quinta-feira, 2 de julho de 2009

Como está o ensino médio no estado de São Paulo?















A situação atual do ensino médio no estado de São Paulo é de crise de identidade. Para se refletir sobre a realidade da educação nesse momento importante da educação básica é necessário separar o ensino privado do ensino público.
Começo pela análise do ensino privado em que lecionei por quase vinte anos.
As escolas particulares, a partir dos anos 1980, passaram a adotar os sistemas de ensino que são grandes empresas capitalistas que apresentam os conteúdos das diversas disciplinas no formato de apostilas. Praticamente não são utilizados mais livros didáticos e paradidáticos no ensino médio privado.
Nesse sentido, existe uma padronização do ensino, onde o conteúdo é priorizado e o professor nada mais faz do que repetir, de forma não crítica e não reflexiva, o conteúdo disponibilizado pela apostila, no formato de aula 1, aula 2, aula 3 e assim por diante.
Os alunos possuem um texto específico por aula e uma bateria de exercícios, muitos deles retirados de vestibulares, para "treinarem" suas habilidades e competências para "responder" perguntas, e não para "fazer" perguntas. Trata-se de um condicionamento no estilo mais que clássico do behaviorismo em psicologia. O melhor aluno é aquele que consegue resolver a maior quantidade de problemas, seguindo as regras e padrões estabelecidos pelos professores nas aulas normais e nas aulas de "reforço".
Não se estimula o pensamento, a reflexão, a crítica e outras habilidades intelectuais necessárias à formação do jovem enquanto cidadão. Pelo contrário, passa-se uma visão para eles de que são a "elite intelectual" do ensino médio, porque têm condições de pagar a escola particular e, desta forma, poderão frequentar as melhores universidades públicas do país.
Esse modelo não somente está institucionalizado como também cria um verdadeiro apartheid educacional. Na medida em que os vestibulares são provas de conhecimentos gerais e pedem a memorização e a capacidade de resolução de problemas específicos nas mais variadas disciplinas, no final do processo, são esses alunos de classe média, principalmente, que pagam as escolas de ensino médio, que irão ter acesso às vagas escassas das universidades públicas nacionais.
De maneira geral, a estrutura "pedagógica" dessas escolas possui uma estrutura hierárquica extremamente rígida, formada pelo proprietário, um empresário capitalista que visa essencialmente o lucro e, subordinado a ele, um diretor, que é o responsável pelos procedimentos burocráticos e administrativos e pela intermediação com as diretorias regionais de ensino da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo que, por meio de seus supervisores de ensino, estão encarregadas de fiscalizar a lisura do processo educacional no ensino privado. Depois vem o coordenador pedagógico, que na verdade faz as vezes de um relações públicas, procurando tratar os alunos e seus pais ou responsáveis, sob a ótica do sistema capitalista, como clientes e, nesse caso, o cliente sempre tem razão. Os professores são contratados como horistas, ou seja, não possuem horas atividades para se dedicarem à preparação de aulas, estudos paralelos, reuniões pedagógicas etc. Na verdade, essas atividades são consideradas prescindíveis, pois o material apostilado pressiona o professor a uma ação em sala de aula programada de cima para baixo. Não há participação democrática desses docentes na escola. O sistema é extremamente autoritário. Uma prova disso é o sistema de contratação dos docentes. Geralmente o docente é contratado pelo proprietário da escola, a partir de indicações, sem a participação do colegiado da escola, e a negociação salarial, por exemplo, é realizada individualmente. Tanto é que se discute tudo na sala dos professores: futebol, filhos, culinária etc; menos o quanto cada um ganha. O princípio de isonomia salarial não é respeitado e as escolas privadas realizam uma pesquisa de "ibope", que não se trata de uma avaliação institucional, para "rankiar" os professores. Aqueles que são considerados "mais legais" pelos alunos têm a sua hora aula valorizada e, para isso, os critérios não é a competência, mas o "gingado" do professor no sentido de tornar sua aula mais "divertida", mais "interessante" em função da piadinha certa na hora certa. O conhecimento não é mais o objetivo, mas sim a satisfação do cliente.
Enfim, a escola privada de ensino médio promete o "melhor" ensino, mas na verdade vive da aparência na medida em que a sociedade de consumo privilegia a "marca", a "etiqueta" da mercadoria e, nesse sentido, tanto professor, como material didático e o próprio conhecimento são transformados em mercadorias que geram lucro para o empreendedor privado. O que se verifica é a ausência de um espaço reflexivo, de produção do conhecimento. A sala de aula é um local de reprodução de um conhecimento geralmente equivocado, impresso nas apostilas, que o professor tem que repetir sem fazer qualquer crítica à mesma, pois é na apostila, na venda dela, que o empresário do sistema de ensino e o dono da escola ganham a maior parte de seus lucros. É por isso que muitas escolas particulares oferecem bolsas de estudos para os alunos de classe média baixa, mas não deixam de cobrar o material apostilado. É a mina de ouro da educação privada! Livros??? Não é necessário mais... Ouvi há alguns anos atrás, da boca de uma pedagoga bastante prestigiada na região, que os livros estão fadados à extinção, pois agora a internet irá substituí-los definitivamente!!!
Agora irei tecer algumas reflexões sobre a educação pública relativa ao ensino médio.
