segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O poder disciplinar e as favelas















Durante toda a última semana a mídia veiculou diversas notícias sobre confrontos entre narcotraficantes e a polícia carioca, que resultou na destruição de mais de uma centena de veículos e a morte de algumas dezenas de pessoas, principalmente suspeitos de estarem vinculados ao tráfico de drogas.
A questão é antiga, pois confrontos dessa natureza existem há pelo menos quarenta anos no Rio de Janeiro, quando o narcotráfico se estabeleceu nas favelas nos morros do Rio. Porém, o problema social é mais antigo ainda.
O Estado brasileiro, que sempre serviu às elites sociais e econômicas, manteve em constante estado de precariedade no que diz respeito aos serviços públicos as comunidades de favelados, não somente no Rio, mas em diversas outras regiões do Brasil, permitindo uma situação de indigência de moradia, transporte, saneamento, saúde, educação entre outras coisas. Pode-se dizer que a questão da favela acompanha a história da República brasileira desde sua proclamação em 15 de novembro de 1889.
São centenas de milhares de brasileiros, geralmente negros e pardos, a quem é negada a cidadania. A grande maioria procura trabalho e, quando encontra, é de péssima qualidade e baixa remuneração. As comunidades estão organizadas como uma teia de compromissos morais de assistência mútua, que procura substituir a ausência do Estado.
É nesse local que o narcotráfico se organizou, porque os morros estão alienados do poder policial, do Estado e, ao mesmo tempo, apresentam condições topográficas e urbanísticas que facilitam ações de defesa e vigilância.
Os moradores dessas favelas foram obrigados a conviver com criminosos que partilham com eles o mesmo espaço e o Estado não se preocupou em criar condições de vida que permitam aos jovens que nasceram nas favelas melhorarem suas condições sociais. Acabaram, alguns dentre eles, sendo aliciados pelo tráfico.
Quando o Estado, por meio da polícia, sobe o morro, é para matar e não para estabelecer políticas de prevenção à marginalidade criminosa. E isso foi visto esta semana pela mídia e, ao invés de ser denunciado o Estado como o grande ausente nesse processo, o que configurou a formação de guetos, foi glamourizado pelos jornalistas como capaz de dominar o crime.
Michel Foucault, filósofo francês morte em 1984, diria que o poder está disseminado em todos os ambientes sociais, e isso não deixa de lado a favela. Os moradores estão à mercê dos narcotraficantes e dos policiais, quando um ou outro controlam o espaço geográfico local. Porém, a favela não está integrada ao espaço urbano carioca, porque é vista pela elite política e social da cidade de do país, como constituída por pessoas desqualificadas que preferem o narcotráfico à ordem pública e social do Estado. Essa mentira foi desmascarada nas inúmeras declarações de moradores sobre o bem da ação policial, apesar da morte de inocentes na repressão.
Agora, com as UPPs sendo instaladas nos morros, por causa da copa e das olimpíadas, a favela passará a ser controlada por um novo poder, o poder disciplinar. Agora, as casas terão números, os carteiros levarão até os novos cidadãos as contas de água e de luz e as instituições sociais iniciarão um processo de inclusão social dos moradores no grande sistema anunciado por Foucault como o do poder disciplinar.
O Estado que não controlava ninguém, agora irá controlar tudo. Não se trata de uma questão de julgar que tipo de controle é mais vantajoso, o do narcotráfico ou da polícia, mas de constatar que o poder está definitivamente instalado em todos os meandros sociais do país, inclusive nas favelas, corrompendo as liberdades e restringindo a cidadania a ações pontuais marcadas pela despolitização.

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