quarta-feira, 20 de julho de 2011

Homofobia

Neste último final de semana, em São João da Boa Vista, ocorreu um ato de homofobia que movimentou a mídia no estado de São Paulo, pelo menos. Todos os anos acontece, em julho, uma feira agropecuária horrorosa que o pessoal de lá chama de EAPIC. É uma bosta de feira caipira, que reúne milhares de fãs daquelas coisas idiotas que tentam rimar amor com flor, o tal breganejo. Tem gente de todas as classes sociais, porque educação e cultura não é privilégio de uma ou outra classe, de quem tem ou não dinheiro, mas resultado de um tratamento cuidadoso do espírito por meio do estudo e da reflexão. Então aparecem por lá patricinhas e mauricinhos e também parcelas significativas do proletariado, tanto faz. Porém, culturalmente falando, do ponto de vista antropológico, vícios de comportamento, como o machismo indiscriminado, estão presentes, tanto no comportamento dos homens que comparam a quantidade de trepadas que dão com mulheres diferentes, buscando com isso a criação de um ranking de sucesso pessoal, diante de fracassos existenciais, como também no comportamento de mulheres, e aí eu concordo com o Pondé, que se deixam ser tratadas como objeto porque não querem se sentir solitárias ou preteridas. O comportamento machista é também criadouro de um preconceito arraigado na sociedade brasileira, que é a homofobia, ou seja, a aversão aos homossexuais.
Desta vez a coisa ficou preta! Pai e filho, acompanhados de suas respectivas namoradas que estavam no banheiro no momento do fato, foram violentamente agredidos por um grupo de homofóbicos, que freudianamente são recalcados, ou seja, manifestam por meio da violência o que de fato gostariam de estar fazendo e, portanto, não querem assumir a sua própria sexualidade, porque estavam se abraçando na tal festa breganeja. Pouco importa que eram pai e filho. O que importa é que foram vistos como um casal gay por um grupo de trogloditas e foram espancados. O pai teve boa parte de sua orelha arrancada e terá que fazer um implante de cartilagem para reconstituir a sua orelha.
O que isso revela? Que a homofobia corre solta em nosso país. É por causa disso que há um projeto no Congresso Nacional que transforma a homofobia em crime. Porém, como a maior parte dos congressistas são também homofóbicos, ainda está tramitando no Congresso e, provavelmente não será aprovado. Do contrário, tal ato seria considerado crime grave, com pena superior a 4 anos e permitiria a autoridade judiciária autorizar a prisão preventiva ou temporária dos responsáveis.
O que a atual legislação permite é, no máximo, a abertura de um inquérito policial e de um processo crime por lesão corporal, que pode ser interpretada pelo juiz como leve e, desta forma, se os acusados forem condenados, terão como pena, talvez, a prestação de serviços para a comunidade por um curto período de tempo.
Tenho diversos amigos e amigas homossexuais que, de maneira constrangedora, não podem manifestar seus afetos publicamente, porque sabem que serão censurados de alguma forma, talvez até violentamente, como foram o pai e o filho na bosta da festa caipira.
O que fazer em tal situação? Enviar ao deputado federal e senador que vc votou um e-mail pedindo o compromisso de aprovarem o projeto de lei que torna crime a homofobia, assim como o racismo foi transformado em crime. Talvez, com o rigor da lei e o fim da impunidade, esses covardes recalcados tomem vergonha na cara e fiquem simplesmente quietos diante de duas ou mais pessoas do mesmo sexo que, indiferentemente de serem heterossexuais ou homossexuais, demonstrem o carinho que sentem entre si livremente em qualquer espaço público e privado.
Se esse país pretende ser realmente uma democracia é fundamental que os direitos individuais sejam definitivamente respeitados por todos, mesmo que mediante o constrangimento legal.
Que os babacas queiram gastar o seu dinheiro em eventos desse naipe, é problema deles. Mas usar da violência contra as pessoas que demonstram carinho em público é inadimissível!
PS.: Quero deixar um forte abraço para meu novo amigo Alain, poeta carioca que conheci nessa cidade incrível que é São João del Rey. Alain, continue com sua irrepreensível coragem de fazer o que mais gosta, que é escrever, desenhar e compor! Vamos nos falando...

