sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A vitória do Lula, da Dilma e do PT nas eleições de 2010...













No dia 31 de Outubro passado, os eleitores brasileiros, com uma margem de aproximadamente 12 milhões de votos, determinaram a vitória da Dilma Roussef, candidata do PT para a presidência da república. A partir de um importante artigo escrito pelo professor de Ciência Política André Singer, publicado na revista Novos Estudos de Dezembro de 2009, pretendo explicar as razões do sucesso que, acredito, seja de extrema importância para o futuro da sociedade brasileira, especialmente para os mais pobres.
A questão deve ser iniciada pela trajetória do PT ao longo de duas décadas a partir de sua formação, em 1980. O discurso do PT até a eleição de 2002 era um discurso pretensamente "revolucionário", que apostava no risco de subverter a ordem institucional e econômica como meio indispensável para a construção da justiça social. Desta forma, pode-se observar que nas campanhas eleitorais majoritárias o partido teve sucessivas derrotas. Isso se deveu ao fato de que o principal reduto eleitoral petista encontrava-se no proletariado que se aproximava da classe média, como os operários do ABC paulista, que além de possuírem um nível de renda superior ao proletariado tradicional brasileiro, assim como professores e funcionários públicos em geral, também possuíam carteira de trabalho com registro da empresa, o que dava a esse público um caráter social de formalidade e, desta forma, maior acesso ao crédito, por exemplo.
A grande massa do eleitorado brasileiro, que segundo Singer pode ser denominada de "subproletariado", que recebe per capita por família menos de dois salários mínimos e que trabalha na informalidade, e que constitui quase 50% do eleitorado nacional, não votava no PT. O discurso "revolucionário" do partido contrariava a ideologia predominante nesse setor que procura dar maior importância a "ordem" estabelecida, que Singer designa como "conservadorismo", como requisito básico para mudanças sociais e econômicas. Esse descompasso entre o ideário do PT e do "subproletariado" gerou uma contradição no discurso da "esquerda" brasileira no período de 1980 a 2002, qual seja, a de que esse segmento majoritário da sociedade não estava disposto a deixar de lado seu conteúdo "conservador" para apostar em um partido que julgava ser necessário subverter a "ordem" burguesa e política-institucional do país para a realização de uma possível justiça social.
Isso pode ser verificado, no dizer de Bresser Pereira, que participou como debatedor da exposição do André Singer no Instituto de Estudos Avançados da USP no final de 2009, com a relação que ele estabelece entre a criação do plano real pelo Fernando Henrique Cardoso em 1994 e a posterior eleição e reeleição do eminente sociólogo para a presidência da república em 1994 e 1998. O "subproletariado" votou em FHC e não votou no Lula porque FHC e a coligação partidária estabelecida pelo PSDB na época garantiu o fim da inflação alta que o país vivia desde o início da década de 1980 e, desta forma, garantiu a "ordem", pois todos nós sabemos o desastre que é para a vida cotidiana de um trabalhador assalariado, mesmo ou principalmente de maneira informal, a desvalorização da moeda e a carestia de vida.
O PT, na campanha de 2002, mudou o discurso, justamente no sentido de conseguir o apoio dos eleitores de baixa renda. Foi por essa razão que o Lula apostou na afirmação constante de que não iria modificar o plano real, mesmo que isso significasse uma sobrevalorização da moeda nacional e produzisse dificuldades no setor exportador da economia e, ao mesmo tempo, atacou de maneira incisiva a questão dos investimentos sociais, para a geração de uma distribuição de renda que melhorasse significativamente a situação de vida de milhões de brasileiros.
É nesse cenário que Lula vence tanto em 2002 como em 2006 e, durante seus dois governos, ele simplesmente multiplicou por 13 os investimentos na área social se comparados aos realizados durante os dois governos de FHC, além de ter ampliado o emprego formal, com carteira assinada, para 15 milhões de brasileiros, ter retirado da situação de pobreza 20 milhões que adentraram à classe média, ter ampliado grandemente o crédito, especialmente o consignado com juros muito baixos, o que facilitou a ampliação do consumo, ter concedido o "bolsa família" para milhões de pobres e miseráveis que passaram a ter o direito de se alimentar com dignidade e, para não me estender muito, ter criado o PROUNI que permite a existência hoje de 700 mil jovens nas universidades privadas com bolsa do governo federal.
Desta forma, com a garantia da manutenção da "ordem" e com os investimentos sociais, Lula e o PT conseguiram aquilo que José Álvaro Moisés, cientista política da USP, afirmou ser o paradigma da "confiabilidade institucional" que o "subproletariado" passou a ter no Estado brasileiro governado pelos petistas.
Na medida em que esse processo se consolida em 2010 com um índice de aprovação de quase 80% do presidente Lula pela sociedade brasileira, a candidata Dilma procurou fazer uma discurso, durante a campanha eleitoral, que garantisse não somente a confiança do eleitor, especialmente de origem mais pobre na manutenção da "ordem conservadora", isto é, não tocar de forma alguma nos valores burgueses e tradicionalistas, inclusive religiosos, que fundamentam a ideologia de grande parcela da população brasileira, como também de garantir a continuidade do processo de distribuição de renda, que é uma ampliação do que o governo Lula está realizando e realizará até o final do mandato do presidente em 31 de Dezembro de 2010.
Enfim, creio que seja importante essa análise para que o leitor compreenda como se processa a política no plano da ética pública, deixando de lado avaliações infantis dos candidatos a partir do que aparece na publicidade divulgada pelos meios de comunicação e, principalmente, no que diz respeito a julgamentos apressados baseados em relações de simpatias ou antipatias sobre esse ou aquele candidato ou partido.
Só para terminar com a citação de um clássico, Maquiavel, logo no início do livro "O príncipe", escreve que não se propôs a desenvolver seu projeto em homenagem ao governante de Florença, na Itália, Lourenço de Médicis, com base no que a Filosofia tinha dito até aquele momento sobre a política, qual seja, de que é o campo do vir-a-ser, do idealizado, como queria Aristóteles em seu livro "A política", mas que ele tinha como objetivo dizer o que é a política, observando da maneira mais objetiva possível o campo da realidade, isto é, a questão do poder. Porém, o poder, que é uma força e que fundamenta o campo da política, pode ser utilizado para melhorar ou não melhorar as condições de vida de um povo, mesmo assumindo sua fragilidade diante de um poder contrário, que é aquele possuído e exercido pelas classes dominantes.

Um comentário:

  1. Pai,
    a revista caros amigos de setembro deste ano, traz uma entrevista com o André Singer. Ele fala sobre o termo lulismo e comenta sobre o "subproletariado" que atualmente é uma das principais bases eleitorais de Lula e agora, de Dilma.
    Por lulismo ele trata de uma reorganização do eleitorado: parte da classe média deixou de votar em Lula e foi substituída por uma grande quantidade de pessoas de baixa renda (acho que vc trata bem no texto sobre o que atraiu esses novos eleitores e o que solidificou o apoio deles em Lula/ PT). Ele sublinha a característica desse subproletariado como altamente conservador, apegado à ordem...como vc também escreve no texto.
    Sem tempo para comentar mais, conversamos depois!
    Beijo!
    Mari.

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