segunda-feira, 29 de junho de 2009

Uma breve análise da história de São João da Boa Vista















Essa é uma visão panorâmica da cidade de São João da Boa Vista, onde moro. A cidade é encantadora e me acolheu de braços abertos desde que vim para cá pela primeira vez, em 1981. Foi aqui onde realizei meu primeiro curso de graduação, em Ciências Sociais. Também foi onde comecei a lecionar, em 1983, na atual Unifeob (Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos), a disciplina de História no ensino médio. São João é uma cidade que possui uma história muito interessante. Fundada na década de 1820 por uma família que veio de Minas, com escravos e que, após a construção de uma capela, onde hoje se encontra a igreja matriz, doou as terras ao redor para os agregados formarem o primeiro povoado.
Como atesta a história brasileira, o século XIX foi marcado na cidade pela concentração fundiária e pela divisão da sociedade em grandes proprietários de terras e escravos, trabalhadores brancos livres e pobres e escravos negros. A partir da segunda metade do século XIX começam a chegar os primeiros imigrantes europeus que foram trabalhar na lavoura do café e também como artesãos, comerciantes e profissionais liberais na cidade. Porém, o poder político estava concentrado nas mãos de poucas famílias de cafeicultores.
A partir da década de 1870 uma parcela considerável dos proprietários de terras e escravos e das famílias de imigrantes que ascenderam socialmente, optaram pelo movimento republicano. Este deve ser distinguido do abolicionismo. Os proprietários de escravos eram republicanos em nome da descentralização do poder político em relação ao Rio de Janeiro, mas não abdicavam do direito de possuírem escravos. Inclusive existem registros sobre posturas municipais segregacionistas da década de 1880 em relação aos negros da cidade, assim como registros de revoltas de escravos em algumas fazendas, reprimidas por tropas da província e pela guarda nacional dos proprietários de terras da cidade.
Com relação aos imigrantes, esses assumiram uma postura diferente da dos imigrantes operários que foram trabalhar nas fábricas da cidade de São Paulo e fundaram sindicatos com orientação anarquista. As famílias dos imigrantes de São João procuraram se integrar na sociedade conservadora local dos grandes proprietários, por meio de participação direta nas discussões política e práticas de clientelismo marcadas pela criação de laços de vínculo morais como o compadrio e o casamento.
A memória histórica da cidade se concentra, principalmente, na figura dos grandes proprietários de terras que eram membros da guarda nacional e possuiam patentes de coronéis, majores e capitães. Alguns imigrantes europeus, no início do século XX, passam a inovar e modernizar a cidade a partir da publicação do primeiro jornal em 1906, assim como a difusão da escolarização primária e de uma vida cultural mais intensa.
Os pobres da cidade, tanto brancos como negros passaram as primeiras décadas do século XX discriminados em bairros considerados populares e sem acesso à educação formal e ao mercado de trabalho com remuneração digna. Porém, essa exclusão não os mobilizou em movimentos sociais com o objetivo de ampliar sua cidadania. Houve um processo de acomodação social, com base na aculturação e no reconhecimento de uma supremacia das famílias dos grandes proprietários de terras e de uma classe média oriunda da imigração que passa a participar mais ativamente da vida política local quando da proclamação da República.
A história de São João no século XX, a partir dessa perspectiva, é uma história marcada pela desigualdade social que pode ser evidenciada no processo de ocupação do espaço urbano. A região central da cidade é a privilegiada, especialmente no entorno das duas principais praças da cidade. As famílias de brancos e negros pobres moram em bairros populares que ficam nas proximidades do córrego São João.
Nos anos 1960 a cidade vê o surgimento de instituições de ensino superior, graças a iniciativa de visionários que apostavam no ensino privado para substituir a ausência do ensino público. Ao mesmo tempo o governo do estado amplia a rede de escolas públicas de ensino básico. Porém, a partir dos anos 1980, o ensino público passa a ser sucateado, em função de políticas equivocadas do governo do estado e tem primazia o ensino particular. Há uma apartheid social na cidade, onde os jovens pobres estudam preferencialmente nas escolas públicas e os jovens ricos e de classe média nas escolas particulares.
Nos anos 1970 a cidade, que sempre foi controlada por partidos políticos conservadores, tem uma reviravolta com a eleição de um prefeito da oposição, que inicia um processo de democratização da participação política dos habitantes da cidade, com o estímulo para o surgimento dos representantes de bairro e, ao mesmo tempo, políticas públicas de inclusão em diversas áreas como esporte, saúde, lazer, cultura e educação.
Também é desse período o início da criação de bairros proletários com casas à preço baixo para a população pobre que, dessa maneira, passa a ter direito à condição de moradia digna. Atualmente o déficit habitacional da cidade é pequeno. Porém, o plano diretor da cidade atualmente em vigor estabelece uma linha divisória no meio da cidade, dando prioridade as residências de classe média e alta em direção à serra da Mantiqueira e, as classes populares em direção oeste, no sentido de Campinas e São Paulo, onde é permitido todo tipo de atividade produtiva, comercial e de prestação de serviço.
A cidade conta com um teatro, construído no início do século XX, e que na época era reservado às elites locais. Porém, atualmente, diversas manifestações artísticas ocorrem nesse teatro e são franqueadas à população como um todo, em especial a Semana Guiomar Novaes, que ocorre sempre no mês de setembro.
Sinto que a cidade está progressivamente se democratizando, com a ampliação de aparelhos do estado, tanto municipais, como estaduais e federais (e nesse sentido temos o exemplo da criação de uma escola técnica), no sentido de melhorar a qualidade de vida da população. Um aspecto que precisa ser relevado é o fato de que, mesmo com o crescimento econômico e a presença de políticas públicas significativas, a desigualdade social continua e o mercado de trabalho é bastante restrito. Ainda há muito o que se fazer na cidade, em especial a conscientização política da população no sentido de tornar a sociedade mais participativa no cenário político ampliando, desta forma, sua cidadania e sua capacidade e potencial de intervenção no processo de gestão da cidade.

2 comentários:

  1. Olá Paulo
    Amo demais minha cidade e gostei muito de ler sobre ela ... Parabéns pelo blog ....
    Vou estar sempre por aqui visitando-o ...
    um abraço
    Beth

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  2. Muito bom seu texto, Paulo. Foi gratificante ler um texto com tamanha análise histórico-social da cidade.

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