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Mais uma do PSDB de São Paulo contra os professores

O governador Alckmin determinou que as férias dos professores da rede pública estadual serão divididas. Serão 15 dias em janeiro e 15 em julho. O argumento é que os professores terão mais tempo para prepararem as aulas. Mentira! Argumento furado. Os professores não tem muito tempo para prepararem suas aulas porque recebem um salário muito baixo e precisam de uma dupla ou até tripla jornada de trabalho diário para compensar o salário baixo que recebem da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
O governo quer é escravizar o professor, alegando que terá aproximadamente 50 dias de descanso por ano, dizendo que a maioria dos trabalhadores tem apenas 30 dias. Porém, como a própria legislação reconhece e qualquer pessoa de bom senso reconheceria, a atividade do magistério é muito mais desgastante do que a maioria das outras atividades profissionais, é por isso que o professor se aposenta com 30 anos de contribuição e a professora com 25 anos.
Enquanto o governo de São Paulo não melhorar as condições de trabalho do professor, este terá que dar aulas em outras escolas, geralmente particulares, para complementar o seu salário, ficando, como resultado, estafado, exausto, sem motivação e sem tempo para preparar aulas melhores.
O sindicato dos professores de São Paulo quer que a jornada máxima de aulas para o professor da rede pública seja de 25 aulas por semana, sem prejuízo nos vencimentos, recebendo por 40 horas aula semanais. Dessa forma, se tal medida fosse aprovada pela Assembléia Legislativa, o professor poderia ter mais tempo para preparar as suas aulas durante a semana e ficaria mais descansado para dar uma atenção melhor aos alunos. Mas esse objetivo parece distante da mente dos atuais gestores do governo paulista. Preferem manter as 33 horas aula em sala de aula por semana e diminuir o tempo de férias dos professores.
O resultado será muito fácil de compreender: professores mais cansados e menos motivados irão para a sala de aula e isso acarretará prejuízo para os alunos, simplesmente.
O jornal Folha de São Paulo, em seu editorial de hoje, afirmou que o decreto do governador é positivo e nem discutiu as condições de trabalho dos profissionais da educação. Mas todos já sabemos quem (ou qual partido) a Folha apóia, não é mesmo? Quem duvida que seja o PSDB?
Além disso, a Folha afirmou que os professores receberão um aumento de salário de 42 %, escalonado em 4 anos. Isso é um absurdo! Desde 1998 acumula-se uma perda salarial da ordem de 36 %. O que o governo anuncia como aumento é nada mais nada menos que reposição salarial, que o professorado irá ter que esperar quatro anos para que as perdas desde 1998 sejam compensadas. Aí eu pergunto: E as perdas que os professores tiverem a partir de 2011? Bom, nisso ninguém fala. Afinal, não é o salário que é baixo, é o mês que é comprido...!!!
Me admira que a maioria da população de São Paulo continue votando nos candidatos do PSDB, especialmente os pobres, que são os mais prejudicados por medidas como essas.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O ensino superior está encrencado

