quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sobre o olhar...



Estamos mais do que acostumados a olhar o mundo ao nosso redor por um determinado prisma. Muitas vezes, a perspectiva de nosso olhar é resultado de uma imersão que fazemos, por meio do processo de socialização, na cultura que predomina na sociedade. No nosso caso, que vivemos em uma sociedade capitalista, nosso olhar se detém nos ícones desse tipo de sociedade, que valoriza o individualismo e o consumismo. José Saramago disse uma vez, em seu tom corrente de pessimismo, que estava, quando criança, em um teatro de Lisboa e que acima de um camarote havia o símbolo da realeza portuguesa, muito rico em detalhes e beleza. Porém, como sentava em uma posição oposta, podia ver que o tal símbolo, um objeto de madeira rebuscada, era oco por dentro e estava completamente cheio de teias de aranha. Esse depoimento permite refletir sobre a necessidade de se olhar a totalidade e não somente as partes. O olhar da totalidade traz à tona realidades nunca antes vistas e, desta forma, agudiza nossa percepção da verdade e nos ilumina sobre o que pode estar em questão. Saramago cita, em seu depoimento, que no mundo em que vivemos estamos realmente dentro da caverna de Platão e, assim como os prisioneiros descritos no livro "A República", estamos vendo sombras impressas na parede da caverna e pensando serem essas sombras a realidade e a verdade das coisas. Portanto, o romancista português nos orienta a refletir sobre o olhar e suas possibilidades de ilusão. O encobrimento da realidade nos coloca diante de falsas verdades que nos manipulam e, como um fetiche, nos fazem pensar e agir de acordo com os interesses que dominam a sociedade. Vivemos em um mundo audiovisual e isso significa que somos bombardeados por imagens o tempo todo. O que essas imagens querem dizer? Na maioria das vezes querem dizer para comprarmos algo que nos tornará felizes. Mas quem diz que o consumismo nos torna felizes quer, de fato, vender mercadorias ou serviços como se fossem necessidades prementes de nossa existência. De fato, o que acontece, é que não temos mais tempo. O tempo nos é escasso e isso nos impossibilita a reflexão sobre a realidade. Um reflexão crítica que nos tornaria agentes da transformação.

Saramago escreveu o "Ensaio sobre a cegueira". Ele tem uma visão negativa, pessimista, da natureza humana. No livro ele narra a que ponto os homens podem chegar em termos de selvageria e barbária quando estão "cegos". No livro estão cegos mesmo, mas em uma sociedade ideológica, que manipula o olhar humano, estamos "cegos" mesmo vendo, só que vendo aquilo que inviabiliza e impossibilita a transformação. No "Evangelho segundo Jesus Cristo", Saramago fala de um Deus vaidoso, que condena seu primogênito ao sacrifício para não ser mais somente o Deus de um povo inexpressivo, os judeus, e tornar-se um Deus de toda a humanidade, mesmo que isso traga as guerras de religião, a intolerância e a violência.

Não compartilho essa noção de natureza humana pessimista de Saramago. Creio que podemos exercitar o nosso "olhar" em outras direções, não abandonarmos a utopia. Mas também não creio em uma esperança idealizada. Nesse ponto continuo firme com Sponville. Creio que podemos "olhar" o outro em seu sofrimento e não banalizarmos isso. Nos tornarmos solidários e ajudá-lo a empurrar sua pedra de Sísifo para o alto do rochedo, mesmo sabendo do absurdo da vida. Mas se a vida é absurda, como dizia Camus, podemos criar um sentido para ela, um sentido revitalizador, cheio de vida, de misericórdia, de solidariedade, de fraternidade. Para que isso possa acontecer, o nosso "olhar" deve ser crítico e nossas atitudes coerentes com o sentimento desperto pela reflexão. Olhar, pensar e agir, eis a questão!!!

Um comentário:

  1. Meus parabéns...
    Voce é uma das poucas pessoas com esse olhar crítico nesse país. Concordo com quase tudo, realmente o olhar tem de ser crítico para podermos agir (haja visto o Brasil). Mas não acho que seja só o olhar que "eles" estão nos tampando... São as orelhas, a boca, TUDO!
    Ou voce acha que o Jornal Nacional é inteiro verdade...?
    Outra coisa, nunca vi o Jornal Nacional dar opinião de expectadores, o que é um absurdo... O que é jornalismo público senão intervenção popular?
    Só sei de uma coisa Paulo... Estou cansado de pessoas acomodadas...

    Abraço, até a próxima...

    Eu também tenho um blog político: masqueputariaeessa.blogspot.com

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