A rede pública vinculada à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, no âmbito do ensino médio, sempre esteve relegada à segundo plano. Isso em uma perspectiva histórica. Até os anos 1970 haviam poucas escolas de ensino médio públicas no estado de São Paulo. As poucas que haviam atendiam um público que hoje está presente na escola privada. Então, na época, os docentes da rede pública recebiam salários dignos e atendiam a um público que não era formado na sua maioria por filhos de trabalhadores, mas era oriundo da classe média. O professor da escola pública até os anos 1970 tinha prestígio, principalmente nas cidades do interior. A partir dos anos de 1980 houve um avanço na "democratização" do ensino público no nível médio, antigo colegial. Construiram-se novas escolas e contrataram-se mais professores. Porém, o governo do estado estabeleceu uma política de arrocho salarial que afastou os melhores docentes da rede pública. Os poucos que ficaram, ficaram por idealismo ou por convicções políticas. A "democratização" do ensino médio público não significou uma melhoria na qualidade de ensino, pelo contrário, apenas aumentou o número de vagas para atender aos filhos da classe trabalhadora e, nesse sentido, o público majoritário é de jovens que estão já inseridos no mercado de trabalho recebendo baixos salários e que estudam à noite. Uma questão importante: como um jovem entre 14 e 17 anos, que trabalha o dia todo, de segunda à sábado, tem tempo ou condições físicas e psicológicas de estudar os conteúdos oferecidos no período noturno, das 19 as 23 horas, com qualidade? Na verdade, o que acontece de fato, é apenas a presença do aluno em sala de aula. Ele não tem tempo nem condições físicas e psicológicas de estudar o que assistiu em sala de aula em casa pois, mesmo que tenha o domingo livre, está tão cansado que troca o estudo pelo lazer.
Em relação ao material para estudar, a escola pública, diferente da escola privada, não oferecia livros didáticos e, desta forma, a maioria dos professores escrevia na lousa o conteúdo para ser copiado pelo aluno em um caderno, muitas vezes adquirido com dificuldade. Muitas vezes ocorria a prática do "ditado", em que o professor lê um texto e os alunos copiam. Como a aula tem 50 minutos, no final não há tempo para se refletir sobre o conteúdo "ditado". Isso foi assim durante os anos 1980 e 1990 e início do ano 2000.
Uma questão que deve ser citada é o fato de que, na escola pública, apesar das dificuldades, o professor possuia liberdade de cátedra e, desta forma, elaborava seu plano de ensino com liberdade, atentando para os aspectos da sua disciplina que considerava mais importante e relevante. Essa prática da liberdade de cátedra não existe na escola privada, que está sob a ditadura das apostilas dos sistemas de ensino empresariais...
Há aproximadamente 2 anos, o ensino público médio sofreu alterações que considero significativas. O governo federal passou a fornecer o livro didático, que é comprado com dinheiro público e fica a disposição do aluno, mas não é sua propriedade. É propriedade pública e, desta forma, quando o aluno terminar a 3a. série, deixará o livro didático para que outros alunos possam utilizá-los. Essa iniciativa foi muito importante, pois desta forma o aluno do ensino médio passa a ter um material teórico em que pode estudar e acompanhar as aulas. Um detalhe importante: cada escola faz um questionário com os professores para que eles indiquem o livro didático de sua preferência e os mesmos são adquiridos pelo governo federal através de um processo licitatório.
O governo do estado elaborou uma proposta curricular para cada disciplina. O sindicato dos professores (APEOESP) fez críticas a essa proposta. Não posso dizer nada à respeito das outras disciplinas mas, no tocante a disciplina de História e de Sociologia que leciono no ensino médio público posso garantir que a proposta é de qualidade, não somente em relação aos temas abordados, que estão diretamente associados às problemáticas contemporâneas como desigualdade social, preconceito, cidadania etc, mas também em relação à qualidade dos textos e autores citados, qualidade dos exercícios e propostas de trabalho e indicação bibliográfica.
Porém, o material oferecido pela Secretaria da Educação é mínimo diante das exigências do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) que servirá como "vestibular" para dezenas de universidades federais de todo o Brasil e para a classificação do aluno que pretende cursar uma universidade privada e ter acesso ao programa de bolsa de estudos do governo federal, denominado PROUNI.
Desta forma, minha experiência no ensino médio público atualmente é o de trabalhar com meus alunos o conteúdo previsto para todo ensino médio, utilizando a proposta curricular do governo do estado e também o livro didático oferecido pelo governo federal. Porém, a escola pública, ao garantir a liberdade de cátedra, permite que eu agregue novos textos, novas abordagens, faça a crítica tanto ao material didático oferecido pelo estado como pelo governo federal, não me submetendo a um sistema autoritário que possa existir. Pelo contrário, no espaço da sala de aula na escola em que leciono, e creio que essa realidade é disponível para todos os professores das escolas públicas do estado de São Paulo, tenho total liberdade de cátedra e posso realizar meu trabalho como um processo que não somente permite que eu me realize pessoal e profissionalmente, mas também que utilize minha prática docente como um instrumento de transformação de valores e idéias no sentido de contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática, com seres humanos mais conscientes de seus direitos e deveres e, principalmente, aptos para o exercício completo da cidadania.
Deixei de lado diversos outros aspectos que fazem parte do contexto do ensino médio paulista, inclusive questões de ordem salarial, carreira docente, oportunidades de formação continuada etc. Talvez venha abordar esses outros temas em uma nova oportunidade.

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