O Álvaro Dias, senador do PSDB pelo Paraná, apresentou um projeto de lei que suprime a exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 30% de mestres e doutores nas universidades. Trinta por cento já é pouco se compararmos com as universidades européias e norte-americanas, mas é alguma coisa ainda. Por outro lado, como 70% dos professores não precisam ter titulação de pós-graduação, tem espaço para a contratação de profissionais com notório saber para lecionar nas universidades, mas que não possuem diploma de mestrado e doutorado. Então cabe uma pergunta: A quem atende tal projeto?
As universidades, centros universitários e faculdades privadas, que dominam o cenário do ensino superior no Brasil, ofertando quase 80% das vagas, querem reduzir custos com contratação de professores, para poderem ter mais lucros. Nunca é de menos lembrar que uma empresa privada, em qualquer ramo, inclusive a educação, tem por objetivo primordial ter lucro, ganhar dinheiro. Esse projeto do Álvaro Dias, se aprovado, permitirá que as instituições de ensino privadas demitam todos os professores com mestrado e doutorado, para poderem contratar somente graduados, com salários muito mais baixos, para auferirem cada vez mais lucros.
Quem perde com isso é a educação superior no Brasil, já em franca decomposição por ausência de pesquisa e de produção de conhecimento e, agora, estará à mercê de um exército de profissionais com falta de competência intelectual, e com isso o nível de ensino ficará cada vez pior.
Se somarmos a esse fato a tragédia que é o ensino básico, fundamental e médio, incapaz de formar jovens com o mínimo de capacidade reflexiva, teremos uma verdadeira catástrofe no ensino do país.
Onde o lucro prepondera e a vulgarização da inteligência é uma necessidade utilitária, só podemos reconhecer que não sobrará pedra sobre pedra. O Brasil, que está em uma posição muito baixa em comparação a outros países no campo educacional e científico irá ficar em situação pior. O país cada vez mais dependerá da produção de conhecimento em outros países, em uma relação de dependência endêmica, crônica, que ao invés de gerar frutos, retira do país riquezas na forma de conhecimento.
Vamos ver até que ponto o lobby das instituições privadas irá ter força para convencer o Congresso Nacional a aprovar tal projeto de lei. Só espero que, mesmo que o Congresso aprove, a presidente Dilma vete o projeto. É o mínimo que pode acontecer e isso está agora nas mãos dos legisladores e do executivo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Que bosta o que o Pondé escreveu hoje na Folha!!!

