sábado, 7 de novembro de 2009

O eterno retorno




Neste segundo semestre de 2009 procurei fazer uma leitura de alguns filósofos ateus que me possibilitassem uma reabilitação do cristianismo. Pode parecer paradoxal, mas o fato é que me empenhei nesse processo. Com Schopenhauer descobri que a vida é dor e sofrimento e também o tédio. A solução dele é o isolamento, o ascetismo, um ser antisocial, e isso não me interessa de forma alguma. Eu acho que ele tem razão quando diz que a maioria dos seres humanos são néscios, medíocres e, por não terem idéias para dialogar, no sentido socrático, jogam e trocam cartas. Porém, eu não concebo a minha vida como isolamento. Gosto das pessoas. Tenho minhas manias. Atiro garrafas no palco quando vou ouvir rock e os músicos da banda resolvem "azarar" umas meninas idiotas e mandam um "breganejo". Mas, na maioria das vezes sou bastante tolerante. Não me afino com a negação do mundo. Na verdade, eu quero o mundo. Eu quero as pessoas. Gosto do Sartre quando diz que, apesar do inferno serem os outros, são exatamente os outros que me propiciam a possibilidade de captar, mesmo que por uns meros instantes, minha essência. Lembrem-se de que, para ele, a existência precede a essência. Então, Schopenhauer me foi útil para confirmar que a vida é dor e tédio. Mas aí eu parto para o Nietzsche e descubro, preliminarmente, que somos uma jóia preciosa nos confins do universo. Fruto do acaso, somos seres pensantes que buscam construir um sentido para si mesmos, mesmo que esse sentido careça de qualquer legitimidade. Nietzsche diz, categoricamente, torna-te quem tu és! E me proponho a isso mesmo. Em "A gaia ciência", esse elegante e, ao mesmo tempo, desajustado alemão, afirma que devemos amar, incondicionalmente, a vida, em tudo aquilo que ela nos oferece, tanto coisas boas como más. É o "amor fati". Com a idéia do "eterno retorno", ele me mostra que viver o presente, sem se preocupar com o passado e com o futuro, é a única razão para se viver. Viver o presente como se ele fosse eterno e retornasse pela eternidade para nós mesmos. Uma afirmação dionisíaca da vida, com um toque de equilíbrio e harmonia, portanto beleza, do deus Apolo. Nietzsche me inspira a aceitar a mim mesmo e a todos os demais seres humanos. Cristo, segundo os evangelhos, afirmou certa vez que devemos amar o próximo como a nós mesmos. Eu entendo que essa afirmação quer significar que se eu não me amar intensamente primeiro, não poderei amar qualquer outra pessoa e que, amar a si mesmo, é permitir-se uma ética do querer, sem correr o risco de uma prática que não leve em consideração a moralidade, apesar dele entender a moralidade como a ética "cristã" do século XIX luterano alemão. Para mim, Nietzsche apregoa uma moralidade de afirmação da vida e não de negação. Se não fosse assim, porque Zaratustra teria descido a montanha para falar aos ressentidos. A moral dos escravos não os impede de almejarem e alcançarem a moral dos senhores, enquanto glória, honra, coragem e destemor. Cristo, diante dos vendilhões do templo, chutou literalmente as pessoas. O sentido do oferece a outra face deve ser repensado, porque a instituição religiosa cristão, seja católica ou protestante, tratou de interpretar e reinterpretar o que Cristo falou segundo os interesses do clero que, por ser institucionalizado, não tem nada de espiritual, mas radicalmente de mundano. De fato, o que me interessa é a possibilidade de me relacionar com os seres humanos e vê-los como espelho que me dirão, de uma forma ou de outra, por meio de olhares ou palavras, que estou agindo certo. É por isso que me empenhei em ler Sartre, especialmente o "O existencialismo é um humanismo". Lá, naquele texto, Jean-Paul deixa claro que é o outro que me permite a compreensão de minha essência, na medida em que sou um ser histórico e social e me contruo por meio de minhas ações. Todas as minhas ações são pautadas no