domingo, 28 de fevereiro de 2010

"Há juízes em Berlim!"



A frase "há juízes em Berlim", retirada de uma peça literária do século XVIII, durante o reinado de Frederico II na Prússia, serve de mote para uma reflexão sobre a Justiça no Brasil. A questão da separação dos poderes, anunciada por Montesquieu no "Espírito das Leis" e colocada em ação na Inglaterra parlamentar a partir do século XVIII, tornou-se universal no século XX. Nesse sentido, os juízes tornaram-se elementos chave no processo de constitucionalização do país. Isso quer dizer que as decisões judiciais na história recente do Brasil têm manifestado um grau de estatalidade, de acordo com o conceito elaborado por Fukuyama, que permeia a estabilização institucional brasileira no século XXI. Se levarmos em consideração a história recente do Direito, podemos notar que o positivismo jurídico do século XIX se traduziu em uma separação radical entre o Direito e a Ética. Há alguns anos atrás não era difícil encontrar um profissional do Direito que afirmasse que "a lei pode ser imoral, mas é a lei". Essa afirmação contraria a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e, em um sentido histórico, legitima a ausência de reflexão pelos magistrados e outros agentes públicos em períodos históricos paradigmáticos, como foi o nazismo na Alemanha dos anos 1930 e 1940. Naquele momento, as autoridades públicas, vinculadas ao Estado, agiam de acordo com a lei, sem levar em consideração os aspectos éticos do processo legislativo e da própria legislação, além de não levar em conta os resultados no longo prazo de suas decisões, alegando que estavam observando o Direito positivo imposto pelo Estado e que não cabia a eles uma crítica do texto legal. Essa ausência de compromisso com o humanismo, típica do positivismo jurídico, já muito bem analisado por Bobbio em um livro específico, procurava isentar a consciência da autoridade pública, judiciária ou policial. Pois bem, contemporaneamente, em termos de Brasil, após a constituição de 1988, os juízes têm podido arbitrar com maior liberdade e autonomia, pois o constitucionalismo brasileiro abre brechas para a criação de sentenças que levem em consideração a autonomia subjetiva do magistrado. E isso vem de encontro com um problema que considero relevante: até que ponto a legislação deve prevalecer sobre a autonomia do magistrado ou o contrário? Se pensarmos a democracia como o governo que promove decisões consensuais com base no debate público, segundo afirma Gunter Axt, devemos levar em consideração que o excesso de subjetividade na construção da sentença e, no caso do Supremo Tribunal Federal, a criação de uma jurisprudência que impacta a atuação dos juízes de primeira instância, creio que devemos buscar em Aristóteles a definição de virtude, como o meio termo, a moderação, a temperança. Isso quer dizer que o Direito não deve prevalecer sobre a moral, a ética, a tradição e muito menos o debate público e, ao mesmo tempo, deve servir de paradigma para a atuação das autoridades judiciárias no sentido de vincularem suas decisões ao consenso social, público, e não somente em seus juízos subjetivos. Do contrário, se não for encontrado o meio termo, estaremos constantemente ameaçados com a perda de autonomia do judiciário, por um lado e, do outro, da consciência do juíz, muitas vezes vinculada à sua história pessoal. Nada de afirmar "a lei é dura, mas é a lei", sem críticas e reflexões e, ao mesmo tempo, nada de autorizar um posicionamento pessoal, subjetivo, no processo de construção da jurisprudência. Democracia e debate público andam de mãos dadas!

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