Li o artigo do Luis Felipe Pondé hoje na Folha de São Paulo e não gostei, fiquei irritado até. O artigo tem como título "Objeto" e o cara começa escrevendo que toda mulher gosta de ser tratada como objeto pelos homens. Bom, comecei a refletir um pouco sobre isso e fiquei assustado, a princípio. Será que existe uma natureza humana e a mulher é naturalmente servil e submissa ao homem, e isto está relacionado com a sexualidade e com o prazer? Se isso for verdade, então podemos jogar toda a cultura no esgoto. Podemos suspender definitivamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Constituição de 1988, o movimento feminista, até a cordialidade e a civilidade nos tratos pessoais, e devemos nos render ao barbarismo pré-histórico de pegar a mulher pelo cabelo e arrastá-la pelo chão, para que nos dê prazer, porque isso, afinal, dará prazer a ela.
Confesso que isso é para mim um absurdo! Acredito que na cama, o casal vive fantasias, fetiches, brincadeiras sexuais, que podem ou não ter como característica uma imaginação de patrão e secretária (hahaha...), paciente e enfermeira... bem, acho melhor parar por aqui, porque qualquer revista, masculina ou feminina, que trata de assuntos relativos a sexualidade está recheada de propostas de interpretação de papéis. Nesse sentido, pode ser que a mulher se coloque em uma posição, sexualmente falando, que requer do homem uma atitude de "dominador". Escrevo isso entre aspas porque não acredito que a mulher tenha uma atitude passiva na relação sexual! São fetiches!!! Outra coisa é o Pondé dizer que é isso que a mulher sempre quer. Que ele não consegue olhar para uma mulher a não ser como objeto sexual. PQP... Que bosta se todo homem olhar para uma mulher e vê-la como objeto sexual e a mulher gostar sempre disso! Como irá ficar a relação de amizade e respeito mútuo? Acho que o Pondé diria, então, que é impossível um relacionamento de amizade entre um homem e uma mulher.
Aí ele fala do europeu e de seus modos incorretos, e da fantasia de que nós, latino-americanos, temos em relação ao comportamento do europeu sempre como uma pessoa bem educada. Credo!!! Eu nunca achei que alguém, pelo simples fato de ser europeu, seja bem educado. Aliás, pelo contrário, quem causou as duas maiores guerras mundiais no século XX foram os europeus!!! Porra, será que o Pondé enlouqueceu??? Será que ele não tem nenhuma informação histórica e nós, reles mortais, também não temos???
Bom, na verdade, o que eu acho é que esse cara, que admiro as vezes naquilo que escreve, está querendo aparecer na mídia (fiquei sabendo que ele foi entrevistado pela Veja essa semana) como o intelectual descolado, bem resolvido, politicamente incorreto, crítico, independente entre outras coisas. Mas isso é nada mais nada menos do que marketing pessoal. O cara é experto!!! Em um momento em que a questão da igualdade está cada vez mais na pauta da vida política e cultural do brasileiro, nada melhor do que um intelectual que escreve e fala coisas provocativas, chauvinistas, extravagantes, porque assim ele aparece como a outra opção para a mesmisse, o tédio em que, pretensamente, as pessoas se encontram em um país onde está sendo visto um crescimento do sentimento de cidadania e de respeito mútuo pelas pessoas. Aí o cara vai tocar nesse tipo de assunto, só para provocar ou, no meu caso, irritar.
Porque isso irrita!!! Chamar homens civilizados e educados de "mulherzinhas" e afirmar que as mulheres, por causa disso, do fato de não serem tratadas como objeto estão indo viver como lésbicas??? E a questão da homossexualidade, como fica? Então o lesbianismo é resultado da "viadagem" dos homens??? PQP... Isso não faz o menor sentido!!! Sempre houve o homossexualismo entre homens e mulheres, mesmo nas sociedades mais machistas e violentas. Isso é um dado histórico e não tem nenhuma relação com um teor de civilidade e educação dos homens em relação as mulheres.
Esse Pondé afirma ser leitor de Nietzsche, pelo menos é o que li e ouvi da parte dele em outros espaços, inclusive no jornal da Cultura, onde ele aparece toda semana como o oráculo da pós-modernidade. Se tem algo bem diferente em relação ao que Nietzsche escreveu é esse troço de o homem ser um estúpido agressor para dar tesão na mulher!!! Parece que Pondé está fazendo a mesmo coisa que os nazistas fizeram com os textos de Nietzsche, principalmente o que trata da vontade de potência, distorcendo e manipulando o que foi escrito para justificar o que, para mim é simplesmente um comportamento recalcado de alguém que leciona teologia na PUC de São Paulo e que deve ter tido experiências com seminaristas (sem pensar os seminaristas como necessariamente propensos a experiências sexuais) e que descobriu algo em sua sexualidade que o incomoda demais e que, desta forma, precisa agora estar dizendo a todas as pessoas, por meio da Folha de São Paulo, que ele é o "macho", porque não tem vergonha de dizer que sempre olha as mulheres como objeto. É bom que as mulheres saibam disso para poderem decidir se preferem ir para a cama com alguém desse naipe!!!

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Mantenha fora do alcance de crianças

