem que ser feita para a cidade realmente melhorar, e não basta criar mais empregos, porque os salários são baixos. É preciso criar empregos com salários melhores e qualificar a população pobre no campo da educação e da profissionalização. Os resultados de uma política pública que realmente tenha vontade de modificar a ordem existente permitirá que daqui a alguns anos possamos comemorar talvez os 200 anos da cidade com muito mais alegria do que comemoramos hoje.

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