sexta-feira, 1 de julho de 2011

Alguns problemas do serviço público

Os jornais anunciaram há dias atrás uma máfia de servidores da saúde que fraudavam o livro ponto nos locais onde deveriam estar trabalhando, dedicando seus conhecimentos em benefício da população menos favorecida, que depende do serviço público para atendimentos relativos à saúde.
Isso é algo nefasto para toda a sociedade, a princípio, mas também é péssimo para a imagem que o servidor público tem para a sociedade.
Há um estereótipo de que o servidor público, ou funcionário público, não trabalha, não atende satisfatoriamente bem os usuários do serviço público e esse tipo de conduta colabora para que essa imagem fique solidificada na memória da população.
Antes da república, o serviço público no Brasil era uma forma de atender clientelisticamente os apadrinhados políticos, e o funcionário não tinha qualquer compromisso com a prestação de serviços à comunidade. Eram nomeados por padrinhos políticos, geralmente "coronéis", que por meio de rede de influências dentro e fora do Estado, nomeavam seus protegidos, cometendo o que hoje é considerado crime de nepotismo.
Mesmo após a criação da república essa situação se manteve. Na Primeira República, na Era Vargas, no período de 1945 a 1964 e, muito especialmente, de 1964 a 1985, durante a ditadura militar brasileira. No estado de São Paulo o ex-governador Paulo Maluf aprovou, na Assembléia Legislativa, uma lei que autorizava o executivo nomear, sem concurso público, temporariamente, funcionários estaduais para preencher lacunas nos quadros de servidores, por exemplo.
Após a constituição de 1988 o serviço público passou a ser prerrogativa de alguém que tenha passado em concurso por mérito, isto é, de forma transparente e democrática, qualquer pessoa de naturalidade brasileira, pode, por meio de prova auditada por institutos credenciados junto ao Estado, e possuindo os requisitos previamente destacados nos editais, prestar um concurso para se tornar servidor público nos três níveis, municipal, estadual e federal.
Parecia que o problema da inadequação do comportamento dos antigos servidores públicos tinha sido resolvido mas, qual o que, isso não aconteceu.
Quais seriam os fatores que impedem o bom desempenho do servidor público dentro de uma Estado democrático de Direito, como o que existe hoje em nosso país?
Não sei se vou conseguir elencar todos os fatores, mas pelo menos abro caminho para uma discussão que me parece muito séria, porque a maior parte da população brasileira, que é pobre, depende dos serviços públicos em vários setores de suas vidas.
1o) O modelo neoliberal que foi implantado no continente latino-americano a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 é um fator macro-histórico no processo de esvaziamento dos serviços públicos no Brasil. Sucessivamente, governos federais, estaduais e municipais estão privatizando ou terceirizando a prestação do serviço público, ou simplesmente diminuindo a prestação desse serviço por meio do enxugamento do Estado, que é a ideia de Estado mínimo neoliberal. Essa ideologia privilegia o serviço privado, alegando que ele tem melhores condições de atender a sociedade em suas demandas. Isso é falso, porque a lógica do setor privado é o lucro e não a prestação de serviços públicos e, desta forma, as empresas que assumem o papel do Estado nas mais diversas áreas, como na educação as escolas privadas ou na saúde os planos de saúde, tem dado mostras de uma incompetência para atender as demandas fundamentais da sociedade por causa de serviços mau prestados ou simplesmente não prestados, e a imprensa está recheada de críticas e reclamações a respeito do nível de ensino nas escolas privadas, básicas e de ensino superior, ou dos planos de saúde, que não dão a cobertura prevista nos contratos e muitas vezes descumprem as normas regulamentadas pela Agência Nacional de Saúde (ANS).
2o) O salário pago ao funcionalismo público, com exceção de áreas estratégicas ligadas à proteção do sistema capitalista e de suas redes de relações, como a justiça, por exemplo, é muito baixo em comparação ao salário pago pelo mercado. Isso significa que em setores estratégicos para o desenvolvimento do país, como educação e saúde, os salários pagos não atraem novos profissionais, que sentem que o serviço público é uma forma de desprestígio profissional, além de oferecer uma realidade em termos de renda que inviabiliza, no espaço de 8 horas trabalhadas por dia, se viver uma vida digna e decente, obrigando esses profissionais a trabalharem mais do que as 8 horas, em outros serviços, muitas vezes privados, se sobrecarregando, para obterem uma renda que mais ou menos os satisfaça em suas demandas.
3o) O descompromisso das elites dirigentes em relação ao serviço público, herança de um Brasil que sempre tratou desigualmente os pobres e que possui uma elite que olha mais para o exterior do que para o interior, que carece de um sentimento nacional, de compromisso com a sociedade brasileira, de responsabilidade de cumprimento de seus deveres na medida em que receberam o poder de governo por meio do voto popular democrático. Esse elitismo que existe na sociedade brasileira é um empecilho importante para a elaboração de políticas para o serviço público que efetivamente procurem dar conta da nossa realidade.
4o) A baixa auto estima dos servidores públicos, estigmatizados pela sociedade como incompetentes, porque a sociedade imbuída dos valores e ideais do neoliberalismo e do consumismo, só valoriza aquilo que é comprado. O serviço público também sai do bolso da classe trabalhadora e da classe média, por causa dos impostos, mas isso passa despercebido para muita gente, que olha o servidor público como um apadrinhado, como era no passado. Desta forma, é possível encontrar no serviço público muitos funcionários, nos mais variados setores, que são frustrados por se encontrarem em situação precária salarial e de prestígio, porque são contaminados pelo preconceito que percorre toda a sociedade.
5o) A pouca participação política da sociedade na esfera administrativa do serviço público, ou por desinteresse ou por falta de tempo ou por causa de mecanismos internos do próprio serviço público que não permitem tal participação. Isso significa que a sociedade não possui, efetivamente, mecanismos de controle da prestação dos serviços públicos pelo Estado. Muitas vezes os cidadãos fazem uma confusão entre serviço público, obrigação do Estado constitucionalmente, com benesses de políticos interesseiros, como vereadores que são meros despachantes do executivo. Mais democracia e empenho em participar das decisões do executivo e da administração permitiria uma prestação melhor do serviço público para toda a sociedade.
Enfim, apesar de elencar esses cinco fatores, creio que existam muito mais variáveis a serem analisadas a respeito dessa situação, que me parece muito importante, porque sou servidor público e procuro realizar meus deveres com dignidade e seriedade na escola em que leciono. Não é possível fraudar o livro ponto na escola. As 7 horas da manhã começam as aulas, os alunos estão presentes e se o professor não estiver, a escola requer um professor substituto, simplesmente, e o professor faltante será descontado em sua folha de pagamento. Também não é possível estar em sala de aula só de corpo presente, porque os 35 ou 40 alunos lá presentes irão incendiar a sala e o próprio prédio se o professor, simplesmente, por negligência e irresponsabilidade, se recusar a lecionar e ficar olhando para o teto da sala, sem dar atenção aos alunos.
Desta forma e guardadas as devidas proporções, o Estado tem também a função de fiscalizar os servidores públicos no seu cotidiano, avaliando o seu desempenho e, ao mesmo tempo, oferecendo condições de trabalho e salariais dignas para quem presta um trabalho tão significativo para a parcela mais pobre da população brasileira.

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