A peça "Mantenha fora do alcance de crianças" está em cartaz de quinta a domingo, sempre as 21 horas, no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, capital. O diretor Rodrigo faz um trabalho primoroso com os atores, em um cenário metalinguístico que pretende sugerir o interior e o exterior de uma casa, que pode ser relativa a qualquer classe social, mas que na peça nos remete ao imaginário da classe média brasileira, bem contextualizado. O texto da Nicole é singular, onde estão presentes diálogos, falas e provocações que sempre nos remete a algum passado acontecido ou a um futuro por acontecer.
Digo isso porque nossas ações não são o resultado do livre arbítrio, ou seja, não há uma separação entre corpo e mente, no sentido de podermos, idealizadamente, decidir mentalmente controlar nossas emoções e sensações, que são produto de nosso corpo. A indissociabilidade entre corpo e mente sugere que possuímos pulsões, resultado de uma biologia e de uma química que é misturada a um determinado contexto cultural e social em que vivemos, e que nos causa desconforto, que nos faz sentirmos ameaçados. Dessa forma, sob ameaça, agimos reativamente, ou seja, respondemos defensivamente àquilo que achamos que nos ameaça, em qualquer sentido, até mesmo no sentido de estarmos frustrados em relação à vida.
Não faz parte dessa lógica que as pulsões são necessariamente negativas, más, como quer uma certa tradição filosófica que nos remete a Hobbes, que dizia ser o homem o lobo do próprio homem, ou então a Kant, que acreditava na capacidade da razão controlar os impulsos corporais.
O que faz parte dessa lógica é uma ideia que perpassa o pensamento de Spinoza e Nietzsche, que não é niilista, como a peça também não é, ou seja, algo que se propõe à destruição da realidade e dos sonhos. A ideia é que se não nos sentimos ameaçados e estamos em uma situação de tranquilidade, nossas pulsões corporais não são destrutivas, pelo contrário, pois quando nos encontramos em uma situação onde podemos ser nós mesmos, agindo de acordo com o nosso querer, ampliando nossos horizontes, realizando sonhos e vontades, por exemplo, nosso corpo não sentirá necessidade de acionar o ódio ou a raiva em direção de uma outra pessoa.
O que causa a violência e a agressão é o fato das pessoas se sentirem ameaçadas por meio da repressão ou de uma violência externa ou de qualquer outra situação precária qualquer, produzindo em nós um querer reativo, de defesa, que se manifesta por meio da agressividade.
Na peça a família se mostra desintegrada, desconfortavelmente frustrada, como resultado de uma história singular, mas que pode ser a história de todas as famílias, e isso promove uma sensação de ameaça sobre si por parte do outro. O parente ou o amigo presente na festa é uma ameaça a integridade individual, porque não permite que cada um realize o que realmente quer realizar e, desta forma, o que poderia ser uma alegria se transforma em um inferno. Algo quente, mas desconfortável, como é o verão com altas temperaturas. Há uma busca de negação de si mesmo, como quando uma personagem afirma que quer mudar a cabeça e manda sua empregada fazer um artifício estético qualquer no cabelo, ou então quando o bêbado pega o microfone, em uma espécie de karaokê para si mesmo, e se é para si mesmo e não interagindo com os demais na festa, é também uma negação de si mesmo, e começa a querer lembrar de sambas antigos refastelados de melancolia, o que se torna até harmonioso com o que está acontecendo dentro da casa.
Porém, quando ficamos na expectativa de uma verdadeira explosão, porque ninguém aguenta mais as constantes agressões verbais e corporais, vem a catarse, que é o resultado do desenrolar da própria peça, onde todos os atores urinam ao mesmo tempo, jogando fora aquilo que está dentro do corpo mas não pertence a ele, em um reencontro com si mesmo, uma purgação por meio do reconhecimento da vontade de cada um em continuar vivendo em família, mas tento consciência que essa vivência é sempre conflituosa e que, para minimizar o conflito, é de fato necessário uma libertação de padrões de moralidade repressores e castradores.
Enfim, viver em família significa sofrer sempre algum tipo de repressão, mas isso não significa que não podemos nos libertar dessa repressão ao olharmos para dentro de nós mesmos e verificarmos todos os contextos, tanto biológicos e químicos quanto culturais e sociais, em que estamos enredados, e darmos asas a um lançar-se nos ares com vontade de potência e nos libertarmos das amarras que nos oprimem. O conflito é inerente à vida familiar porque a família é uma instituição repressora, que contraria o desejo que pulsa em nosso corpo. Quando permitimos ao corpo falar e se expressar, quando permitimos que nossa vontade se realize e, com isso, não nos sentimos mais frustrados ou ameaçados, não precisaremos mais utilizar da violência ou da agressão para nos relacionarmos com os demais, pois a alegria da satisfação superará todos os obstáculos morais repressivos que se manifestam no cotidiano da vida familiar.

