sexta-feira, 3 de julho de 2009

O grito





















O famoso quadro "O grito" foi criado pelo pintor norueguês Edvard Munch, que nasceu em 1863 e morreu durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944. Munch foi um dos precurssores do expressionismo, uma proposta estética que tinha na subjetividade e na angústia diante das incertezas do mundo seus principais inspiradores.
Para ele, a arte era um meio de se lutar contra a sociedade, mas também contra os horrores existenciais que tanto permeavam a passagem do século XIX para o século XX, como a dor, o sofrimento, a doença e a própria morte. Ele mesmo era um homem que vivia doente e tinha ressentimentos em relação à sua infância pelo fato de sua mãe ter morrido quando ele tinha apenas cinco anos e sua irmã mais velha quando ele era adolescente.
Munch sempre esteve atento para a fragilidade do ser humano e sua condição de finitude, de transitoriedade diante da vida. Essa percepção da pequenez humana, de sua existência marcada pelo medo e terror em relação a natureza e o sobrenatural, mas também em função de estar condicionado por uma socieadade em transição, marcada pela presença do urbano, da massa, da invisibilidade e do non sense, traduzem-se em sua obra a partir do reconhecimento de que o homem, apesar de ser um "caniço pensante", como afirmou Pascal, era na verdade não um sujeito no mundo, mas uma consequência do próprio mundo, subordinado às suas incertezas e às suas próprias paixões subjetivas que nunca seriam de todo satisfeitas. A condição humana para Munch era a de um ser destinado ao vazio existencial que, segundo Schopenhauer, se caracterizava pela dor e o sofrimento produzidos pelo desejo e, ao tê-lo satisfeito, a sensação de nadificação proporcionada pelo tédio e, mais uma vez, a dor de um novo desejo, ou no dizer de Schopenhauer, a "vontade".
O quadro "O grito" foi pintado por Munch com trinta anos de idade. É considerada sua principal obra e uma das mais importantes do movimento expressionista. O quadro retrata a angústia e o desespero e foi inspirado nas decepções do artista tanto no amor quanto com seus amigos e, desta forma, atesta a singularidade de sua sensibilidade diante da solidão inerente à condição humana. Seu envolvimento com uma mulher casada, que lhe trouxe mágoa e desespero e o rompimento de relações com seu pai que, durante sua infância foi terrivelmente cruel com o jovem Munch por meio de ações autoritárias e castradoras, são de fundamentais importância para a compreensão do desespero que aparece na figura do quadro.
A falta de um fundamento para a existência, que empobrecida pelas frustrações das relações sociais e amorosas, se traduz pelo desespero. Essa questão do desespero pode ser entendida de outra forma se recorrermos a uma tradição filosófica nietzschiana, pois o desespero é condição necessária para a superação do homem e a construção de uma extra-moralidade. Porém Munch se revolta contra a ausência de esperança e não afirma a vida, mesmo diante de tantas muralhas e obstáculos para a felicidade.
"O grito", que no original norueguês se chama "skrik", foi pintado em 1893. A figura representada no quadro e que, por um mal gosto indescritível, virou máscara de filmes de terror para adolescentes como "Pânico", representa uma figura andrógina num momento de profunda angústia e desespero existencial. O pano de fundo é a doca de Oslofjord, na cidade de Oslo, capital da Noruega, durante o pôr-do-sol.
Munch escreveu em seu diário pensamentos que revelam a inspiração que teve para a criação do quadro: "Passeava com dois amigos ao pôr-do-sol, e o céu ficou de súbito vermelho cor de sangue. Eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a mureta. Havia sangue e línguas de fogo sobre o azul escuro do fjord e sobre a cidade. Os meus amigos continuaram, mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade e senti o grito infinito da natureza".
Segundo o especialista na obra de Munch, Robert Rosenblum, a fonte de inspiração imediata para a figura andrógina de "O grito" foi uma múmia peruana que Munch viu na exposição universal de Paris em 1887.
A primeira exposição do quadro ocorreu em 1903, como parte de um conjunto de seis peças, intitulado "Amor". A idéia de Munch era representar as várias fases de um caso amoroso, desde o encantamento inicial até a ruptura final dramática. Nesse sentido, "O grito" representa a última etapa do envolvimento amoroso, envolvida em sensações de perda, de ausência, de solidão, de fragilidade, de desespero e de angústia.
O quadro em si apresenta ao fundo um céu de cores quentes, em oposição ao rio em azul, uma cor fria, que sobe acima do horizonte. Há uma figura humana também representada em cores frias, o azul, a cor da angústia e da dor. Um detalhe importante. A figura andrógina está sem cabelo e isso revela o seu estado de saúde precário, doentio. A maioria dos elementos descritos estão tortos, sinuosos, sem exatidão, como que estivessem reproduzindo o grito dado pela figura, como se o berro angustiado da figura andrógina tivesse a força e o impulso de entortar o mundo, como uma repercussão das ondas sonoras produzidas pela boca aberta em desespero.
Somente a ponte e as duas figuras humanas apresentadas no quadro não estão tortas. Todo o universo se abalou com o grito angustiado do ser andrógino, menos os supostos "amigos" e a ponte que, para o autor, não são elementos naturais. Os "amigos" pela sua falsidade e hipocrisia e a ponte por ser feita de concreto.
O quadro que revela o grito desesperado produz uma dor não somente em quem deu o grito, mas também na natureza e, desta forma revela a subjetividade de seu autor e, ao mesmo tempo denuncia a indiferença do grito desesperador em relação a quem está observando pois, a dor que é sentido por uma pessoa não é sentida pelas demais e, desta forma, não se tem uma comunicação nem uma solidariedade ou talvez mesmo compaixão por parte dos outros. Essa indiferença alheia é a causadora da maior dor e da maior angústia, mais do que o fator primário que produziu o grito, pois revela uma humanidade desprovida de simpatia e de capacidade de se sensibilizar com a dor alheia. Pelo contrário, o quadro "O grito" revela, no fundo, que a sociedade contemporânea é profundamente individualista e egoísta e, neste sentido, trata a questão do sofrimento como algo que traduz a condição solitária à qual todos nós, querendo ou não, estamos vivendo nossas existências.
Que a dor manifestada por "O grito" traga um pouco se sensibilidade para os corações dos homens e que produza por meio da compaixão um espírito de solidariedade e fraternidade tão caros à nossa condição de existência humana mas, ao mesmo tempo, tão ausente em tempos de cólera e horrores marcados pela história.

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