princípio da liberdade, que é a condenação do humano. Todos estamos condenados à liberdade. E isto, para mim, significa que não há nada exterior a mim mesmo que legitime as minhas escolhas. Devo pautar minhas escolhas no único valor moral que realmente existe, que é a vida. Portanto, Sartre me pacifica com a humanidade, por mais medíocre que possa se manifestar enquanto fenômeno, porque ela é que me proporciona a oportunidade de me ver, mesmo que por um relance, como alguém inteiro. No meio do caminho li Kafka e seu conto "A metamorfose". Gregor se transformou ou foi transformado em um inseto? Essa questão é intrigante para mim, porque entendo que o protagonista do conto não somente se transformou, como quis essa transformação, agindo com um conformismo que me remete a moral do rebanho citada por Nietzsche. O que eu quero fazer de minha vida? Essa questão deve pautar a consciência de todos os seres humanos porque, do contrário, todos nos tornaremos insetos. Não quero ser um inseto, quero ser um humano. Aí vem Sartre e, com ele, a dimensão da coletividade. Cristo certa vez disse que aquele que quiser me seguir deve abandonar pai e mãe. Sartre, em sua biografia, deixa claro suas opções no tocante à família. Nada deve se interpor entre a ética do querer e sua realização. Veja só Gregor, o protagonista kafkiano. Ele nega a sua vida em prol de uma família que, no final das contas, é responsável pela sua morte. Que venha a família com todas as suas alegrias, mas nada de se deixar usar por aqueles que só têm com vc laços genéticos. Meus verdadeiros amigos são aqueles que se importam comigo. Caminhando para o final, releio Camus e o mito de Sísifo. Vou ao fundo do fundo do absurdo da existência humana. Mas sei que ainda é possível dar um sentido à vida, mesmo que ela própria não tenha nenhum sentido. Então me socorro com Sponville e sua felicidade desesperadamente. A idéia de Sponville é muito tocante e radical. Não devo idealizar a realidade. Ela é o que é e pronto. Com relação ao passado, sou grato por tê-lo vivido como uma eternidade e ter tido com ele um grande aprendizado. Com relação àqueles que me odeiam, simplesmente misericórdia, pois nada mais posso fazer a respeito. Em relação ao futuro, o desespero, a ausência de esperança, porque o futuro não me diz respeito e não quero viver minha vida de expectativas. Quero viver minha vida de experiência concretas. Quero dizer sim ao mundo. Quero a salvação! O paraíso está em Cristo, não como Deus, porque não o é. Aliás, como ele poderia ter convencido aquele bando de ignorantes se não tivesse se intitulado Deus? Vejo as parábolas como alegorias de uma realidade de vida, do agora e do presente. Deixo de lado as metáforas de um além túmulo para abraçar o presente em toda a sua intensidade. Ressucitar Lázaro é uma metáfora de ressucitar a si mesmo. Uma leitura cheia de contradições e de interrogações, mas me permito fazê-la não somente em função de meu liberalismo, pois não somente posso como quero pensar o que quiser, mas principalmente porque o dizer de Paulo de Tarso sobre se eu ainda falasse a lingua dos homens, ou se eu falasse a lingua dos anjos, sem amor eu nada seria. Quero amar minha vida e a vida dos outros, sem justificação. Apenas o desejo do amor nutre minha existência e é sua proximidade com minha vida que me movimenta para frente, para a direção do Paraíso aqui nesse planetinha esquecido no último rincão do universo. Quero ser como o saveiro que sai para o mar sem pressa, saboreia as suas águas e brisa e, ao final da tarde retorna para a praia, carregado ou não de peixes, pois isso pouco importa, mas que está disposto, no dia seguinte, a se aventurar novamente por entre as ondas e o verdume, como uma estrela solitária no céu negro, capaz de tingir de coragem e bravura pela vida o coração dos homens. E como diz o sambista: fim de papo!

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