domingo, 3 de julho de 2011

Cérebro de pipoca

Cérebro de pipoca

Gilberto Dimenstein (Folha de São Paulo, 03/07/2011)

Pesquisadores detectam há tempos distorções, como a compulsão para se manter conectado, como um vício


O GOOGLE anunciou na semana passada um projeto para enfrentar o Facebook, disposto a reinventar a mídia social. A notícia teve óbvio impacto mundial e despertou a curiosidade sobre mais uma rodada de inovações tecnológicas, capazes de nos fazer ainda mais conectados.
No dia seguinte, porém, o Facebook reagiu e anunciou para esta semana uma novidade também de grande impacto, possivelmente em celulares. Para alguns psicólogos americanos, esse tipo de disputa produz um efeito colateral: um distúrbio já batizado de "cérebro de pipoca".
Esse distúrbio é provocado pelo movimento caótico e constante de informações, exigindo que se executem simultaneamente várias tarefas. Por causa de alterações químicas cerebrais, a vítima passa a ter dificuldade de se concentrar em apenas um assunto e de lidar com coisas simples do cotidiano, como ler um livro, conversar com alguém sem interrupção ou dirigir sem falar ao celular. É como se as pessoas tivessem dentro da cabeça a agitação do milho explodindo no óleo quente.
A falta de foco gera entre os portadores do tal "cérebro de pipoca" um novo tipo de analfabetismo: o analfabetismo emocional, ou seja, a dificuldade de ler as emoções no rosto, na postura ou na voz dos indivíduos, o que torna complicado o relacionamento interpessoal.


Sou um tanto desconfiado de notícias alarmantes provocadas pelo surgimento de novas tecnologias. Toda ruptura desencadeia uma onda de nostalgia e de temores em relação ao futuro.
Mas algumas pesquisas em torno do "cérebro de pipoca" merecem atenção por afetar o processo de aprendizagem. Uma delas foi realizada em Stanford, a universidade que, por ajudar a criar o Vale do Silício, na Califórnia, impulsionou a tecnologia da informação.
Neste ano, Clifford Nass, professor de psicologia social na Universidade Stanford, revelou num seminário sobre tecnologia da informação a pesquisa que fez com jovens que passam muitas horas por dia na internet, acostumados a tocar muitas tarefas ao mesmo tempo.
Ele mostrou fotos com diversas expressões e pediu que os jovens identificassem as emoções. Constatou a dificuldade dos entrevistados. "Relacionamento é algo que se aprende lendo as emoções dos outros", afirma Nass.
O problema, segundo ele, está tanto na falta de contato cara a cara com as pessoas como na dificuldade de manter o foco e verificar o que é relevante, percebendo sutilezas, o que exige atenção.


Os pesquisadores estão detectando há tempos uma série de distorções, como a compulsão para se manter conectado, semelhante a um vício.
Trata-se de uma inquietude permanente, provocada pela sensação de que o outro, naquele momento, está fazendo algo mais interessante do que aquilo que se está fazendo. Tome o Facebook ou qualquer outra rede social.
Chegaram a desenvolver um programa que envia para o celular da pessoa um aviso sempre que um amigo dela está se aproximando de onde ela está.


O estímulo, porém, começa no mercado de trabalho. Vemos nos anúncios de emprego uma demanda por pessoas que façam muitas coisas ao mesmo tempo.
Mas o que Nass, o professor de Stanford, entre outros pesquisadores, defende é o contrário. Quem faz muitas tarefas ao mesmo tempo, condicionando seu cérebro, fica menos funcional. Não sabe perceber as emoções e trabalhar em equipe, não sabe focar o que é relevante e tem dificuldade de estabelecer um projeto que exige um mínimo de linearidade. Não sabe, em suma, diferenciar o valor das informações.


