sexta-feira, 16 de julho de 2010

Criação imperfeita...




Terminei de ler o mais recente livro do Marcelo Gleiser, renomado físico brasileiro que leciona nos Estados Unidos e colabora com artigos na Folha de São Paulo todos os domingos. O livro é uma provocação reflexiva sobre o cosmo, a vida e o código oculto do universo, como se refere o próprio autor ao subtítulo do livro "Criação Imperfeita", publicado pela Record.

Adorei a análise, bastante didática aliás, do autor sobre a relação entre Pitágoras, o monoteísmo (judaísmo, cristianismo e islamismo) e as diversas tentativas científicas de se encontrar uma unidade cósmica. Em relação a Pitágoras, considerado pela tradição filosófica como um pré-socrático, temos a questão da matemática, em especial a geometria e mais especialmente ainda o círculo, enquanto uma idéia perfeita e simples. O quanto seu pensamento, hoje reduzido a comentaristas e talvez a fragmentos, influenciou Platão em sua teoria das Idéias. Trata-se da questão do movimento intelectual da abstração dos entes materiais em conceitos simples e perfeitos. É a visão que o filósofo encontra ao sair da caverna, citada no livro "República". Já o monoteísmo, que remonta segundo documentos históricos a Akenaton no Antigo Egito por volta de 1350 a.C. procura, de forma mítica, na figura de um Deus único (e daí surge a intolerância religiosa que tem até hoje provocado tantas guerras e violências) o demiurgo platônico, o Criador do que existe. Do ponto de vista cultural e histórico, essa busca pela unicidade contaminou a ciência a tal ponto que ainda hoje, talvez na mesma proporção que no século XVI ou XVIII, levou a concepções como o "Deus relojoeiro" de Voltaire ou a hipótese de Stephen Halkins sobre a criação do "Big Bang". Gleiser se comporta como Michel Onfray na Filosofia, realizando uma contra-história. Enquanto Onfray prefere os materialistas e hedonistas, Gleiser sugere como fundamento da "criação" e da "existência", inclusive e principalmente a nossa (denominada por ele de "humanocentrismo"), a imprevisibilidade, a imperfeição, o acaso que, tomado como exemplo, pode ser simplificado no movimento aleatório das partículas atômicas.

Querer uma teoria da perfeição ou uma idéia de um Deus perfeito, que deve ser relacionadas a visão pitagórica e platônica de que a verdade está na beleza (perfeição), é uma hipótese que deve ser descartada a despeito de tantas contra-provas científicas em vários campos do conhecimento.

Eleger a imperfeição significa abrir espaço para a individualidade, para a possibilidade criativa, contra o determinismo e, desta forma, no campo ético, investir na frase de Nietzsche em "Assim Falava Zaratustra" de que somente quem é ave pode voar sobre o abismo...

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