Não deixa de ser um pouco absurdo valorizar tanto os recursos tecnológicos que aproximam as pessoas virtualmente, mas que as afastam na vida real.
Daí se entende, em parte, segundo os pesquisadores, por que, em todo o mundo, está explodindo o consumo de remédios de tarja preta para tratar males como a ansiedade e a hiperatividade.

PS- Perto da minha casa, aqui em Cambridge, há uma padaria artesanal, com mesas comunitárias, que decidiu ir contra a corrente. Seus proprietários simplesmente proibiram que se usasse celular lá dentro para diminuir a poluição sonora e a agitação. Sucesso total. O efeito colateral: ficou difícil conseguir lugar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Alguns problemas do serviço público

Os jornais anunciaram há dias atrás uma máfia de servidores da saúde que fraudavam o livro ponto nos locais onde deveriam estar trabalhando, dedicando seus conhecimentos em benefício da população menos favorecida, que depende do serviço público para atendimentos relativos à saúde.
Isso é algo nefasto para toda a sociedade, a princípio, mas também é péssimo para a imagem que o servidor público tem para a sociedade.
Há um estereótipo de que o servidor público, ou funcionário público, não trabalha, não atende satisfatoriamente bem os usuários do serviço público e esse tipo de conduta colabora para que essa imagem fique solidificada na memória da população.
Antes da república, o serviço público no Brasil era uma forma de atender clientelisticamente os apadrinhados políticos, e o funcionário não tinha qualquer compromisso com a prestação de serviços à comunidade. Eram nomeados por padrinhos políticos, geralmente "coronéis", que por meio de rede de influências dentro e fora do Estado, nomeavam seus protegidos, cometendo o que hoje é considerado crime de nepotismo.
Mesmo após a criação da república essa situação se manteve. Na Primeira República, na Era Vargas, no período de 1945 a 1964 e, muito especialmente, de 1964 a 1985, durante a ditadura militar brasileira. No estado de São Paulo o ex-governador Paulo Maluf aprovou, na Assembléia Legislativa, uma lei que autorizava o executivo nomear, sem concurso público, temporariamente, funcionários estaduais para preencher lacunas nos quadros de servidores, por exemplo.
Após a constituição de 1988 o serviço público passou a ser prerrogativa de alguém que tenha passado em concurso por mérito, isto é, de forma transparente e democrática, qualquer pessoa de naturalidade brasileira, pode, por meio de prova auditada por institutos credenciados junto ao Estado, e possuindo os requisitos previamente destacados nos editais, prestar um concurso para se tornar servidor público nos três níveis, municipal, estadual e federal.
Parecia que o problema da inadequação do comportamento dos antigos servidores públicos tinha sido resolvido mas, qual o que, isso não aconteceu.
Quais seriam os fatores que impedem o bom desempenho do servidor público dentro de uma Estado democrático de Direito, como o que existe hoje em nosso país?
Não sei se vou conseguir elencar todos os fatores, mas pelo menos abro caminho para uma discussão que me parece muito séria, porque a maior parte da população brasileira, que é pobre, depende dos serviços públicos em vários setores de suas vidas.
1o) O modelo neoliberal que foi implantado no continente latino-americano a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 é um fator macro-histórico no processo de esvaziamento dos serviços públicos no Brasil. Sucessivamente, governos federais, estaduais e municipais estão privatizando ou terceirizando a prestação do serviço público, ou simplesmente diminuindo a prestação desse serviço por meio do enxugamento do Estado, que é a ideia de Estado mínimo neoliberal. Essa ideologia privilegia o serviço privado, alegando que ele tem melhores condições de atender a sociedade em suas demandas. Isso é falso, porque a lógica do setor privado é o lucro e não a prestação de serviços públicos e, desta forma, as empresas que assumem o papel do Estado nas mais diversas áreas, como na educação as escolas privadas ou na saúde os planos de saúde, tem dado mostras de uma incompetência para atender as demandas fundamentais da sociedade por causa de serviços mau prestados ou simplesmente não prestados, e a imprensa está recheada de críticas e reclamações a respeito do nível de ensino nas escolas privadas, básicas e de ensino superior, ou dos planos de saúde, que não dão a cobertura prevista nos contratos e muitas vezes descumprem as normas regulamentadas pela Agência Nacional de Saúde (ANS).
2o) O salário pago ao funcionalismo público, com exceção de áreas estratégicas ligadas à proteção do sistema capitalista e de suas redes de relações, como a justiça, por exemplo, é muito baixo em comparação ao salário pago pelo mercado. Isso significa que em setores estratégicos para o desenvolvimento do país, como educação e saúde, os salários pagos não atraem novos profissionais, que sentem que o serviço público é uma forma de desprestígio profissional, além de oferecer uma realidade em termos de renda que inviabiliza, no espaço de 8 horas trabalhadas por dia, se viver uma vida digna e decente, obrigando esses profissionais a trabalharem mais do que as 8 horas, em outros serviços, muitas vezes privados, se sobrecarregando, para obterem uma renda que mais ou menos os satisfaça em suas demandas.
3o) O descompromisso das elites dirigentes em relação ao serviço público, herança de um Brasil que sempre tratou desigualmente os pobres e que possui uma elite que olha mais para o exterior do que para o interior, que carece de um sentimento nacional, de compromisso com a sociedade brasileira, de responsabilidade de cumprimento de seus deveres na medida em que receberam o poder de governo por meio do voto popular democrático. Esse elitismo que existe na sociedade brasileira é um empecilho importante para a elaboração de políticas para o serviço público que efetivamente procurem dar conta da nossa realidade.
4o) A baixa auto estima dos servidores públicos, estigmatizados pela sociedade como incompetentes, porque a sociedade imbuída dos valores e ideais do neoliberalismo e do consumismo, só valoriza aquilo que é comprado. O serviço público também sai do bolso da classe trabalhadora e da classe média, por causa dos impostos, mas isso passa despercebido para muita gente, que olha o servidor público como um apadrinhado, como era no passado. Desta forma, é possível encontrar no serviço público muitos funcionários, nos mais variados setores, que são frustrados por se encontrarem em situação precária salarial e de prestígio, porque são contaminados pelo preconceito que percorre toda a sociedade.
5o) A pouca participação política da sociedade na esfera administrativa do serviço público, ou por desinteresse ou por falta de tempo ou por causa de mecanismos internos do próprio serviço público que não permitem tal participação. Isso significa que a sociedade não possui, efetivamente, mecanismos de controle da prestação dos serviços públicos pelo Estado. Muitas vezes os cidadãos fazem uma confusão entre serviço público, obrigação do Estado constitucionalmente, com benesses de políticos interesseiros, como vereadores que são meros despachantes do executivo. Mais democracia e empenho em participar das decisões do executivo e da administração permitiria uma prestação melhor do serviço público para toda a sociedade.
Enfim, apesar de elencar esses cinco fatores, creio que existam muito mais variáveis a serem analisadas a respeito dessa situação, que me parece muito importante, porque sou servidor público e procuro realizar meus deveres com dignidade e seriedade na escola em que leciono. Não é possível fraudar o livro ponto na escola. As 7 horas da manhã começam as aulas, os alunos estão presentes e se o professor não estiver, a escola requer um professor substituto, simplesmente, e o professor faltante será descontado em sua folha de pagamento. Também não é possível estar em sala de aula só de corpo presente, porque os 35 ou 40 alunos lá presentes irão incendiar a sala e o próprio prédio se o professor, simplesmente, por negligência e irresponsabilidade, se recusar a lecionar e ficar olhando para o teto da sala, sem dar atenção aos alunos.
Desta forma e guardadas as devidas proporções, o Estado tem também a função de fiscalizar os servidores públicos no seu cotidiano, avaliando o seu desempenho e, ao mesmo tempo, oferecendo condições de trabalho e salariais dignas para quem presta um trabalho tão significativo para a parcela mais pobre da população brasileira.